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Decidiu a Ministra da Saúde reabrir o processo da dedicação exclusiva dos médicos do SNS para, quase de imediato, reconhecer que não existem actualmente condições, nem a médio prazo, para atingir aquele objectivo. Adianta, no entanto, que a sua intenção é começar um debate acerca do assunto com os médicos, debate esse que, segundo a ministra requer um longo período de digestão. Talvez tenha razão, ainda que com a nossa tradicional propensão para a improvisação as coisas começadas com tamanha antecedência geralmente perdem-se pelo caminho.
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Em todo o caso, a questão da invocada falta de médicos implica outros sintomas de debilidade reflexos, a pedir diagnóstico e terapêutica conveniente para além desta adiada intenção de separar actividades médicas entre SNS e privadas, se essa separação se justificar.
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Observando o gráfico das vagas abertas nas faculdades de medicina nos últimos 31 anos (publicado no Público de ontem) é impressionante a quebra forçada observada entre 1977 (ano em que foram admitidos 1000 candidatos) até 2003 (ano em que o número de admitidos foi sensivelmente idêntico ao de 26 anos atrás) passando por um perído de 15 anos onde o número médio de admissões caiu para cerca metade do milhar admitido em 1977. Entre 1984 e 1987 o número de admissões situou-se abaixo de 300, observando-se o mínimo de 190 vagas em 1986.
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Pergunta-se, Porquê?, e só pode haver uma resposta: por pressão dos interesses corporativos. Porque não é admissível que o Ministério da Saúde, entidade que dispõe de todos os dados que permitia prever com a maior precisão a evolução da pirâmide etária dos médicos, e das subpirâmides das diferentes especialidades, não tenho feito as contas ou as tenha errado.
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Subjacente a este desencontro entre as decisões políticas e as necessidades reais do país, com as consequências negativas que agora estão a emergir, está um factor, a quase gratuitidade do ensino, que também influenciou muitas outras opções académicas com efeitos opostos: a de ter o Estado suportado (e continuar a suportar) a formação de milhares de jovens com licenciaturas em áreas saturadas ou desfasadas dos interesses dos empregadores.
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Sendo um curso inevitavelmente dispendioso para o financiador (o Estado) e quase gratuito para os formandos, a concorrência de faculdades privadas de medicina encontra-se fortemente bloqueada e o sector continua sujeito ao monopólio do ensino público que, como a experiência demonstra, obedece mais aos interesses corporativos que aos interesses do país; por outro lado, ao sector privado da saúde convém esta disponibilidade do Estado lhe fornecer competências sem requerer da sua parte qualquer investimento na sua formação básica e de especialização.
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Em conclusão: Enquanto o financiamento do ensino superior público não for reequacionado, abolindo-se o princípio da sua tendencial gratuitidade, continuarão a existir os enormes desfasamentos que se vêm observando entre a oferta e a procura de formações nos diferentes ramos do ensino superior.
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Acrescente-se que se tem observado uma evolução muito semelhante na formação de enfermeiros, recorrendo-se a profissionais estrangeiros (nomeadamente espanhóis), para algum tempo depois se constatar que estão os enfermeiros em greve por falta de abertura de vagas nos hospitais.
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Se se aceita, e não se vê razão nenhuma para não aceitar, a convivência de um sector privado da saúde com o SNS, o Estado e o sector privado devem assumir responsabilidades proporcionais na formação dos técnicos de cuidados de saúde.
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