Friday, December 22, 2006

CONTOS AMERICANOS : NATAL

Se o desenvolvimento económico e social de Portugal dependesse do número de comentadores e analistas políticos que enchem páginas dos jornais com as suas sentenças, há muito que teríamos os nossos problemas estruturais resolvidos. Mas se os problemas do país não se resolvem, ou não se resolvem segundo as suas receitas, pelo menos vai ficando resolvido o problema da sua subsistência. O que não é aspecto de somenos considerando o considerável número de colunistas abrangidos.

De entre eles merece destaque, pela especialização em regurgitar verrina, Vasco Pulido Valente. Alguns outros fazem propostas, VPV nem isso.

E talvez porque lhe tenha parecido estarem as suas qualidades a serem desperdiçadas com as limitações do rectângulo onde nasceu, VPV entendeu numa das suas últimas crónicas atirar-se sobre Ingleses e Americanos que se atemorizam, segundo ele, de festejar abertamente o Natal e escondem os seus símbolos não vá o Diabo tecê-las; estes mesmos ingleses e americanos, que se metem com iraquianos e outros cavalheiros ao redor fora de portas, em casa, pelos vistos de VPV, são uns cágados, uns criminosos um dia destes, por isso.

Mas como o tema se lhe esgotou antes dele ter escrevinhado as linhas do contrato, pegou nele por uma das orelhas e terminou o artigo desancando nas crianças que têm o condenável hábito de desassossegá-lo nos restaurantes que frequenta.

Pelos vistos, VPV, além de tocar de cor os hábitos alheios, desconhece que o melhor do mundo são as crianças; deixai vir a mim as criancinhas, disse Jesus. Parece que os restaurantes devem dizer o mesmo por amor ao Natal. Ainda que as liberdades dos outros por vezes nos perturbem. Custos da vida em sociedade.

Também, pelos vistos, VPV quer desconhecer que os EUA são um país enorme onde coabitam 300 milhões de pessoas com diferentes cores e credos, onde cada um é livre de celebrar as suas festas no respeito mútuo pelas celebrações dos outros. E o Natal vê-se por toda a parte. O VPV não vê porque não vem cá, ou deve ter visto como o outro viu Braga.

Não verá, certamente a exuberância bacoca da árvore do Millennium, que ofende seguramente quem com frio e fome se sentirá esmagado pelo desprezo que lhe merecem tantas luminárias juntas. Desde quando a devoção sincera é medida em termos de Kwh?

A coabitação tolerante dos norte-americanos poderá medir-se, embora nem sempre se meça, valha a verdade, pela tolerância do ecumenismo que transparece de um programa para este período de festas numa escola pré-primária da área de Washington DC:

DearFamilies,

...This week we are continuing our discovery of holidays. We will be laerning about Kwanzaa, New Years Day, Hanukkah, and Christmas.Kwanzaa is an African American holiday.
A candle holder that is called a Kinara is used during Kwanzaa. It holds seven candles. Every night a new candle will be lit. We will be reading several books on Kwanzaa, and filling out our holiday passport.

New Years Day is an important day of reflection. We will talk about making new years resolutions for the next year. We will be talking more about New Years Day after break.

Hanukkah is a Jewish holiday. It lasts for eight days. A candle holder that is called a Menorah is used during Hanukka. Each night a new candle will be lit. The children receive gifts of gelt (chocolate coins), and play dreidel games. We will be celebrating Hanukkah, and playing dreidel games.

Christmas Day is on December 25 every year. Santa Claus visits children all over the world on Christmas Eve. He lives at the North Pole and flies on his sleigh with his reindeer. On Christmas Eve, he lives children presents under thr tree. Children also leave a stocking out for Santa to fill..."

Transcreve-se a prosa do cronista:

Milhões de polícias

Na Inglaterra e na América é politicamente incorrecto, e hoje quase criminoso, festejar o Natal. Porquê? Porque, celebrado com tanta exuberância, o Natal se arrisca a ofender (ou a convencer) os crentes de religiões minoritárias, sobretudo, claro está, os muçulmanos. Mas como não se pode proibir o Natal, coisa que decerto os puristas gostariam de fazer em nome dos direitos do homem, a ortodoxia política tem por enquanto de o camuflar. Isto obriga naturalmente a algumas contorções verbais, a muita hipocrisia e a uma boa dose de intimidação. A "árvore de Natal" passou a "árvore da amizade" e o "jantar de Natal" a "jantar do solstício de Inverno". Os "cartões de Natal" são agora também "cartões da estação" e o "Bom Natal", suponho, "Boa Estação".Nos países católicos, como Portugal, esta espécie de purga ainda não começou. Mas cá chegará, com o atraso e o zelo do costume. Entretanto, mesmo aqui, o totalitarismo (e uso a palavra deliberadamente) alastra sem sombra de protesto. O comportamento "aceitável" do cidadão comum é regulado e é imposto ao pormenor: e ninguém percebe, ou nota, o que se passa. No princípio da semana, por exemplo, um rapazinho fanático, porta-voz da Deco, exigia que o Estado obrigasse por lei qualquer restaurante (ou qualquer hotel) a admitir crianças. Segundo a lunática lógica da criatura, o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, obrigava a essa medida de justiça. Não lhe ocorreu que o princípio da igualdade não se aplica, sem qualificação, a crianças. Como não lhe ocorreu que se propunha limitar a liberdade do próximo. A ideia de que há restaurantes que oferecem cerimónia e sossego e pessoas que gostam de cerimónia e sossego só lhe inspira desprezo. Se o consumidor que a Deco defende quer jantar entre correrias, choradeira e berros, o Estado não deve permitir outra maneira de viver. O resto não interessa.Pouco a pouco, os "direitos do homem", pervertidos por pequenos grupos de pressão, que o Estado muitas vezes sustenta (para não ir mais longe, somos nós quem paga a Deco), vão servindo para criar uma sociedade minuciosamente vigiada. Não existe a menor diferença entre a actual ortodoxia "bem-pensante" e o jacobinismo ou o comunismo clássico. É a velha ambição de criar um homem racional e perfeito pela força política. Não por acaso os "marxistas" de ontem prosperam neste novo mundo. A tolerância sempre foi ou já se transformou em intolerância e há lugar para milhões de polícias.»




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