- Eu compreendo a greve dos maquinistas. Ao que parece, há muito tempo que não vêem os salários aumentados.
- Não parece que seja o caso. Os maquinistas da CP ganham, relativamente, bastante bem.
E quem paga somos nós. Como a empresa é deficitária e está encostada ao orçamento de estado, o que não pagamos como passageiros pagamos como contribuintes. Aliás, são os que dispõem de capacidade grevista (função pública, transportes colectivos, etc) ou trabalham em monopólios de facto, com lucros assegurados, que se apropriam cada vez mais de um bolo que não cresce, reduzindo a parte dos outros, dos que não têm direito á greve porque não ganhariam nada em fazê-la mesmo que pudessem.
- Sim, mas quando se vêm uns a ganhar milhões ... o exemplo deveria vir de cima.
- Concordo, mas não podemos invocar um caso criticável para justificar o outro.
- Ainda assim penso que sem bons exemplos as sociedades se degradam. Quando se vê tanta malandragem à solta como pode criticar-se quem reclama aumento de salário mesmo em tempo de crise?
- Repudiando tudo o que é imoral e não justificando uma imoralidade apontando para outra.
- O aumento dos maquinistas é imoral?
- É, se, como neste caso, ele for pago por quem não tem capacidade reivindicativa semelhante.
- Então os maquinistas não podem nunca ter aumentos...
- Podem. Se esses aumentos estiverem em linha com o crescimento da riquesa produzida por todos. Este ano, há vários anos já, que o rendimento nacional não cresce. Como não existem regras que consubstanciem uma política de evolução de salários para aqueles que têm poder grevista, o governo (este e qualquer outro) é sujeito ciclicamente à pressão das manifestações de força das greves. Não é por acaso que os aumentos dos trabalhadores dos transportes públicos (e da função pública) são mais elevados em anos de eleições. A única forma de terminar com a chantagem é fixar regras de execução permanente.
- Ninguém se atreveria a isso...
- Pois não. Mas assim se matam as profissões que não têm capacidade para reclamar. É por isso que cada vez produzimos menos. Se hoje há, por exemplo, menos pescadores não é porque a frota tenha sido em grande parte abatida, como se ouve frequentemente dizer. A frota abatida estava velha e obsoleta. Se não obtemos do mar aquilo que o mar nos pode dar não é por falta de frota mas por falta de pessoas. E não há pessoas para a pesca (armadores e pescadores) porque a actividade da pesca em concorrência de recursos e capitais com outras não é materialmente atractiva e é muito arriscada*.
É preferível ser maquinista da CP a maquinista de traineira.
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