Friday, October 25, 2013

ACERCA DA INUTILIDADE DA MATEMÁTICA

O Financial Times publica hoje (aqui) uma entrevista com Alan Greenspan, o homem que esteve à frente da Reserva Federal Americana entre 1987 e 2006, e que chegou a ser venerado como um mágico e cognominado de "maestro". Até ao dia em que a crise da "subprime" irrompeu, e abalou o sistema financeiro norte-americano, propagando-se em ondas que atravessaram o Atlântico e abateram as economias mais vulnerabilizadas de uma Zona Euro totalmente desprevenida de instrumentos de defesa adequados.
 
Cinco anos depois do espoletar da crise nos EUA, seis depois de ter abandonado o cargo onde o viram brilhar intensamente, Greenspan, que há já bastante tempo atrás tinha  admitido o erro, volta a reconhecer que a sua confiança, e a dos que trabalhavam na Fed, nos modelos matemáticos de previsão que utilizavam, ficou irremediavelmente comprometida com a emergência de uma crise de intensidade que não tinha previsto.
 
Diz Greenspan que, assim como foi excessiva a admiração que lhe tributaram durante os quase 20 anos que presidiu à Fed, são desproporcionadas as culpas que, na ressaca da crise, lhe passaram a atribuir. A Fed é governada por um conjunto relativamente vasto de personalidades indigitadas por instituições governamentais e privadas, servido por um quadro técnico que compreende, além do mais, 250 economistas doutorados, especializados na monitorização e previsão económica.
 
Erraram todos?
Greenspan considera que foi dado demasiado crédito aos modelos matemáticos econométricos e subalternizados outros instrumentos de avaliação que recorrem aos avanços em outras áreas do conhecimento, nomeadamente a antropologia e a psicologia, citando, a propósito, os contributos de vários académicos , e de entre eles,  Daniel Kahneman, um psicólogo, Prémio Nobel da Economia em 2002.
 
Aos 87 anos, Greenspan publica mais um livro - "The Map and the Territory" - uma reflexão sobre o risco, a natureza humana e o futuro das previsões do futuro. A entrevista é, deste modo, uma promoção desta obra. Que, previsivelmente, será um best seller, porque o maestro pode enganar-se por conta alheia mas, certamente, não se enganará por conta própria.
 
Acabo de ler a entrevista, e fico, mais uma vez, espantado com a implícita absolvição, que decorre deste reconhecimento da falibilidade dos modelos económicos, daqueles que montaram esquemas com que enganaram meio mundo, dinamitaram o sistema, e encheram os seus bolsos, e que nenhum modelo económico ou avaliação antropológica, psicológica ou outra poderia contemplar porque exorbitam das áreas científicas por serem do foro criminal.
 
Porquê?
Porque, de outro modo, o sistema teria de ser inteiramente reformulado e os intervenientes no astronómico logro, julgados e sancionados. Mas eles são demasiadamente influentes para serem seriamente perturbados. Por isso tudo continuará sensivelmente mais ou menos na mesma até à próxima explosão do vulcão temporariamente acalmado.

2 comments:

manuel.m said...

Diz bem, o logro foi astronómico e foi-o precisamente porque os economistas querem ser tidos por serem algo mais do que astrologos, querem ser "cientistas" e daí a matemática, os modelos "sofisticados",os algoritmos infaliveis, etc, tudo apenas ao alcance do seu alto "saber".
Lembra-se do socialismo dito "cientifico" ? Era também suposto ser perfeito,tal e qual como o "Mercado", o pior é que o ceteris nunca foi paribus.

Rui Fonseca said...

Discordo, Manuel.

O logro, os logros, melhor dizendo, porque são múltiplos e imparáveis, decorreram, e continuam a decorrer, não por culpa dos modelos matemáticos (que são apenas instrumentos de análise, como em qualquer outro ramo do saber) mas por artes criminosas dos banqueiros.

E ,basicamente, o sistema continua o mesmo.