Saturday, December 20, 2008

SONHOS E RABANADAS - 4

Tinha quase a minestrone no fim quando entraram na sala Barack e Michelle, monumentais, de mão dada, e se encaminharam para a mesa seguindo uma atarracada e sorridente latino-americana de serviço aquela zona do restaurante.

As salas do Olive Garden, apesar da crise, ou talvez por ela, estavam cheias, a fila de espera a impor meia hora para sentar quem chegava. No Olive Garden há quem almoce por cinco dólares, pão, uma minestrone ou uma salada, à descrição, sentindo-se a deambular bem longe dali no meio da música ambiente e das fotografias antigas que dão às salas do restaurante italiano de Tysons Corner uma intimidade toscana. Para quem vai além da sopa ou da salada estas são gratuitas e ilimitadas. Para um adorador de sopas, o Olive Garden é imbatível.

Ainda não se tinham sentado o president-elect e a mulher quando, na mesa ao lado, deram por eles irrompendo palmas por toda a sala, que sucessivamente despertaram e alertaram as outras salas do labirinto. O casal agradeceu e distibuiu sorrisos à volta, mais largos os dele, mais contidos os dela.
De volta à cozinha, passa pela minha mesa e pergunta-me a sul-americana se quero mais minestrone. Instintivamente, digo-lhe que sim, quando vejo passar na direcção da mesa presidencial Aníbal e Maria, Maria abraçada a um vaso de poinsétias que irá oferecer a Michelle. Percebe-se que se apresentam, Barack deve ter dito uma piada porque se riem os quatro, descontraidamente, antes de se sentarem, ficam as poinsétias ao cuidado da sul-americana que entretanto voltara par receber ordens.

A mesa, de quatro, fica subitamente redonda sem que eu perceba como nem porquê, e nós ao lado deles sem ninguém dar por isso. Nessa altura, já a conversa ia adiantada mas percebeu-se que discutiam a mais recente complicação diplomática: Na assembleia regional dos Açores um grupo tomara conta do hemiciclo autónomo e impunha uma votação para despedir os portugueses do arquipélago e entregar a soberania das ilhas aos norte-americanos. A Barack, que ainda nem sequer tomou posse, e quer sair do Iraque logo que puder, não lhe interessa envolver-se noutro conflito mas é sensível aos votos dos ilhéus açor-norte-americanos que são mais do que os que vivem nas nove ilhas.

E porque não dissolve o Aníbal a assembleia insurrecta?, pergunta Barack a querer ajudar.

Não posso. Para o fazer teria de ouvir os representantes das ilhas.

E porque não os ouve?

Quis ouvi-los e convoquei-os mas recusam comparecer. E sem comparência não há audição, sem audição não pode haver dissolução, é o que estabelece o estatuto da região autónoma. Deste modo estou impedido de fazer seja o que for.
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E se não os aceitarmos?
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Podem voltar-se para o inimigo. No meio do Atlântico, metade do oceano seria deles, incluindo a base das Lajes.
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Barack engolia em seco quando apareceu a sul-americana: Wan'a dessert, sir?
Just water, please.
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A revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores foi ontem confirmada pela terceira vez pelas bancadas parlamentares do PS, PCP, CDS-PP, BE e Verdes e com a abstenção do PSD, registando-se numerosas declarações de voto nas duas maiores bancadas. O diploma seguirá para a Presidência da República e Cavaco Silva terá oito dias para o promulgar.

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