Saturday, August 05, 2006

ANTOLHOS



No tempo em que havia burros, costumavam os donos colocar nos olhos dos animais de tracção palas laterais que os obrigavam a olhar sempre em frente. Eram os antolhos. Pelos vistos a tendência natural dos jumentos levava-os a olharem para os lados, a espantarem-se, e a desviarem-se das rotas que os seus senhores estabeleciam. Os antolhos funcionavam, deste modo, como prótese correctora de uma propensão asinina para arrepiar caminho.

Curiosamente, a humanidade, contrariamente à asinidade, não precisa de prótese porque a sua tendência natural é a de olhar sempre para o lado com que nasceu programada. A comparação talvez seja insolente e a questão, à primeira vista, pode parecer anedótica mas foi objecto de estudo científico.

Segundo um artigo publicado no Washington Post de 31/7/2006, e que a seguir se transcreve para memória futura,

Psychological experiments in recent years have shown that people are not even-handed when they process information, even though they believe they are.
(When people are asked whether they are biased, they say no. But when asked whether they think other people are biased, they say yes.) Partisans who watch presidential debates invariably think their guy won. When talking heads provide opinions after the debate, partisans regularly feel the people with whom they agree are making careful, reasoned arguments, whereas the people they disagree with sound like they have cloth for brains.

Unvaryingly, partisans also believe that partisans on the other side are far more ideologically extreme than they actually are, said Stanford University psychologist Mark Lepper, who has studied how people watch presidential debates.

Although it is satisfying to think that your side is right and the other side consists of morons, the systematic errors that can be documented in partisan perception suggest something deeper than deliberate tunnel vision.
A leitura integral do artigo em questão (que se transcreve no fim destes comentários) explica que esta perspectiva fixa, que caracteriza o comportamento humano na sua apreciação dos outros, nomeadamente em matérias de posicionamento político, não é moldada por razões meramente tácticas e pontuais, ou de estratégicas de longo prazo, porque se inscreve num programa a que cada um automaticamente obedece, irremediavelmente.

No caso de ocorrerem razões laterais que, eventualmente, possam distrair os pacientes partidários da rota programada, mecanismos automáticos correctivos de auto justificação garantem o rumo pré estabelecido.

O artigo não o refere mas, como em tudo na vida, as regras que os psicólogos descortinaram têm de ter, obviamente as suas excepções. Para nelas caberem os tresmalhados, que constituem aquela massa cinzenta (escrevo isto e interrogo-me se terá esta alguma coisa a ver com a outra) que não é preta nem branca, que consegue gostar de futebol sem torcer por nenhuma equipa, uma espécie ET.

Porque nas excepções não cabem as transmutações. Aos transmudados, aqueles que, geralmente de moto próprio e por razões de natureza vária, reprogramaram os seus trajectos, aplica-se, como corolário, a lei geral. O estudo não os refere explicitamente mas a dedução é evidente.

As transmutações são, como se sabe, mais frequentes nas áreas da partidarização política do que no futebol ou na religião. É certo que o estudo a que nos estamos a referir não aborda estes dois outros campos da partidarização mas é perfeitamente legítimo alargar-se a estes as conclusões a que os cientistas psi chegaram a propósito da partidarização política. Trata-se de um negligenciável contributo nosso, facilmente confirmável de modo empírico.
“Podemos mudar de mulher mas não de clube”, reconhecem os clubistas.
E em matéria de fé, “a fé não se discute”, está tudo dito.

E como a simetria é uma espantosa quase constante biológica, arriscamos mais uma dedução: como, muito provavelmente, a programação das mentes partidárias se distribui de forma equitativa, os resultados eleitorais dependem irremediavelmente das pendências dos cinzentos. Os cinzentos, contudo, ainda que tresmalhados, não fogem à fatalidade simétrica e distribuem-se também equitativamente. De modo que, sempre que as disputas eleitorais se bipartidarisam, os resultados tendem a ser decididos com “foto finish”, utilizando a expressão do EL País de 7/7.

Nas eleições mais recentes, relembra aquele periódico espanhol:

Itália – Berlusconi tardou em reconhecer os resultados oficiais que deram a vitória a Romano Prodi. Os italianos esperaram uma semana pela decisão do Tribunal que confirmou o triunfo de Prodi por uma escassíssima margem de 24 755 votos.

Alemanha – A CDU liderada por Angel Merkel superou com apenas 35,2% os 34,3% do SPD. A diferença foi de 442 880 votos e obrigou a uma grande coligação entre os dois principais partidos.

EUA – George W. Bush conseguiu uma vitória muito polémica para o seu primeiro mandato, em 2000, à custa de 537 votos obtidos na Florida, sobre o seu rival, Al Gore, que viria a obter mais votos em todo o país (48,4%, contra 47,9% de Bush). Como o sistema norte-americano de eleições presidenciais se faz atribuindo a vitória ao candidato com maior número de delegados eleitos pelos 52 Estados, e não existe correspondência perfeita entre o número de eleitores e o de delegados eleitos, Bush ganhou à custa de uma muito controversa magríssima margem de votos obtidos na Florida.

Para o segundo mandato, em 2004, a situação quase se invertia, desta vez a favor o seu opositor, John Kerry, tendo os resultados finais ficado dependentes das contagens no Ohio.

Em 1960, Kennedy bateu Nixon por apenas 114 000 votos.

