Monday, September 18, 2006

AS CONTAS DA INSEGURANÇA SOCIAL

Comentário colocado em A Destreza das Dúvidas, a propósito do post titulado "Contabilidade da Segurança Social"

Ontem, na Quadratura do Círculo, discutiu-se, por breves instantes, a Segurança Social. Dois sistemas de financiamento da SS parecem estar em cima da mesa:
o actual, em que as poupanças população activa pagam as reformas dos reformados,
um sistema de capitalização. A população activa, em vez de financiar a geração reformada, aplica as poupanças nos mercados financeiros que capitalizará para a sua reforma.
Ontem, todos concordavam com a superioridade do segundo. O problema eram os custos de transição. Ao se mudar do primeiro sistema para o segundo, deixa de haver dinheiro para pagar as aposentações dos reformados actuais. A solução é recorrer à Dívida Pública. Nesse ponto, exalta-se Jorge Coelho (tal como Sócrates o havia feito na Assembleia da República) dizendo que seria absolutamente irresponsável aumentar a Dívida Pública.
Na verdade, a Dívida Pública apenas aumenta contabilisticamente e não de facto. No regime actual, quem desconta para a SS recebe em troca a promessa de que receberá uma reforma quando for velho. Ou seja, o Estado assume uma obrigação para o futuro. Não está contabilizada naquilo a que chamamos Dívida Pública, mas existe.
Numa perspectiva diferente. Se houvesse uma mudança do regime de SS, a Dívida Pública aumentaria contabilisticamente, mas também aumentariam os Activos Públicos. Porquê? Porque os descontos, que antes eram transferidos para pagar as reformas, passariam a ficar retidos. Ou seja, aumenta a Dívida, mas aumentam os Activos no mesmo montante. As contas anulam-se.
P.S. Não se pense que estou a dizer que não há custos de transição.

Leio a sua clarificação e leio os comentários que se afastam, geralmente, daquela.

Este post precisa uma questão que tem sido badalada de forma acrítica: a de que a transição do sistema, se financiada por empréstimos, aumenta a dívida pública. E não aumenta, efectivamente. Aumenta a dívida contabilizada mas não aumenta a dívida efectiva. Aumentará os encargos (juros), aliás como o LA-C ressalva.

A questão é importante, independentemente da discussão acerca do mérito relativo das propostas em confronto, e radica na forma como são contabilizados as receitas, as despesas, os proveitos e os encargos da Segurança Social, e em geral de toda a actividade do Estado traduzida em valores monetários.

O Estado, não só o Estado português reconheça-se de passagem, não releva todos os seus encargos do mesmo modo que impõe, e bem, às instituições privadas a contabilização de todos os compromissos por elas assumidos, independentemente dos prazos em que esses compromissos se tornam exigíveis.

É essa fuga de evidência das responsabilidades que leva a esta confusão no cálculo das responsabilidades futuras e que, se não é, parece um exercício de ocultismo.

Com efeito, se o Estado se obrigasse a realizar e contabilizar, anualmente, os cálculos actuariais das suas responsabilidades futuras relativamente ao universo de contribuintes, dos quais recebeu ao longo dos anos 34,5% (!) do valor dos salários pagos pelos empregados e empresas obrigatoriamente confiantes na honorabilidade do Estado, não assistiríamos a esta demonstração pública dos órgãos supostamente competentes do Estado chegarem hoje a conclusões completamente diferentes daquelas que afirmaram com idêntica convicção há poucos anos atrás. Com a agravante de parte dos relatores serem os mesmos.

Mas o Estado (isto é, os tutores que gerem os seus interesses e prosseguem frequentemente interesses divergentes dos interesses do tutelado) é relapso à prestação de contas. A discussão do Orçamento Anual do Estado é, politicamente, um confronto atestado onde se debate, inutilmente, o déficit até às décimas. As contas, contudo, nem são aprovadas nem publicadas a tempo e horas. E frequentemente as dúvidas são tantas que se receia que o Governador do Banco de Portugal possa colmatar a sua redução de atribuições enquanto tal com as de Contabilista-Mor da República.

Não há razão nenhuma para que as contas da Segurança Social, incluindo as responsabilidades assumidas perante aqueles a quem foi imposto o pagamento de um pesado tributo (os tais 34,5% dos seus ordenados) e as dos outros Ministérios, e as dos governos das Regiões Autónomas e as dos Municípios não sejam divulgadas de forma acessível a todos os contribuintes. A não ser a razão da falta de racionalidade da gestão da coisa pública.

Se essa publicação fosse feita toda a gente perceberia melhor o que está em causa.

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