SONHOS E RABANADAS - 2

Casa da Índia.
Já aqui não entrava há mais de quarenta anos.

Está tudo na mesma, parece que vim cá ontem por um bitoque no prato: O balcão, para os clientes isoldos ou com pouco tempo para almoço, voltados de costas para meia dúzia de mesas para quem tempo para comer e conversar. Deste lado, a fotografia a cores da chegada do Gama a Calicute neste painel de azulejos, o ex-libris da casa e o grande orgulho do dono, aquele que ali está atrás do balcão, de toalha ao ombro, a atender os fregueses apressados e a passar os pratos ao empregado das mesas.

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Costumava vir aqui comer ao balcão um goês, entrava e saía sem dizer palavra, o patrão já lhe conhecia o gosto, não esperava mais de cinco minutos para ter o meio bife frito do costume à frente, rodeado de batatas fritas, e o galheteiro ao lado. O goês arregaçava as mangas, sacava do saleiro, e punha-se a despejá-lo sacudindo energicamente com a asa direita levantada. Salgadas as batatas, puxava da garrafa do azeite e regava demoradamente as batatas e o bife. Terminava a condimentação com dois ou três goles de vinagre. Depois arrumava a encomenda, esgalgadamente, em menos tempo do que isto leva a contar. Pagava, sem esperar pela conta, e abalava.

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O patrão teria, na altura, uns cinquenta e picos, mas está na mesma, até aquele jeito, repara naquele jeito, de puxar o beiço para baixo se mantem. Do empregado, um rapaz para a mesma idade, tambem ninguém dirá que mudou por aí além. Um autêntico par de jarras a quem, espantosamente, quarenta e tantos anos não truxeram fendilhagens que se vejam.

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Até estes bitoques mantêm a mesma personalidade de antigamente. Uma delícia, não achas?

E, oh coincidência das coincidências!, repara, acaba de entrar o goês!