Israel – Em 1996 Benjamin Natanyahu bateu, surpreendentemente, Simón Peres, por apenas 30 000 sufrágios.

Costa Rica – O social-democrata Óscar Árias, prémio Nobel da Paz, venceu já este ano, em Fevereiro, Ottón Solís por 18 169 votos, depois de julgadas pelo Supremo 696 irregularidades.

México – Os votos foram recontados e impugnadas as eleições pelo candidato de esquerda.

É certo que, entretanto, muitas outras eleições tiveram lugar com resultados bem mais distanciados. No entanto, e salvo circunstâncias muito excepcionais, de que a última vitória de Chirac sobre Le Pen é o exemplo mais flagrante, a distribuição dos votos raramente é, em democracia, muito desequilibrada.

A eleição democrática não será, portanto, como alguns pretendem, inquinada pela assimetria da informação que comanda o meu voto geralmente mal informado relativamente ao voto dos abundantes senhores analistas políticos deste país, necessariamente sempre muito bem informados.

O inquinamento, a existir, decorre, não da assimetria na informação mas na simetria da programação partidária das mentes.


DISPATCH FROM THE DEPARTMENT OF HUMAN BEHAVIOR How the Brain Helps Partisans Admit No Gray

By Shankar Vedantam
Washington Post Staff Writer
Monday, July 31, 2006; Page A02

President Bush came to Washington promising to be a uniter, but public opinion polls show that apart from a burst of camaraderie after Sept. 11, 2001, America is more bitterly divided and partisan than ever.

We'll leave the pundits to pontificate on the politics, and instead explore a more interesting phenomenon: People who see the world in black and white rarely seem to take in information that could undermine their positions.

Psychological experiments in recent years have shown that people are not evenhanded when they process information, even though they believe they are.
(When people are asked whether they are biased, they say no. But when asked whether they think other people are biased, they say yes.) Partisans who watch presidential debates invariably think their guy won. When talking heads provide opinions after the debate, partisans regularly feel the people with whom they agree are making careful, reasoned arguments, whereas the people they disagree with sound like they have cloth for brains.

Unvaryingly, partisans also believe that partisans on the other side are far more ideologically extreme than they actually are, said Stanford University psychologist Mark Lepper, who has studied how people watch presidential debates.

Although it is satisfying to think that your side is right and the other side consists of morons, the systematic errors that can be documented in partisan perception suggest something deeper than deliberate tunnel vision. (Last Monday, this space was devoted to the curious phenomenon of the "hostile media effect," in which pro-Israeli and pro-Arab partisans shown the same TV clips both came to the conclusion that the news accounts were heavily biased in favor of the other side.) What explains these distortions in perception?

In an experiment that pols may want to note closely, researchers recently plopped 10 Republicans and 10 Democrats into scanners that measure changes in brain-blood oxygenation. Such changes are thought to be linked to increases or decreases in particular areas of brain activity.

Each of the partisans was repeatedly shown images of President Bush and 2004 Democratic challenger John F. Kerry.

When Republicans saw Kerry (or Democrats saw Bush) there was increased activation in brain areas called the dorsolateral prefrontal cortex, which is near the temple, and the anterior cingulate cortex, which is in the middle of the head. Both these regions are involved in regulating emotions. (If you are eating an ice cream cone on a hot day and your ice cream falls on the sidewalk and you get upset, these areas of your brain remind you that it is only an ice cream, that not eating the ice cream can help keep those pounds off, and similar rationalizations.) More straightforwardly, Republicans and Democrats also showed activation in two other brain areas involved in negative emotion, the insula and the temporal pole. It makes perfect sense, of course, why partisans would feel negatively about the candidate they dislike, but what explains the activation of the cognitive regulatory system?

Turns out, rather than turning down their negative feelings as they might do with the fallen ice cream, partisans turn up their negative emotional response when they see a photo of the opposing candidate, said Jonas Kaplan, a psychologist at the University of California at Los Angeles.

In other words, without knowing it themselves, the partisans were jealously guarding against anything that might lower their antagonism. Turning up negative feelings, of course, is a good way to make sure your antagonism stays strong and healthy.

"My feeling is, in the political process, people come to decisions early on and then spend the rest of the time making themselves feel good about their decision," Kaplan said.

Although it seems paradoxical that people would want to make themselves feel poorly, Kaplan said partisans have a strong interest in feeling poorly about the candidate they are not going to vote for as that cements their belief that they are doing the right thing.

"Democrats looking at Bush may have some positive feelings about the fact he is their leader, so the process of convincing yourself this is someone you don't like when you intend not to vote for him makes sense," he said.

The result reflects a larger phenomenon in which people routinely discount information that threatens their preexisting beliefs, said Emory University psychologist Drew Westen, who has conducted brain-scan experiments that show partisans swiftly spot hypocrisy and inconsistencies -- but only in the opposing candidate.

When presented with evidence showing the flaws of their candidate, the same brain regions that Kaplan studied lighted up -- only this time partisans were unconsciously turning down feelings of aversion and unpleasantness.

"The brain was trying to find a solution that would get rid of the distress and absolve the candidate of doing something slimy," Westen said. "They would twirl the emotional kaleidoscope until it gave them a picture that was comfortable."

1 comment:

Unknown said...

que eu saiba os antolhos servem para proteger os olhos dos animais da ponta do chicote, razão porque se usam só em animais de tiro. Ou será que os de sela não olham para os lados?