Thursday, January 14, 2010

ACERCA DA FILOSOFIA ANTIDEMOCRÁTICA



Por que é que tantos aderiram aos discursos inflamados de ódio e de racismo de Hitler? Por que é que tantos estavam convencidos da superioridade dos seus genes e de terem recebido a incumbência natural de destruir os outros e remodelar a humanidade? O princípio da tendência de rebanho explicará muitas adesões, sobretudo explica o entusiasmo desenfreado dos menos favorecidos, fustigados pelas imposições dos vencedores da Primeira Guerra à Alemanha derrotada.
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Mas como explicar a adesão do maior filósofo alemão do seu tempo às traves mestras do nacional socialismo e a sua adesão às teses do regime nazi? Como perceber porque vias ínvias do pensamento humano, mesmo dos mais dotados, as mesmas deduções existencialistas que levam à consideração que o homem é um ser eminentemente livre conduzem à rejeição da democracia e à opção por caminhos por eles pretensamente opostos? Sartre encaminhou-se no fim da vida para o comunismo, Heidegger, no meio do turbilhão nazi, fez-se um deles. Transitoriamente? Não é claro que tenha revertido as convicções, que lhe assolaparam o pensamento, até ao fim da vida. Na melhor da hipóteses, considerou-se traído por Hitler.
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A tentativa de resposta de Kate Fodor (“Hannah e Martin”, no Teatro Aberto ) é frouxa e, do ponto de vista da estruturação dramática, pouco conseguida. A encenação de João Lourenço procura condimentar, com relativo sucesso, um texto sem a confrontação consequente que o tema sugere. Martin Heidegger entra e sai de cena inexplicado.
Ou a explicação é mais linear do que aquela que buscamos?
Serão, realmente, todos os filósofos intrinsecamente antidemocráticos?
Por quê?

13 comments:

António said...

"Por que é que tantos aderiram aos discursos inflamados de ódio e de racismo de Hitler?"
Ai não sabe?
Então procure saber quem lhes impôs as medidas mais draconianas e vergonhosas de vida após o Armistício. Tiraram-lhes tudo,tudo lhes proibiram. Quem os espezinhou daquela maneira, é o verdadeiro culpado do que se passou a seguir.
A vingança tem sempre um culpado.
Teatro é teatro, realidade é outra coisa.

A Chata said...

"Tiraram-lhes tudo,tudo lhes proibiram. Quem os espezinhou daquela maneira, é o verdadeiro culpado do que se passou a seguir.
A vingança tem sempre um culpado."

O que é chato é que quem mais tem pago é a Palestina que nem seqer teve nada a ver com o assunto e teve o azar de ter uma localização geofráfica muito 'conveniente'...


(Cuidado António, se quer defender Israel, este argumento de que os culpados são quem espezinha, e tira tudo não vem muito a calhar.)

A Chata said...

Continuo a considerar que quem explica melhor estes comportamentos é Desmond Morris nos seus livros, especialmente o Macaco Nu e Zoo Humano.

Um dos factores mais importantes na unificação de uma tribo à volta do seu chefe, é a criação de um inimigo comum.

Enquanto nos ficamos pelo futebol as consequências são menos más (bandeiras nas janelas, alguns confrontos entre membros das várias tribos) mas, quando substituímos a bola pelas armas mortiferas as consequências são arrepiantes.

Mesmo os mais dotados continuam s ser exemplares da raça animal Homem 'enjaulados' em Zoos.

rui fonseca said...

"A vingança tem sempre um culpado"

A mim o que me confunde não foi a vingança a que aderiram as massas
assoladas. Essas comportaram-se como se comportam as claques dos clubes que Desmond Morris analisou.

O que não compreendo é que Martin Heidegger, um indivíduo de craveira intelectual genial, tenha aderido a uma causa tão repugnante, e se tenha disponibilizado a promovê-la.

António said...

Cara A Chata:
Desta vez está enganada.
Nem nas entrelinhas estou a defender Israel.
Outras vezes o tenho feito, hoje não.

Porquê a adesão a um líder?

Quem quiser saber melhor, terá de se pôr na pele dos alemães, naquele período.
Não há motivo para admirações. As coisas são como são e não adianta pensar muito.
Foram assim, porque as condições impostas o impuseram.

A Chata said...

António

O meu comentário entre parenteses apenas o tentava alertar para que, os principios que usamos hoje para justificar uns também se aplicam a outros noutras ocasiões. Afinal são todos da mesma especie - a espécie humana.

Concordo consigo que um dos factores que facilitaram a ascenção de Hitler foi a situação económica e social da Alemanha na época.

Ao longo da História, vários têem sido os 'grandes' lideres, salvadores da pátria a aparecer em situações semelhantes.

Lembro-me de a minha avó não permitir qualquer critica a Salazar porque tinha sido, graças a ele, que se acabaram as revoluções, os assaltos e a insegurança.

aix said...

