Sunday, July 12, 2009

DIVERTIMENTOS

A crise, como a maré-baixa, pôs a descoberto várias e velhas querelas que se encontravam submersas pelas vagas de prosperidade, em grande parte aparente, que garantiram sucessos e fortunas a muita gente. Hoje, quando do lodo sobressaem os conflitos apaziguados no fundo em tempos de mará-alta, cada qual aponta o bode expiatório que convém aos seus interesses ou às suas convicções.
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Os economistas académicos (há outros?) envolveram-se, praticamente desde o começo da crise, numa dicussão, inevitavelmente académica, acerca da responsabilidade das academias na formação, incorrecta segundo alguns, daqueles que inventaram e distribuiram os produtos que intoxicaram a economia global. Quando a crise global emergiu, nós já tínhamos a nossa, mas essa tinha, e continua a ter, outros fertilizantes.
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De um momento para o outro, fomos surpreendidos pelas declarações de muitos daqueles que ensinam nas escolas de economia e gestão de que, eles mesmos, tinham andado a injectar no cérebro más teorias aos aprendizes de feiticeiro que, coitados deles, acabaram por lançar fogo ao sistema que lhes vinha a dar grande glória e grossos proventos. E nem o facto de Madoff ter sido condenado a 150 anos de prisão parece poder convencer esses professores de economia e gestão de que da sua arte pouco aproveitam artistas como o Bernard. A arte destes é outra e não haverá regulação, qualquer que ela seja, que os contenha dentro dos limites da legalidade, se, directa ou indirectamente, das suas artes resultarem benefícios para o infractor e seus comparsas.
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Outra guerra do alecrim trava-se entre os que privilegiam as finanças relativamente à economia e os que esquecem as finanças nas suas propostas económicas. Ora, para além da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, e das suas inevitáveis repartições de finanças, não sei doutra entidade onde economia e finanças não andem necessariamente de braço dado. De modo que a desintonia só pode atribuir-se a uma perspectiva irresponsável por parte daqueles para quem é possível comprar tudo porque serão outros a pagar a factura.
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É ainda nesta desintonia que aparece invocado o nunca demais venerado nome de J M Keynes. Mas a questão é outra. A política de investimentos públicos concretizados em doses maciças de betão armado, como estímulo da economia, com invocação de Keynes serve primordialmente os interesses cruzados entre políticos e empresários de obras públicas e não é de agora, porque estamos em crise dupla. Pelo contrário, ela tem caracterizado a gestão pública central e local, qualquer que tenha sido o sinal da conjuntura, que encaminhou para ela os recursos, próprios, doados ou emprestados, colocados à sua disposição. Deixar obra tem sido o lema aferidor dos mandatos. O keynesianismo, neo ou clássico, não tem nada a ver com as reais motivações de muitas destas obras.

2 comments:

A Chata said...

A propósito de divertimentos e voltando ao assunto do G8.

""Riem de quê?"

De nervoso.
Os nervos também dão para rir.
Não vejo outra razão."

Ora, riam-se e brinquem no recato dos aviões presidenciais ou nas suas casas de fim-se semana.

Se é para mostrar o nervosismo ou a falta de soluções credíveis, pura e simplesmente, deixem-se destes eventos de jantaradas, fotografias de grupo e discursos de promessas de cooperação e amizade porque as populações dos respectivos paises estão a assistir e, podem crer, estão ainda mais nervosas e desorientadas que eles.

A desresponsabilização geral não nos tem levado a bons resultados.

Os pais não são responsabilizados pela falta de educação dos filhos, os gestores não são responsabilizados pelos resultados da sua gestão danosa, os lideres politicos não são responsabilizados pelos seus erros e pela sua conduta que deveria ser um exemplo para os governados.

Não admira que os alunos no exame de Português do 12º ano, ao lhes ser pedido que reflictam sobre o conceito de liberdade, digam qualquer coisa como: É bom ser livre porque é bom fazer o que nos apetece!

Rui Fonseca said...

"A desresponsabilização geral não nos tem levado a bons resultados."

Pois não. Ela é mesmo a responsável pelo estado a que chegou tudo isto.

Talvez a crise obrigue a colocar alguma coisa nos eixos.