Saturday, November 17, 2012

CONTO DO MALANJINO

Eram quatro da tarde, chovia, entrei na Bertrand do Chiado.
É admirável a tenacidade com que a velha Bertrand resiste à concorrência da FNAC, uns duzentos metros abaixo. Há sempre clientes junto ao balcão. Nos escaparates, nas estantes, e até no chão, há livros por todo o lado. Na primeira sala, onde uma placa relembra a quem não passe distraído por ela, aquele que foi um escritor maior da literatura portuguesa e tinha na Bertrand a sua casa no Chiado. Hoje quase ninguém lê Aquilino Ribeiro. Meia dúzia de títulos, semi escondidos, é tudo o que há à venda de Aquilino na sua sala na Bertrand. Para lá de inúmeras traduções e algumas versões nas línguas originais de autores estrangeiros, meia dúzia de escritores portugueses dignos do nome, e muita  literatice variada: entre muitos e maus, do maestro que não dá mais para a pauta mas gosta de contar histórias, do pivot da televisão que escreve quase tão rapidamente quatrocentas páginas quanto o professor Marcelo leva a lê-las, do pai do político que lhe aproveita o nome transitoriamente na ribalta. Dos nomes grandes da literatura portuguesa é ainda Pessoa quem ocupa espaço maior e mais destacado. É tão intenso o aproveitamento do filão que até para uma obra menor - o conto Vigário - convidou um editor um ex-ministro reciclado, como é da praxe, em comentador político, para lhe juntar um prefácio que ocupa três quartas partes do pequeno volume. ( vd aqui o texto de Pessoa).

Ocorreu-me, a propósito do conto do Vigário, o conto do Malanjino que um amigo há dias nos contou.

O Malanjino foi um dia destes de Malanje até Luanda, de carro, um velho Toyata, com a mulher.
Chegados à capital, deixou o Malanjino a mulher a fazer compras e foi até ao banco.
...
- E em que lhes podemos ser úteis, senhor Malanjino?
- Precisava de um financiamento.
- Muito bem. É para isso que cá estamos. Espere o senhor um momento, por favor, enquanto chamo o gerente.

O Malanjino não esperou senão duas horas até aparecer o gerente, o assistente do gerente e o primeiro empregado que o tinha recebido.
...
- Já sabemos que o senhor Malanjino precisa de um empréstimo, melhor dizendo, de um financiamento ... E de que montante precisa?

- De um kwanza ...
- De um kwanza? Só de um kwanza?
- Só de um kwanza.
- Supunhamos que fosse um montante mais elevado ... mas enfim, no nosso banco não perdemos um cliente nem um por um kwanza, ... terá o seu financiamento de um kwanza.
- Obrigado.
- Tem, no entanto, algumas condições ...
- Naturalmente, os juros ...
- Os juros, são 14% ao ano.
- Concordo. Podemos assinar o contrato.
- Tem mais um outro particular ... as garantias. Bem sabemos que um  kwanza só é coisa insignificante, mas é das regras do banco não emprestar sem garantias. Que garantias nos pode dar o senhor Malanjino?
- Garantias, garantias, aqui em Luanda, comigo só tenho o meu carro e a mulher.
- Pois bem, aceitamos o carro em garantia. Assinamos o contrato e o senhor Malanjino deixa o carro na garagem do banco até integral pagamento do empréstimo.

Conduziu o Malanjino o carro para a garagem do banco, um espaço coberto, imenso, com poucas viaturas estacionadas. Deu até para escolher lugar próximo do elevador.
Já na rua, telefonou o Malanjino para a mulher: Herédia! Tenho o probelama do parqueamento do carro resolvido. Por um kwanza, imagina tu. Já podemos ir descansados de férias para a Europa.

Leia-se Joe Berardo (ou outro personagem com características semelhantes) no lugar do Malanjino e a Caixa Geral de Depósitos como banco, e perceber-se-á a relativa pequena dimensão da esperteza do habitante de Malanje ou a enorme irresponsabilidade e inimputabilidade dos caixeiros da Caixa.

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