Uma das actividades que neste país não se deixa amolar pela crise é a produção e colocação de outdoors. Com as autárquicas a aproximarem-se, a indústria da outdoorização resplandece por todos os cantos exibindo as fronhas dos candidatos acompanhadas de mensagens curtas e incipientes como mandam os manuais. Fora dos ciclos eleitorais, a actividade experimenta algum abrandamento mas a propaganda das iniciativas dos que ocupam os poleiros e a fogosidade antissistema dos partidos que nunca serão governo garantem-lhe um lastro de rendimento permanente.
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O poder autárquico, já o tenho referido neste caderno de apontamentos, goza do privilégio de poder gastar dinheiros públicos sem ter o ónus político às costas de cobrar impostos. Esta regalia determina nos munícipes uma insensibilidade fiscal que os leva a bater palmas a tudo quanto é obra feita e a votar repetidamente nos mesmos de sempre. A lei de limitação dos mandatos autárquicos não reduzirá um milímetro desta situação de anestesia crítica. Se, de outro modo, fossem os munícipes confrontados, através de impostos cobrados localmente, com parte dos custos de algumas dessas obras, os resultados seriam diferentes e mais consentâneos com os interesses locas.
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Os exemplos de dispêndios sem justificação social suficiente estão espalhados de norte a sul. Alguns deles poderão ter mérito suficiente mas é muito inadequada o tipo de intervenção das autarquias, que, deste modo vão secando a capacidade de iniciativa dos cidadãos residentes.
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Em Cascais, a Câmara coloca nesta altura do ano outdoors de promoção de duas actividades de intenção cultural: A Artemar, no passeio marítimo do Estoril e a Land Art, na Quinta do Pisão.
A Quinta do Pisão, lê-se no site, é propriedade do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e sob gestão da Santa Casa da Misericórdia, é administrado pela Empresa Municipal de Ambiente de Cascais. São 380 hectares, segundo o site, 450, segundo o folheto entregue aos visitantes, onde pastam, segundo informações recolhidas no local, cerca de 10 burros lanudos, meia dúzia de cavalos, cerca de 50 ovelhas. E tem uma horta. Os vestígios, escassos, da presença humana permanente no local, incluindo uma capela, esperam que os recuperem. A horta, onde devem ter plantado alfaces, tomateiros e quejandos, está morta e assaltada pelas ervas.
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Quem ali vai com olhos habituados a ver, começa por perguntar-se porque bulas é o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social proprietário daquela extensão de 450 hectares, a maior parte descampada; que gestão está a ser assegurada pela Santa Casa da Misericórdia se é a Empresa Municipal do Ambiente de Cascais que administra as actividades que ali são realizadas. Por que é que um espaço daqueles está em grande parte desflorestado numa zona rodeada de floresta e a parte florestada está inundada de mato seco à espera de um fósforo; por que é que a horta foi instalada e a deixaram morrer; por que é que o rebanho de ovelhas cresce sem outra utilidade para além de um show de tosquia promovido anualmente. Em resumo: Por que é que a exploração daquela quinta, se a venda não é exequível, não é entregue a uma família, sujeita a um caderno de encargos que incluíssem a disponibilidade de visitas do público para fins pedagógicos ou simplesmente de recreio?
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É neste espaço enorme, quase completamente desaproveitado, que a EMAC instala de forma dispersa meia dúzia de obras de arte contemporânea que serão visitados por um número reduzíssimo de curiosos com pachorra e resistência física para ir a todos os locais a pé. É nela também que promove a realização de espectáculos de tentativas de jazz, entre outros, em instalações terceiro-mundistas, com uma assistência média entre 10 a 15 resistentes com entrada livre, segundo nos foi dito no local.
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Antes da visita, tínhamos ligado para o 21 460 4230, e após o inevitável "Hold the line, your call is very important to us " e muita persistência com transferências de chamada para "o colega que sabia do assunto" indagámos se havia mesmo uma actividade agrícola que pudesse ser mostrada à pequenada. Há sim, responderam-nos. Temos uma horta com alfaces, tomateiros, pimentos, coisas desse género.
Não têm.
Como é habitual em Portugal, depois do investimento feito falta o dinheiro para a manutenção. Neste caso foi gasto com outdoors.
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