Há neste 25º. romance de A Lobo Antunes uma casa habitada por personagens condenados à amargura das suas vidas desesperadas. Conversas dispersas, suspensas, cruzadas, no tempo e no espaço, interrompidas, inacabadas, compõem uma colagem que obriga o leitor a uma identificação, frequentemente labiríntica, dos fios com que o autor tece um texto amargo do princípio ao fim ainda que pontuado por notas de humor cáustico, por vezes divertido.
É uma metáfora do país que habitamos neste final de 2014?
Em certo sentido sim. Mas não me parece que essa identificação, que já vi referida numa ou outra apreciação crítica, possa ser transposta do tempo do romance (meados do século passado) para o Portugal de hoje sem alguma ressalva. Certamente que aqueles personagens enclausurados num espaço comum repartido caracterizam uma sociedade que subsiste ainda que os fantasmas que as habitam tenham mudado de pele e de nome. Mas não são estes os personagens que ocupam a cena deste país em chamas que habitamos hoje, não são estes zombies que atearam o fogo e colocaram uma parte da população em fuga.
"Caminho como uma casa em chamas", repete obsessivamente o autor, num quadro onde as alusões, os traumas dos residentes da casa (Quem manda, quem manda, quem manda, Salazar, Salazar, Salazar, repetições que lhe retiram intemporalidade) não remetem para o Portugal actual, saqueado por políticos sem escrúpulos, banqueiros gananciosos, crápulas com máscaras que ninguém, por mais que o deteste, confundirá com o ditador de Santa Comba.
Portugal caminha como uma casa em chamas. É do título que destaco a maior actualidade desta obra de A Lobo Antunes.
1 comment:
Então ainda não será desta que teve o rasgo de imaginação necessário ao Nobel?
Sim, porque não é por falta de esforço que não vai lá.
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