Tuesday, December 03, 2013

PENSÕES & CONFUSÕES


Mitologias II
A terminar o meu apontamento de ontem voltei a JG Rosa, “Cada um o quer, prova”, um dito colocado na boca de um sertanejo, de uma simplicidade e universalidade irrebatíveis. Que, por exemplo, tanto pode ser constatado num parecer de um jurisconsulto constitucionalista, capaz de demonstrar uma tese e a contrária consoante os interesses do consulente, como num relatório de análise de viabilidade económica e financeira, que, na generalidade dos casos, parte das conclusões para os considerandos. Quanto a relatórios e comunicados políticos, o sentido das conclusões depende apenas da situação dos comunicantes serem poder ou oposição.
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Vem isto a propósito da transcrição que fiz ontem de pág. 55 do relatório do OE 2014, e que  mereceu a honra de um comentário por parte de quem tem profundo conhecimento da matéria e experiência governativa na área. Observa-me M C Aguiar que o relatório da Comissão Europeia, de 2010, citado no relatório do OE 2014, obviamente, não considerou alterações entretanto observadas no regime de segurança social e que, portanto, a sustentabilidade do sistema previdencial carece da consistência que o relatório da EU atribuiu.
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Percebo o argumento mas ocorre-me que, se houve, sobretudo fruto das circunstâncias da crise, um crescimento inesperado das despesas, também não é menos verdade que foram feitos ajustamentos, eufemismo de cortes, e alguns deles fortíssimos confiscos, nas pensões acima de determinados níveis, além de significativas reduções de apoios sociais.
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As conclusões do relatório da EU (2010) incorporadas pelo relator do relatório do OE 2014 consideram que “a sustentabilidade a longo prazo do sistema de pensões é um reflexo das medidas introduzidas anteriormente, como é o caso da reforma de 2007 que introduziu, entre outras medidas, o factor de sustentabilidade (igual à razão entre a esperança de vida aos 65 anos em 2006 e no ano anterior ao da passagem à reforma) …”. Uma reforma que prometia ter resolvido o problema da sustentabilidade da segurança social e mereceu rasgados elogios da EU, entre outras entidades internacionais. 
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Mais adiante, e transcrevo do relatório do OE 2014, pág. 56, lê-se: “No entanto, estas medidas dirigiram-se ao problema da sustentabilidade no longo prazo, não resolvendo o problema financeiro de curto e médio prazo.” Nada, portanto, que deva preocupar o jovem director-adjunto do Expresso que citei no apontamento de ontem.
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Acrescenta ainda o relatório do OE 2014 que “É de notar que estas projecções tiveram por ano base 2010, quando as projecções demográficas (essencialmente por via da maior imigração líquida) e de crescimento eram mais favoráveis, com repercussões na evolução do peso da despesa em pensões no PIB”. Nada que não possa ser ultrapassado. Havendo recuperação económica, o fluxo migratório inverte-se automaticamente. A hipótese contrária pressupõe que a crise veio para não mais sair e, consequentemente, o país continuaria inelutavelmente para a desertificação humana. Quer dizer: o problema da sustentabilidade da segurança social ficava definitivamente resolvida pelo lado oposto.
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Refere ainda M C Aguiar que desde 2009 o orçamento do sistema previdencial vem sendo reforçado com transferências do OE. A mim, parece-me que o contrário é que foi inexplicável. O sistema de segurança social actual foi criado com a utilização dos activos capitalizados durante o sistema que vigorou até ao começo da década de 70 do século passado. Foram esses activos que suportaram o pagamento das pensões e outros benefícios sociais aos não contributivos que, de um momento para o outro, aumentaram exponencialmente o universo de beneficiários. E o que foi sobrando foi colmatando os défices do orçamento do Estado, sempre deficitário.
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Quem suportou essa política assistencial aos não contributivos? Pois, inquestionavelmente, os que tinham contribuído até aí e, a partir daí, continuaram a contribuir. Uma despesa (essa sim, despesa pública, mas brevemente voltarei a esta outra confusão de conceitos,  que deveria ser suportada por toda a sociedade, através de impostos) foi apenas suportada por aqueles que trabalhavam por conta de outrem nos sectores privados, com excepção do sector bancário (excepto o Totta Açores por ser parte do grupo CUF) e vários outros sectores protegidos por regimes especiais.
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Uma flagrante e enormíssima iniquidade fiscal de que, inexplicavelmente, quase não se fala.
Um tabu? 
(continua)   

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