Tuesday, September 22, 2015

DEMOCRACIA ALTERNATIVA

No meu apontamento de ontem, IsabelPS colocou um link para este artigo publicado no Observador em meados de Julho, considerando ter encontrado nele "a solução mais interessante para este impasse democrático", e que fundamentalmente encarece a prática do orçamento participativo (OP) adoptada em alguns munícipios, com destaque para a experiência realizada em Cascais. 

Acerca do processo OP, das suas virtualidades e dos desígnios dos seus promotores e executantes, tenho fundadas dúvidas. O OP é uma ementa de pequenos projectos elaborada pelos autarcas para ser submetida às escolhas dos munícipes obrigando-se os primeiros a realizar os projectos mais votados pelos segundos. 
Não é difícil perceber que desta prática não resulta, necessariamente, uma escolha dos projectos socialmente mais úteis (a votação pode ser condicionada) mas os autarcas recolhem aplausos dos munícipes por uma prática de participação democrática limitada por uma lista fechada de opções. Por outro lado, os autarcas promovem-se pessoalmente junto da opinião pública através de meios publicitários (p.e. outdoors) com custos relativamente elevados considerando o valor dos projectos em votação. 

No caso de Cascais, a minha atenção insurge-se contra o elevado número de volumosos prédios degradados e abandonados há muitos anos, que a ninguém escapa, a menos que seja totalmente distraído, logo à entrada pela marginal no centro da cidade, que preferiu continuar a ser a Vila de Cascais. Perguntar-me-ão: E o que pode fazer a Câmara de Cascais contra aquela degradação urbana se não é proprietária das ruínas? Aliás, de um modo geral, porque o problema não é um exclusivo de Cascais, muito pelo contrário, o que podem fazer os autarcas para limparem a sujeira urbana que lhes desfeia as cidades, as vilas, as aldeias, e, além de reduzirem a qualidade de vida dos residentes (só os alarves se podem sentir bem na vizinhança de escombros) são repulsivos para os visitantes e turistas?

Podem, e devem, diligenciar incansavelmente para derrubar os obstáculos, legais ou outros, que impedem a limpeza das áreas urbanas dos escombros que as povoam. 
Sem que aos contribuintes tenha que ser pedido um cêntimo para essa limpeza.

O citado artigo merece uma leitura mais alargada.  Para não alongar um apontamento que já vai longo demais destaco:

"Pela primeira vez (em 2014, no OP de Cascais), os participantes tiveram direito a dois votos, um dos quais podia ser usado para votar contra um projeto e não a favor dele." 

"Nova Iorque tem muito a aprender com Cascais” - Lex Paulson

Quando, em Novembro de 2014, sugeri aqui a virtualidade do voto negativo, desconhecia o conceito Democracia 21, que se sustenta na multiplicidade de escolhas, favoráveis ou desfavoráveis, à disposição dos eleitores ou votantes. Mas não consigo constatar em Cascais os méritos enaltecidos pelo jornalista do Observador nem vislumbrar como pode, na matéria, Nova Iorque ter muito a aprender com a nossa cidade.


8 comments:

IsabelPS said...

Curiosamente, é a segunda vez que, ao referir este artigo e esta solução, o meu interlocutor pensa que eu estou a falar de OP quando, para mim, se trata dum exemplo, nada mais, da aplicação dum sistema que me parece interessante. Eu, a citar o artigo, escolheria esta citação:
"Estava uma sala cheia de gente. Havia um grupo grande que queria algo para uma escola e havia um grupo grande que queria algo para um parque. E estava lá um tipo sozinho, um professor primário apanhado no meio daquilo, cuja ideia era ligar diferentes vilas ao centro da cidade, não sei se através da Internet ou de transportes. A ideia era mesmo muito simples, mas ele apresentou-a muito bem. Se houvesse um sistema de um só voto, ele teria perdido, mas os dois grupos grandes gostaram dele e todas as pessoas deram o seu segundo voto ao projeto dele. Acabou por sair vencedor. Com uma simples mudança, dar mais um voto a cada pessoa, podem criar-se consensos."
Ou seja, é como quando vamos almoçar a um restaurante em que as doses são muito grandes e dão para partilhar. O que é que se faz normalmente? A menos que a primeira escolha seja igual para os dois convivas, procura-se uma segunda escolha que agrade aos dois (e que até pode ser a primeira escolha de um deles). Põem-se obviamente de parte todos os pratos que desagradam mesmo, mesmo a cada um dos convivas, e não me lembro de alguma situação em que não se tenha almoçado a contento de todos.
Isto que se faz na vida real e, aparentemente, na Câmara de Cascais (não confirmei) parece-me perfeitamente possível de replicar na vida política. Até pode ser que haja países em que, de modo semelhante ou de qualquer outra forma, os consensos sejam incentivados, ao contrário do que é nossa prática. A mim parece-me que é o caminho a seguir.
Devo dizer também que não é a primeira vez que ouço as pessoas a desejarem a possibilidade do voto negativo (tal como um botão "não gosto" no FB). Se calhar lá chegaremos, que assim não vamos a parte nenhuma.

