“... passo por uma ETAR (estação de tratamento de águas residuais) que começou a ser feita num local, depois verificou-se que havia um erro de localização e construção e mudou-se para outro. Parece que a consistência das terras impedia a construção. Responsabilidades? Nenhumas. Depois a mesma ETAR que devia funcionar há muito, não está a funcionar, os esgotos correm em campo aberto perante a indiferença generalizada, com excepção dos mosquitos e moscas.” JPP – Público de 28/4/2005
Duvido que o artigo de JPP “A voo de pássaro”, tenha suscitado reacção notória neste País letárgico. A nossa propensão para a lamentação, onde o coro se afina com facilidade e entusiasmo para desancar, não atina para pensar a mudança e as formas de mudar; e quando eventualmente pensa, não encontra o tom para a reflexão construtiva.
As eleições autárquicas estão á porta, é agora a hora de reflectir sobre o decantado poder autárquico, as suas virtudes, os seus custos, as suas responsabilidades e os seus desastres. É a hora de dizer que este não é um país de burgessos que alguns querem continuar a iludir com cartazes que ainda não sabemos bem quem paga mas sabemos porque paga.
A fotografia de JPP só não apanhou o rio de recursos gastos acima dos previstos mas sabemos que é geralmente caudaloso.
Porque é que isto acontece?
Responder a esta pergunta implica olhar para a forma de governação autárquica que muitas vezes desgoverna. Porque o desgoverno é isso mesmo: a utilização descontrolada e ineficiente dos recursos postos à disposição de quem os deveria governar com lisura.Neste período que antecede as eleições autárquicas deveria a normalmente designada sociedade civil (a outra, por antinomia só pode ser a sociedade armada de poderes e vantagens que deveríamos controlar) debater e provocar a mudança. E a mudança não se provoca apenas porque se limita o número de mandatos. Podemos pensar até que pode impedi-la. Não pelo raciocínio simplista de que mamará menos o que está há mais tempo a mamar mas por razões mais subtis e, por isso mesmo, mais ruinosas.
A decisiva razão porque, normalmente não se apuram responsabilidades nem se penalizam os responsáveis na gestão autárquica (pode até ocorrer o contrário, i.e., beneficiar-se o infractor) decorre do modelo que se caracteriza por ausência ou ineficiência dos mecanismos de controlo e que induz e consente actuações perversas. A ausência de controlo efectivo é factor de perversidade que arruina não só os municípios portugueses mas tem sido a causa do desmoronamento de grandes corporações a nível internacional (casos da Enron, da Parmalat, p.e.).
1 – Sendo o executivo autárquico, em princípio, pluripartidário a responsabilidade da gestão compete ao Presidente e, por delegação, aos vereadores representantes dos partidos pelos quais foram eleitos;
2 – Em nome da eficiência da gestão, o pluripartidarismo da gestão autárquica transforma-se em gestão de coligação forçada, podendo ocorrer mesmo casos de trânsfugas de um partido para outro por solidariedade oportunista com o grupo dominante; se a coligação forçada não for consumada, ocorrem situações de guerrilha interna que determinarão mais cedo ou mais tarde, dependendo da relação de forças, a queda do executivo;
3 – A partir do momento em que todas as forças partidárias, com implantação local significativa se encontram representadas no poder executivo, e são, portanto, parte desse poder, esvai-se a capacidade de controlo partidário. A regra interna passa a ser então: desculpai-vos uns aos outros;
4 – Por outro lado, a probabilidade de ocorrerem erros graves de gestão é muito elevada. Os vereadores a quem são delegadas competências de gestão não têm, em muitos casos, experiência das áreas que vão gerir. Subiram na hierarquia partidária por outros méritos. E se têm, eventualmente alguma experiência por antecedentes no sector privado, tornam-se suspeitos de favorecimentos;
5 – Os vereadores, ao assumirem a gestão de áreas de intervenção tão específicas quanto a recolha de lixos, a rede esgotos, o plano de urbanização, os cemitérios, etc., subalternizam as responsabilidades dos Directores dos departamentos respectivos e, implicitamente, desresponsabilizam-nos. A estrutura orgânica da câmara fica, portanto, totalmente dependente dos senhores vereadores e dos seus caprichos e interesses próprios, muito atenta, veneradora e obrigada.
