Durante quase dois anos os resultados dos exames ao cumprimento do contrato assinado pelo trio - PS, PSD, CDS - com a troica foram publicamente anunciados como positivos, regozijando-se o Governo português, o FMI, a União Europeia e o Banco Central Europeu com os esforços, a disciplina e a resistência do povo português, o melhor do mundo, segundo o senhor Vítor Gaspar, num dia em que tinha recebido os parabens dos examinadores à sua capacidade para cumprir o programa de ajustamento.
Hoje, disse o senhor Daniel Bessa, "estamos todos a evitar anunciar a bancarrota". O senhor Daniel Bessa é livre de dizer o que bem entende mas, em matéria de economia, é suposto que entende da poda. Como é que foi possível só agora se tornar nítido que estamos mais próximos do precipício do que quando pedimos ajuda para evitar a queda no abismo? Erraram todos, troicos e Governo, durante trimestres seguidos, e só agora compreenderam que o compromisso era incumprível desde o momento em que foi negociado e assinado?
Ou enviesou-lhes os cálculos a ideologia com que o FMI compõe a sua metodologia, e a União Europeia fervorosamente abraçou por determinação da senhora Merkel? Nunca acreditei nisso. Se as recomendações da troica em matéria de reestruturação do Estado eram geralmente pertinentes - e muita gente concluiu que nunca a troica poderia ter feito um diagnóstico tão preciso se não tivesse recebido sugestões dos entrevistados -, por que razão só agora a troica acusa o Governo de ter descurado essa parte fundamental do programa?
Por uma questão de tempo. O tempo necessário para retirar os bancos, nomeadamente alemães e franceses, do atoleiro para onde nos tinham conduzido. Vítor Gaspar errou quase todas as previsões, mas não errou só agora. A reforma do Estado continua em grande medida por fazer e não é razoável imputar a Gaspar toda a culpa do fracasso. Porquê, então, só à sétima avaliação, Gaspar é chumbado? Porque ainda não tinha sido atingido o objectivo primordial: salvar o sistema. E, para o salvar, sabemos agora, segundo eles, vale tudo.
Ontem soube-se que aos cipriotas foi imposto, sem aviso nem aprovação no parlamento, um corte nos seus depósitos bancários. Hoje, os cipriotas, amanhã quem? Paul Krugman escreveu hoje no seu blog, a este propósito, "It´s as if Europeans are holding up a neon sign, written in Greek and Italian, saying "time to stage a run on your banks!".
As corridas aos bancos começam por ser irracionais e tornam-se, naturalmente, racionais.
Amanhã, veremos.
6 comments:
A explicação é bem capaz de ser essa...
Mas o roubo a que os cipriotas foram sujeitos já aconteceu cá e ninguém se indignou.
Enquanto trabalhei investi num fundo privado de pensões privado gerido por uma companhia de seguros privada; as minhas contribuições eram feitas depois de pagar todos os impostos e não davam direito a nenhum benefício fiscal.
Em Janeiro deste ano o Gaspar foi lá e sacou-me, e está a sacar-me, 10% da pensão privada que a companhia de seguros privada me estava a pagar.
Quanto a mim, os senhores que governam a Europa, e estes que nos governam, não souberam conjugar o formalismo das decisões impostas, com a realidade da existência.
As "receitas" dos livros de economia e finanças, por indiscutívelmente certas que sejam; existem para ser aplicadas às sociedades e essas compõem-se de pessoas, cada uma com uma realidade.
É uma completa insensatez, aplicar cegamente e sob uma única perspectiva, um conjunto de decisões inflexívelmente ríjidas a uma sociedade em que, uma parte significativa não aufere rendimentos que lhe permita subsistir com um mínimo de dignidade humana.
Ze Muacho,
E não somos só dois.
Mas pouco ou nada se fala disso.
É muito verdade o que diz. Entre a taxação de fundos de pensões privados e de depósitos em bancos não há nenhuma diferença.
É o mesmo tipo de confisco.
Bartolomeu,
Penso que souberam fazer o que lhes mandarm. Os banqueiros têm do lado deles uma rede que ninguém ousa retirar-lhes ou, pelo menos, reduzir-lhes.
É o moral hazard que lher permite assumirem riscos com as eventuais perdas serem pagas pelos contribuintes.
Chipre é mais um exemplo flagrante desta impunidade que beneficia o infractor: os bancos arriscaram, estamparam-se, agora que paguem por conta deles os cipriotas.
Para que os bancos que emprestaram aos bancos cipriotas (adivinhe quem)possam reaver o seu.
Ou seja, rui fonseca; o cheque-mate à Grécia.
Vamos ver se em seguida não estendem o benevolente golpe até Portugal...
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