Unknown said...

Além do folcore democratico, que bem salienta, tem um mérito que não foi referido: o de convidar os cidadãos a olhar um pouco mais para a gestão autarquica.E pelo que tenho ouvido, vai dando resultado aqui no terreno.

Rui Fonseca said...


IsabelPS,

Obrigado mais uma vez pelo seu contributo.
Também penso que há virtualidades nesta ideia que podem constituir alternativas válidas para melhorar o sistema de tomada de decisão em democracia.

Mas também podem ser utilizadas como manobra política de promoção pessoal dos autarcas.
No caso de Cascais, e de outros locais onde existem manchas de degradação urbana,
afigura-se-me que a solução dessa degradação deveria sobrepor-se, ainda que não anulasse, a discussão de projectos menores.

Por outro lado, e considerando o exemplo que cita, a escolha em Cascais (e suponho que em outras autarquias) é feita entre um conjunto de projectos apresentados pela Câmara. Tanto quanto julgo saber a lista é fechada e não consente a votação em soluções alternativas apresentadas fora da "short-list".

Rui Fonseca said...


António Cristóvão,

Obrigado pelo comentário.
Se, como diz, "vai dando resultado no terreno", óptimo.

A este respeito, o que posso dizer é que, tendo observado algumas iniciativas muito "outdoorizadas", o que vi até hoje não mereceu o meu aplauso. Escrevi, p.e., aqui

http://aliastu.blogspot.pt/2013/06/hold-line.html

sobre o assunto.
Melhorou?

Na aldeia onde nasci (agora é Vila, ainda que a população residente seja menor)
a rua principal é hoje habitada por sete pessoas. A quase totalidade das casas está fechada, ao abandono.

No entanto, a aldeia tem hoje um parque, na realidade um parque mais cinzento de cimento que verde de relva ou árvores. É pequeno. Uns 1000 metros quadrados. Mas tem doze bancos, nada menos que doze bancos, onde nunca vi alguém sentado.
E tem um parque infantil onde nunca vi uma criança a brincar.
Foi tudo inaugurado com pompa e circunstância há alguns anos atrás.

Nenhum destes investimentos foi decidido a partir de um OP. Mas se tivesse sido, não me admiraria que a população votante tivesse votado no mesmo sentido.
Sem que ninguém se tivsse lembrado que de nada serve ter um parque, mesmo um parque a sério, se não houver gente que o desfrute. E não há gente suficiente em ruas de casas abandonadas.




IsabelPS said...

O mesmo se passa num restaurante, em que só se pode escolher entre os pratos da lista que apresentam (com excepção da mãe dum amigo meu que não via porque é que não havia de pedir arroz de grelos, por exemplo, se eles serviam arroz de tomate, por um lado, e alheiras com grelos, por outro lado!).

Eu volto a dizer que a discussão sobre os OP é completamente ao lado: o que me interessa é a possibilidade de votar em soluções que são aceitáveis para mim e de eliminar as que são inaceitáveis.

Rui Fonseca said...


Entendi e concordo:o que interessa é a possibilidade de votar em soluções que são aceitáveis e de eliminar as que são inaceitáveis.
Por isso referi no meu apontamento que me faz falta agora a possibilidade do voto negativo.

No entanto, parece-me que o exemplo do restaurante não será o melhor porque há sempre n-possibilidades de escolher outro restaurante, contrariamente ao que sucede quando se trata de fazer opções em entidades operando em situação monopolística.



IsabelPS said...

Isso é verdade, de facto. Mas na realidade, quantas vezes lhe aconteceu levantar-se da mesa e mudar de restaurante porque não consegue encontrar nada na lista que seja aceitável para si e para o seu comensal? :-)

Nah. A mim o que me parece é que dissociámos a política da forma como gerimos as nossas escolhas na vida de todos os dias. Porque vivemos em sociedades cada vez mais complexas, não podemos utilizar os mesmos mecanismos para ajuizar da fiabilidade das pessoas, por exemplo. E isso é fatal.

Rui Fonseca said...


Já me tenho levantado algumas vezes.
E também algumas vezes tenho colocado restaurantes de quarentena ou definitivamente fora da minha lista

Quanto ao resto, que é o principal, concordo inteiramente.