Thursday, July 30, 2009

ABERRAÇÃO

Não faltam meios à justiça em Portugal para que seja oportuna. Mas há processos que, claramente, entravam a oportunidade sem a qual a justiça é um arremedo dela.
.
Como qualquer criação humana, as leis podem ter defeitos. Um deles, substantivamente o mais grave, é a sua inconstitucionalidade.
.
Recomendaria o simples bom senso e a experiência observada nas actividades que têm de garantir a qualidade dos produtos e serviços produzidos, que também as leis fossem sujeitas a controle de qualidade antes de serem aprovadas e entrassem em vigor. Mas não são.
.
E, por não serem, observam-se casos que deveriam há muito ter alterado a forma como intervém o órgão (o Tribunal Constitucional) na apreciação da qualidade (constitucionalidade) das leis. Evitar-se-iam perdas de tempo, confrontos políticos sem proveito democrático, situações de democraticidade equívoca. A constitucionalidade das leis deveria ser apreciada antes da ser sujeita à aprovação dos órgãos com competência legislativa.
.
Dois casos recentes exemplificam bem as consequências da aberração de ter o sistema judicial na sua cúpula um Tribunal Constitucional de génese político-partidária.
Um deles - o Estatuto dos Açores - que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional quase um ano depois de ter sido confirmada a sua aprovação na AR, após o veto do PR, provocou um conflito institucional sem qualquer vantagem democrática.
O outro - a inconstitucionalidade da intervenção policial da ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica - foi suscitada por uma pequena empresa que vendia, irregularmente, segundo a ASAE, lotaria popular. Chamado a pronunciar-se o Tribunal Constitucional deu razão à recorrente. Entretanto, a ASAE moveu centenas ou milhares de processos, e encontra-se actualmente debilitada na sua capacidade de intervenção. A lei do enquadramento jurídico de intervenção da ASAE foi aprovada pelo Governo que terá usurpado os poderes que, na matéria, competiam à AR. Ninguém levantou, com oporturnidade, a questão da constitucionalidade.
.
Alguma empresa, digna desse nome, se atreveria a oferecer no mercado um produto sem controlo prévio de qualidade. Poder, podia, mas correria o risco de sofrer as consequências ditadas pelos tribunais.
.
Dir-se-á que nem os órgãos legislativos nem os tribunais são empresas. Claro que não são. Mas nem por isso deixam de ter obrigações de qualidade perante os cidadãos idênticas às das empresas perante os seus clientes. É por esta, e por outras razões elementares, que a justiça tropeça todos os dias na teia de equívocos e obsolescências em que se move.

1 comment:

Unknown said...

Aberração não será o facto de ter-mos em Portugal tantos especialistas em linguagem que até preferem é que não haja ninguém a fiscalizar para se continuar a ter uma economia paralela esta sim aberrante!? Talvez tenhamos perdido uma boa oportunidade de estarmos caladinhos...penso eu de que!...