Monday, March 04, 2013

O POVO É QUEM MAIS ORDENA


Contra a oposição do Governo, 67% dos eleitores suíços aprovaram neste domingo, em referendo, a adopção de medidas legislativas para controlar os salários dos conselhos de administração.

Que consequências poderão resultar desta imposição do povo suíço, que o Governo terá agora de converter em lei para ser aprovada no Parlamento, é a grande dúvida que se coloca considerando a eventual deslocalização das holdings que dominam as grandes corporações não financeiras suíças. É, no entanto, esperável que a tentação de desobediência aos resultados do referendo através de virtual fuga dos centros de decisão para outras paragens seja coartada pela coriácea idiossincrasia helvétiva que garante uma coesão ímpar num país culturalmente diversificado.

A questão da atribuição de bónus aos gestores das empresas cotadas em bolsa, que atingiram dimensões estratosféricas com a liberalização e o capitalismo dito popular, e a análise das suas consequências perversas na economia é há muito objecto de discussão entre políticos e economistas. A crise emergente em 2008 nos EUA e o seu alastramento à Europa veio tornar premente a adopção de medidas salutares da economia, da ética, e da moral, que têm sido anunciadas, adiadas, e transitoriamente esquecidas. Os suíços, um povo civicamente maduro, sabe fazer do referendo um instrumento democracia directa sem sujeição ao risco de propostas demagógicas. O referendo de anteontem foi certamente amadurecido e pesadas as eventuais vantagens e as ameaças dos seus resultados.

A União Europeia parece estar a preparar (mas na UE o que parece nem sempre é, salvo se está em causa a regulamentação de peanuts) medidas timidamente semelhantes, enfurecendo a City em Londres, ciosa dos seus privilégios e independências. Os bónus aos banqueiros são os que mais colidem com os interesses dos cidadãos enquanto depositantes e contribuintes, porque, sendo facilmente forjáveis os lucros, embolsam os banqueiros manipuladores fortunas, e em nome do risco sistémico pagam os contribuintes -chamam-lhe moral hazard - o que burladamente foi retirado dos bancos pelos banqueiros.

O instituto do referendo pode ser um instrumento facilmente tocado pelos demagogos em sociedades civicamente imaturas. Contudo, mesmo correndo esse risco, será sempre mais consequente que o cântico de uma multidão desesperada por maior que seja o simbolismo da canção entoada.

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Correl. - (05/03) - Ecofin deve silenciar queixas do Reino Unido sobre limitação dos bónus na banca

2 comments:

Fenix said...

Peço perdão pelo meu comentário, que não estará na linha do post. Mas ontem fiquei chocada ao ouvir no programa Economix da RTP Informação, o Dr. Rui Moreira (a propósito do candidato humorista de Itália, defender a democracia directa), dizer que este tipo de democracia é um perigo, pois basicamente coloca o povo em frente ao facebook, e à pergunta: Deveremos condenar à morte um suposto violador de crianças? - as pessoas instintivamente votariam sim, e então era um recuo à Idade Média e à Inquisição!!

O que me preocupa é que este senhor estará a pensar candidatar-se à Câmara do Porto, e quem sabe um dia poderá ter ambições maiores na política. Estas declarações fizeram-me recuar no tempo, quando nos meus 19 anos votei pela 1ª vez pós 25 de Abril, e diziam para não votar no PCP pois os comunistas comiam criancinhas ao pequemo almoço. Os pequenos ditadores pululam por aí e ainda pretendem doutrinar os mais incautos. Assim, nunca teremos "maturidade política" como se costuma apelar, quando está em causa a democracia participativa através de referendos.

rui fonseca said...

Fenix,

O referendo pode ser uma boa ou uma má opção, dependendo da oportunidade dos objectivos e das circunstâncias.

Quem define essa oportunidade? O povo.
Havendo um número mínimo, mas significativo, constitucionalmente estabelecido, que convoque um referendo, deve ser essa a via e respeitados os seus resultados.

Salvo melhor opinião.