6 – A gestão camarária deveria ser da responsabilidade de uma comissão executiva constituída por um Presidente proposto pelo partido maioritário e um número variável de vogais, consoante a dimensão do município, responsáveis pelas direcções dos diferentes departamentos. Aos vereadores eleitos competiria a aprovação dos Planos e Orçamentos Plurienais e Anuais e controlar a respectiva execução.
7 – No caso concreto da ETAR sobrevoada, se a vereação municipal tivesse aprovado a sua construção, em sede de Plano Anual, e em sequência da estratégia fixada para a área de sanemento em Plano Plurienal, a sua execução seria da responsabilidade da comissão executiva e a vereação pedir-lhe-ia contas.
8 – Deste modo, responsabilizar-se-iam aqueles que por incompetência tivessem previsto uma ETAR para local não adequado e a tivessem construído sem que o seu arranque estivesse coordenado com os outros investimentos ou requisitos que a colocariam de imediato em funcionamento após a conclusão da construção.Na situação actual, são indestrinçáveis as responsabilidades dos directores das dos vereadores, donde a conclusão óbvia que alguém está a mais ou os directores não o são efectivamente ou são-no à maneira de Sir Humphrey.
9 – As relações perversas entre os autarcas e os construtores, que leva aqueles a encomendar obra e estes a obrar sem planos de coordenação nem controlo, seria muito minorada.
10 – Os vereadores não deveriam ter retribuição, ou deveriam ser retribuídos em função da sua presença nos reuniões mensais de conselho municipal com a comissão executiva; deste modo, a vereação deixaria de ser tido como emprego e reforma prematura para gente à procura de vantagens próprias e seria fundamentalmente desempenhada como serviço público; Já a comissão executiva deveria ser remunerada de forma competitiva com as condições prevalecentes no mercado de trabalho para as exigências que as funções dos seus membros impõem.
11 – Os planos, orçamentos e contas dos municípios deveriam ser de publicação obrigatória nos jornais locais. É, indiscutivelmente, absurdo que a lei obrigue (e bem) a publicação dos relatórios e contas das sociedades anónimas que poderão ter muitos accionistas mas não excederão nunca o número de contribuintes que somos todos nós, incluindo os que são accionistas e não seja exigida igual publicação das contas dos municípios e institutos públicos.Já alguém disse, há muito tempo, que a luz do sol é o melhor dos desinfectantes. É a este título exemplificativo de quanto os autarcas se servem dos lugares que ocupam em lugar de servir nesses lugares, os boletins que nos enviam periodicamente os autarcas das freguesias promovendo-se através de editoriais bacocos ilustrados com as suas fotografias. Nunca nesses boletins são publicadas as contas da autarquia. Porquê?Porque não lhes sobra espaço. Os boletins enchem-se de relatos de excursões que estas autarquias promovem. Na minha, há tempos foram até ao Vaticano. Quem foi? Não os mais desfavorecidos, coitados, esses foram acamados em depósitos a que chamam lares ou, se ainda se mexem, nunca viram o mar.Num destes últimos fins-de-semana almoçava num restaurante da Carapinheira, próximo de Montemor-o-Velho, um grupo de gente madura que se transportava num autocarro da Câmara Municipal de Oeiras. Aliás, é frequente encontrarem-se autocarros destes um pouco por todo o país.
12 – Porque não se pergunta para que servem as juntas de freguesia e quanto custam? A verdade é que custam muito e servem, sobretudo, os autarcas excursionistas.
Com estas tortas e bolos só deixaremos de ser um país de tolos quando houver informação da forma como são gastos os dinheiros públicos.
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