A intelectualidade tem-se debruçado sobre os fenómenos da violência em geral, dos totalitarismos e, em particular, do nazismo-fascismo (que, em todo o caso, apresentam contornos diferentes). Em matérias sociais as explicações mono-causais são [quase] sempre débeis e incompletas. É o caso. A doutrina do nacional-socialismo (nazismo é etiqueta para facilitar a condenação) tem os seus avatares nas filosofias pessimistas que remontam à antiguidade greco-latina (sofistas, atomistas, epicuristas), passam pelo pensamento cristão medieval (ideia de crime/castigo) e têm continuidade na filosofia alemã em AA como Schopenhauer, Nietzsche, Spengler (‘A decadência do Ocidente’). No caso de Heidegger é preciso ver que era um seguidor de Hegel, um super idealista. Relevar a superioridade alemã não como
'raça’mas como ‘povo’ era um pressuposto para a sua identificação (então o nosso Fernando Pessoa seria racista primário). Muitos intelectuais e artistas foram seduzidos. Para mim etiquetar Wagner como ‘nazista’ é no mínimo um anacromismo, mesmo que se mitigue com o ‘avant la lettre’. Leitura semelhante faço do Heidegger, cuja filosofia conheço mal, mas que efectivamente se afastou da ideologia. Os latinos, soberbos ganhadores, diziam ‘vae victis’ (ai dos vencidos) e com isto longe, mas mesmo muito longe de mim aceitar ideologias totalitaristas sejam de que pendor forem. Quero apenas dizer que é perigoso simplificar e vulgarizar teorias que não cabem em vulgatas e que podem dar azo a subverter a História (veja-se o movimento actual para negar o holocausto). Porque uma coisa é provar que, por intervenção ou por omissão, Pio XII está implicado no holocausto outra é relevar que Bento XVI pertenceu às Juventudes hitlerianas, pese embora o seu conservadorismo.
«Serão, realmente, todos os filósofos intrinsecamente antidemocráticos?
Por quê?» perguntas tu, Rui. Acredito que este «Por quê?» não é aceitação da interrogação até porque o conceito da moderna democracia radica (ideologicamente) nos enciclopedistas e racionalitas franceses do séc. XVIII que inspiraram o grito
‘Liberdade’, ‘Igualdade, ‘Fraternidade’. Agora só peço que não levem estas vulgaridades à categoria de ‘lição’, que nunca estaria habilitado a dar. São apenas uma muito ligeira reflexão sobre assunto bem complexo e que há muito motiva o meu pensamento.

António said...

Lembro-me de a minha avó não permitir qualquer critica a Salazar porque tinha sido, graças a ele, que se acabaram as revoluções, os assaltos e a insegurança.

A sua avó, pelo que já tinha passado, estava cheia de razão. O pior, foi depois, com o andar da carruagem.
Ainda a propósito da Palestina, já que falou nisso, pergunto:
Quem exterminou todas as civilizações daquela região, Egipto, Mesopotâmia, até à Ásia Menor, os povos da Antiga Palestina, a Terra de Moisés, e mais uns bocaditos assim? Sabe quem eram esses povos? Sabe quem os exterminou?

Aix,
‘vae victis’.
Pois foi...
Os especialistas nesta matéria, os ingleses, ajudados pelos cobardolas franceses (a quem serviram de carne para canhão em Dunquerque)que se renderam sempre em todas as guerras, por falta dos ditos cujos na altura própria, trataram de aplicar muito rigorosamente esse conceito latino do vencedor. E de que maneira.
Mas como ninguém gosta de ter durante muito tempo a bota em cima do cachaço, há que fazer tudo para a sacudir.
E pronto, o resto são desvarios, está tudo conhecido, alguns querem negar, outros não querem esquecer.
Mas olhe que não foram só eles.Houve muitos e com motivos bem diversos.

rui fonseca said...

Francisco,

Muito obrigado pelo teu muito elucidativo comentário.

Perdoa-me a ousadia de me afoitar em terrenos difíceis mas ocorrem-me dois exemplos de referência que me sustentam a ideia de que os grandes filósofos nunca foram grandes pensadores da democracia.

Platão - Vivia a democracia ateniense mas valorizava a tirania que governava Esparta.

Thomas Moore - A sua sociedade utópica é um código de conduta apertado com algumas concepções libertárias.

Quanto a Heidegger (e a Sarte, embora perceba melhor o caminho final deste do que o daquele) que mecanismos regem uma mente brilhante para conformar a ideia da máxima liberdade no meio da mais repugnante tirania?

É esta questão que ninguém parece saber responder.

Há, evidentemente, aquele aforismo que realça as contradições de Frei Tomás. Mas, neste caso, não vejo contradição entre a ideia e a prática mas uma insolúvel mistura entre a liberdade e a opressão no estrito plano das ideias.

rui fonseca said...

"‘vae victis’ (ai dos vencidos)"

António,

A história é escrita pelos vencedores?

A Segunda Guerra Mundial aconteceu já numa época em que técnica permitiu a recolha de testemunhos que não permite grandes desencontros de opinião acerca do comportamento dos nazis. Foram, por assim dizer, apanhados em flagrante delito.

António said...

Foram, por assim dizer, apanhados em flagrante delito.

Estes foram, os outros não.E pelo que se sabe, se a História tivesse sido escrita só pelos vencedores, hoje não saberíamos de nada. Quem é que ia dizer que tinha quase exterminado os Índios da América do Sul?
E do Norte?
E os desgraçaditos do Amazonas ainda hoje?
Se os vencidos não contassem, ninguém acreditava.
Claro que não se conta o que aconteceu ao povo judeu após a II GG. Quantos morreram por culpa directa dos ingleses, ou em que numeros ficou o que se passou a seguir na UrSS do sr. José Estaline e seguintes. Kmers, Fidel, Franco, Congo, Biafra, Hiroshima, Nagasaqui, etc.etc.

rui fonseca said...

"Estes foram, os outros não."

A condenação das acções nazis não iliba outras atrocidades cometidas ao longo da história. Mas estas também não justificam aquelas.

Salvo melhor opinião.

António said...

Pois claro.
Tá certo...