Ponte, significando aquele período que liga dois dias úteis e passa por cima de um feriado ou dia santo e mais alguns dias, e que a arte bem portuguesa de construir umas férias curtas consegue projectar com grande facilidade, não consta ainda dos dicionários, o que indicia que se trata de um nome correspondente a uma prática relativamente recente.
Recente, mas apesar de recente, cada vez mais alargada e frequente.
Aliás, os deputados deram há dias um exemplo acabado de bem construir um destes tipos de ponte: como metade deles se pôs ao fresco, a outra metade não teve outro remédio se não o de dar os trabalhos por interrompidos e ir também mais cedo para a praia. Alguns, poucos, destes construtores de pontes, celebraram, na altura, a Páscoa, mas a maioria não sabe já, sequer, qual o significado do evento religioso com que construíram a ponte alargada.
Há quem clame que assim não vamos lá, a produtividade esboroa-se, a competitividade idem, um dia destes temos que encerrar para mudança de ramo.
Esta actividade construtora de pontes que ainda não vêm no dicionário tem o seu lado anedótico mas deveria suscitar, por outro lado, alguma reflexão que permitisse avaliar as consequências deste vamos a ver quem faz menos na esfarrapada economia deste País.
Geralmente, o projecto de engenharia das pontes que não vêm no dicionário é da autoria da função pública. Os governos têm, todos sem excepção, entendido que este tipo de pontes é uma boa forma de manter o pessoal motivado sem aumento da despesa, porventura, até, com redução de alguma. Com efeito, estas pontes permitem uma redução razoável de custos variáveis ao erário público: energia para iluminação, aquecimento (se for ponte de Inverno), ar condicionado (se for ponte de Verão), chamadas telefónicas para familiares, amigos e amigas, namoradas e namorados, papel de impressão e escrita, papel higiénico, etc., etc., etc.
E, feitas as contas de certa forma, até aumentam a produtividade.
Se não, vejamos:
A produtividade do trabalho mede-se pelo quociente entre o PIB e o número de pessoas em actividade que o realizaram. Uma parte considerável do PIB (alguns dirão, considerável demais) é realizada pelos activos empregados na função pública.
Uma das formas de avaliação do PIB, em alguns casos a única exequível, é através do rendimento auferido pelas pessoas em actividade, no caso da função pública pelos funcionários públicos. A lógica é esta: os funcionários públicos prestam-nos serviços, nós pagamos com os impostos e taxas, logo o valor dos serviços prestados, isto é, o produto realizado pela função pública, isto é, o valor acrescentado por ela, vale aquilo que os contribuintes pagam menos, provavelmente, o deficit corrente do orçamento geral do Estado. O deficit corrente é, em certa medida, o excesso de que a função pública se apropriou relativamente aquilo que os contribuintes lhes pagaram pelos serviços prestados.
Se assim é, as pontes não reduzem o PIB (numerador do quociente para avaliação da produtividade, porque as remunerações não são reduzidas pelo facto de a função pública trabalhar menos tempo, e até podem contribuir para o seu aumento através da redução de importações (de energia, por exemplo) e o denominador da fracção mantém-se, porque o número de activos será o mesmo antes e depois da ponte, ou reduz-se, se a produtividade for calculada em termos de horas trabalhadas e não em por activo empregado. Em qualquer dos casos a produtividade ou se mantém ou aumenta. De certo modo, quanto menos trabalharem, maior é a produtividade…
Aparte o anedótico da situação, o que sobra de muito sério é a ausência de critérios de avaliação da produtividade real como medida da quantidade e da qualidade dos serviços prestados pela administração pública. Ocupando o Estado uma área de intervenção que ocupa cerca de metade da actividade económica em Portugal, uma das formas de fazer progredir o nosso crescimento económico é, sem dúvida alguma, pressionar o crescimento da produtividade na função pública.
E só uma maneira para obter essa progressão: definir objectivos para os diferentes Ministérios, secretarias de Estado, Direcções-Gerais, etc., tendo em consideração os valores-referências (benchmarking, no jargão internacional) atingidos nas economias dos outros membros da União Europeia, e fazê-los cumprir.
O Diário de Notícias de hoje publica a notícia de que
«O Governo, no âmbito da revisão da Lei das Finanças Locais, pretende colocar um revisor oficial de contas (ROC) em cada município de forma a zelar pela legalidade das contas camarárias, apurou o DN.»
Tenho as maiores dúvidas acerca das vantagens desta medida porque não acredito que os Revisores Oficiais de Contas, uma classe que tem defendido muito bem os seus interesses corporativos em proveito próprio, consiga intervir com isenção num campo político completamente minado. Mesmo nas empresas onde, por Lei, se requer a intervenção dos ROC a actividade destes, estupendamente remunerada, limita-se a copiar de uns anos para os outros os relatórios que formalmente são exigidos e lhes garantem os seus honorários chorudos.
A questão fundamental, contudo, não é a conferência ou revisão das contas: a questão é a consecução de objectivos de modo competitivo. Nas empresas, e sobretudo nas empresas que produzem bens e serviços transaccionáveis a competitividade é impulsionada pela necessidade de sobreviver e crescer. Os que não são competitivos, mais tarde ou mais cedo, terão que encerrar e despedir. Na função pública esta sanção não existe de todo. Não há conta de ganhos e perdas nem resultados negativos que assustem. Daí que quanto mais pontes, melhor.
A este discurso opõe-se aquele outro, que encontra abrigo na Constituição, de que não devem despedir-se os funcionários públicos excedentes ou incompetentes. Não houve até hoje um governante, enquanto o foi, que tenha tido a coragem de dizer que, havendo muito mais contribuintes do que funcionários públicos os interesses dos primeiros deveriam sobrepor-se aos interesses dos segundos. Em Portugal sucede exactamente o contrário.
Enquanto em Portugal os interesses dos consumidores forem preteridos a favor dos trabalhadores, sendo os primeiros em muito maior número que os segundos, a produtividade em Portugal andará sempre de rastos e a convergência económica com a média da União Europeia uma miragem constantemente a afastar-se.
Recentemente, 22/3/2006, a revista brasileira “Veja” dava conta que, segundo um estudo de Aldo Vincenzo Bertolucci, “ O custo da Administração dos Tributos Fiscais no Brasil”,
“A carga tributária do Brasil é das mais altas do mundo. Em 2005, atingiu 37,5% do PIB. Uma parte da arrecadação é gasta na burocrcia do próprio Fisco. Um estudo mostra que só Portugal, em uma selecção de dez países, despende mais com a administração tributária.
Portugal ---- 2,7%
Brasil ---- --- 1,3%
Austrália --- 1,2%
Inglaterra --- 1,1%
Canadá ----- 0,9%
França ------ 0,8%
EUA -------- 0,4%
Japão ------- 0,3%
Israel ------- 0,2%
Noruega ---- 0,1%
O Fisco em Portugal é cerca de 27 vezes mais caro que na Noruega.
Porquê?
Para responder e corrigir os ROC não fazem falta e até podem atrapalhar.
O que falta é coragem política e consciência cívica.
E falta vergonha.