Saturday, June 13, 2009

ACERCA DA IRRESPONSABILIDADE ILIMITADA

O futebol profissional, assim como todas as actividades de diversão em geral, é um negócio como qualquer outro. Não devem, portanto, escandalizar os valores a que são transaccionados os passes dos jogadores.
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Em princípio não há razões para criticar os bancos que preferem conceder crédito para as transacções futebolísticas a financiar projectos direccionados para o aumento da competitividade das produções de sectores transaccionáveis. Compete aos bancos, em princípio, avaliarem os riscos das operações que realizam, não devendo o Estado, através dos reguladores, imiscuir-se nas opções de gestão das instituições bancárias. Em princípio, a iniciativa privada é livre de proceder como bem entende em termos de gestão dos seus activos, seja no campo da indústria bancária como em outro qualquer. Em princípio, os 300 milhões de euros que o presidente do Real Madrid se propõe investir na aquisição de uma nova fornada de galácticos se não forem recuperados pelos espectáculos e pelo mershandising do Florenteam deverão ser pagos por quem investiu ou quem financiou.

Em princípio é assim mas no fim pode ser muito diferente, e esta crise confirma-o. Independentemente dos efeitos perversos que uma política bancária de crédito às actividades económicas especulativas podem ter sobre o crescimento da economia, os bancos acolhem-se a uma condição de irresponsabilidade ilimitada que decorre da ameaça de risco sistémico e da mobilização de todos os esforços para o evitar. Há muitos anos, dizia-me um banqueiro da nossa praça, em resposta a uma observação que lhe fiz, que "os bancos não podem falir". É esta confiança na sua imortalidade que faz com que alguns deles se comportem descaradamente de forma irresponsável. Uma irresponsabilidade ilimitada que aproveita a todos, sobretudo em tempos de crise, quando o risco sistémico provoca o pavor de uma pandemia mortal.
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Por cá, o BPN, o BPP, o BCP são exemplos nítidos da impunidade de que todo o sistema aproveita. Ao nacionalizar o BPN não resgatou da falência apenas as actividades deste banco mas de todos os outros porque o descalabro do BPN desencadearia o risco sistémico que, consequentemente, se abateria sobre toda a economia do país.
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Milhões e milhões têm sido injectados em todo o mundo para anular os efeitos do risco sistémico financeiro. Um risco que é coberto por uma apólice cujo prémio é, injustamente, pago pelos contribuintes, constituindo uma originalidade iníqua que não tem correcção à vista. Correcção que deveria fazer pagar aos investidores, inequivocamente e de forma expedita, e não aos depositantes, as consequências dos riscos mal calculados que os operadores financeiros, propositadamente ou não, assumem.
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Por enquanto nada nos garante que um dia destes não sejamos também chamados a pagar os 100 milhões que custaram o passe do Ronaldo. O mundo é pequeno e o risco sistémico propaga-se à velocidade da luz.
É improvável mas não é impossível. Futebol e imobiliário andam, frequentemente, de mãos dadas, e ainda há bem pouco tempo um banco português, de reconhecida idoneidade, foi apanhado num buraco que atirou para a falência uma das grandes empresas imobiliárias espanholas.
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Já depois de ter escrito este comentário ouço num telejornal que o Real Madrid tem um passivo de 500 milhões e que estes contratos estão a ser financiados pela banca com a garantia pessoal do presidente do Real, um dos maiores empresários espanhóis do imobiliário. Também há já algum tempo foi notícia que o Santander estava disposto a financiar a contratação de Ronaldo.
No mesmo telejornal ouço alguns cálculos feitos a apropósito dos 100 milhões: por exemplo, trata-se de um montante que poderia matar a fome a 8 milhões de pessoas em África. Nada a fazer: mais valem as emoções de cá que as refeições de lá.

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