Quando eu era pequenino as prendas de Natal quem as dava era o Menino Jesus.
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Não aquele que eu colocava no presépio, construído com barro e cartão, musgo por cima, e alguns rebentinhos de piteira, tudo em ponto pequenino, a mangedoura feita de uma caixa de fósforos, com palhas e na palhas o menino Jesus, São José de um lado, a Mãe do outro, o burrico e a vaquinha atrás, a aquecer o ambiente.
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Quem punha as prendas no sapatinho era o Menino Jesus do presépio da igreja, maior, muito maior, com muito mais gente no cenário, que levava uma semana a construir, segundo se dizia. Sobressaía nele, pelas dimensões relativas e pelo esplendor de raios de luz mais intensos, o Menino Jesus. Assim tão pequenino, mas tão grande quando comparado com todos os que entravam em cena, soldados, pastores, ferreiros e carpinteiros, músicos, lavradores e pescadores, médicos, professores, para além dos progenitores e dos reis magos, via-se logo que era ele o rei da festa.
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No dia de Natal, depois da ansiedade da descoberta logo que o sol nascia, agradecíamos no presépio da igreja a visita do Menino e as prendas deixadas no sapatinho.
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Havia nos presépios uma candura que não desafiava ainda a nossa imaginação infantil e que, por reencenar a realidade envolvente, nos embalava em sonhos onde a fantasia se continha num universo igual ao mundo que nos rodeava. De modo que construir um presépio era como contruir o mundo que habitávamos, com o criador entre nós, a entrar-nos sem cerimónia pela chaminé em Dezembro a dizer-nos: passei por aqui.
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Um dia, as crianças deixaram de construir o mundo. No lugar do presépio colocaram uma árvore estranha, o Menino Jesus passou a incumbência da distribuição dos presentes a São Nicolau, o Pai Natal, um velhote de fatiota bizarra e barbas brancas, que anda de trenó, puxado por renas, em dias de neve a distribuir presentes. O Pai Natal é de mundo estranho.
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Nos EUA, São Nicolau, o Pai Natal, é Santa. Só Santa, para comunhão de todos os credos e cores. Trouxe as renas e anda também por aqui a distribuir presentes de Natal. A toda a gente. A miudagem desde que o Menino Jesus deixou de aparecer na chaminé perdeu o exclusivo das ofertas. O mistério do nascimento, repetido a cada momento em toda a parte desde o princípio da vida, celebra-se agora na vulgaridade e no frenezim das compras, do "shopping", nos centros comercias, nos "mall".
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É a evolução do mundo. A criação já teve os seus dias.
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