Wednesday, March 11, 2015

PITÕES DE JÚNIAS

"Pitões de Júnias, Barroso, 8 de Setembro de 1983

Só vistas, a aspereza deste ermo e a pobreza do mosteiro desmantelado. Mas canta dia e noite, a correr encostado às fundações do velho cenóbio beneditino, um ribeiro lustral. E o asceta e o poeta que se degladiam em mim, de há muito peregrino desta solidão, mais uma vez se conciliam no mesmo impulso purificador, a invejar os monges felizes que aqui humildemente penitenciaram o corpo rebelde e pacificaram a alma atormentada. O corpo a magoar-se contrito no cilício quotidiano da realidade e a alma a ouvir de antemão, enlevada, a música da eternidade."

(Miguel Torga - "Diário XIV, pág. 62)

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- Quantas pessoas habitam hoje aqui?
- Umas cento e cinquenta, não mais.
- Quantas casas estarão habitadas?
- Umas cinquenta, menos de um terço das casas todas.
- Como era esta aldeia há trinta anos?
- Mais pobre ainda. Havia muita sugidade no chão, hoje há menos bostas do gado, construiram-se vacarias fora das casas.
- Há muita casa abandonada, muita ruína ...
- Pois há. Mas há alguma reconstrução de casas antigas e construção de casas novas. No Verão vem muita gente, a partir de Junho, também durante as festas, aos fins-de-semana, agora vem pouca durante os dias de semana.
- Quantos residentes teria há trinta anos?
- O dobro de agora, uns trezentos. Há sessenta anos, era o meu avô ainda um jovem, seriam oitocentos, dizia-me ele.
- Não tem escola?
- Não. Deixou de ter. Não temos escola, não temos médico, não temos farmácia. Para tudo, temos de ir a Montalegre, que fica a 20 quilómetros.
- Mas há transporte para a escola em Montalegre ...
- Há, mas para os mais pequenos é duro. Para os outros compreende-se, ainda que o ensino não tenha qualidade. Quem quiser que os filhos tenham melhor ensino tem de os ter em Braga. Mas quem
pode?
- Mas vive-se melhor agora aqui, não?
- Melhorou-se. Gostamos de viver aqui. Saiu muita gente, nos anos cinquenta para o Brasil, nos anos setenta para França. Um ou outro volta quando se reforma. Os emigrantes brasileiros vêm de dois em dois anos e ficam por cá dois meses, os franceses estão por cá todos os anos durante um mês, mais ou menos. Enfim,  não estamos bem mas já foi pior, muito pior. Há para aí aldeias, não longe daqui, muito bem mais pobres, acredite.

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Correl. -  Pitões de Júnias

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