Saturday, October 12, 2013

LOGROS E IMPOSTOS

Que os portugueses tinham de reduzir os seus níveis de consumo de modo a conter a espiral de crescimento da dívida externa é uma evidência que só por demagogia ou cegueira ideológica pode ser contestada. A despesa pública e privada tinha subido a níveis insustentáveis suportados por crédito externo abundante e barato irresponsavelmente importado e consentido por quem sabia o logro público que estava a cometer. É, assim, totalmente descabida a imputação da responsabilidade do descalabro ao cidadão comum que aceitou as condições que lhe ofereciam, e que eram suportáveis pelos rendimentos que auferia na altura, promovidas por todos os modos e feitios, incluindo o recurso a vedetas estreladas da televisão e do futebol.
 
Ontem ouvi, mais uma vez, o senhor João Salgueiro, ex-presidente da Associação Portuguesa de Bancos, entre outros cargos notabilíssimos, afirmar que a responsabilidade do excesso de endividamento não pode ser imputado aos bancos porque estes jogaram, dentro das regras em vigor (como num jogo de futebol, disse ele) o jogo da concorrência e, que, se houve faltas não penalizadas, a culpa foi do árbitro, isto é, ele não explicitou mas subentende-se, o senhor Vítor Constâncio, entre outros. São todos culpados, não somos todos culpados.
 
Culpas, à parte, é hoje indisfarçável a fragilidade dos bancos portugueses, mas não a dos  banqueiros, ainda que o Banco de Portugal, entre outros notáveis responsáveis, pretenda garantir-nos do contrário, e imperiosa a necessidade de ajustamento das contas do Estado à capacidade da economia uma vez que a dívida pública, qualquer que seja o quadrante político do observador não condicionado por baias ideológicas, há muito que atingiu o ponto de não retorno se não existir o efeito conjugado de uma reestruturação (ou o mesmo com outro nome) e o ajustamento dos rendimentos das famílias ao rendimento nacional. Quem e como se deve ajustar é a intrincada questão que os portugueses têm de resolver, qualquer que seja o governo.
 
O governo do senhor Passos Coelho insiste numa intervenção de ajustamento das contas do Estado tentando através de acções dispersas, que no entanto não atingem os que beneficiaram de outros logros, a que chama de redução de despesas do Estado que em, muitos casos, são, inequivocamente, impostos, numa tentativa de disfarçar a enorme carga fiscal que atinge de modo iníquo algumas classes de contribuintes, com particular destaque para os reformados da segurança social.
 
É muito evidente que durante muitos anos foram criadas situações de favorecimento de algumas classes recomendando uma política correctiva, ensaiada por este governo, que esbarrará sempre com a resistência dos atingidos ou, em última instância, a sempre imprevisível oposição do Tribunal Constitucional. Sendo este um governo fraco, porque dispensou da participação na execução dos seus compromissos o primeiro subscritor do acordo coma troica, a sua continuidade estará sempre presa por um fio, e só a senhora Merkel poderá evitar a sua queda lançando-lhe oportunamente uma qualquer rede conveniente por baixo.
 
E tudo porque, por devoção ideológica a um desígnio fantasma - o não aumento de impostos - o governo não faz o que deveria ser feito: se os contribuintes portugueses têm de ajoujar com os custos de contenção do endividamento público, para além daquela que tem, necessariamente, de ocorrer da inevitável reestruturação da dívida (ou do apito, para quem preferir), que o esforço seja o resultado da tributação progressiva de todos consoante todos os seus rendimentos.
 
Manifestamente, este governo não quer ir por aí.
E o PS do senhor António José Seguro? Não sabemos. O senhor António José Seguro limita-se a esperar que o poder lhe caia em cima sem saber como evitar que também ele seja esmagado.

2 comments:

Unknown said...

a quadrantura do circulo. .reduzir a despesa sem reduzir os beneficiados. Percebe-se que nesta altura é tragico perder o emprego, pois a economia não cresce . Mas com paninhos quentes e empurrar com a barriga éo que todos os maus governates que nos trouxeram até aqui têm feito.Vamos lá a ver se a UE não implode com tanta inação

Rui Fonseca said...

Como refiro no meu apontamento são inevitáveis os contributos de todos, mas de todos mesmo, em função progressiva dos seus rendimentos.

Acontece que os sacrifícios não estão a ser impostos a todos e essa é uma das razões pelas quais
as medidas do governo são, em grande medida iníquas, o que não quer dizer que não haja algumas
que o não são.

Por outro lado, as PPP e os monopólios de facto (exceptua-se, ao que parece, a EDP) continuam
intocáveis.

O caso da EDP é, aliás, paradigmático de uma intenção justa mas iníqua. Justa, porque a EDP deve ser chamada a contribuir, iníqua porque não se percebe por que só a EDP é chamada a essa contribuição.