"Os moradores da aldeia de xisto de Ferraria de São João, no concelho de Penela, decidiram, em assembleia, avançar com uma zona de proteção da povoação, arrancando eucaliptos e plantando árvores mais resistentes aos fogos."- cf. aqui
Fazem bem.
A presença próxima de áreas contínuas de arvoredo junto de aglomerados populacionais não deveria ter sido sequer consentida.
Os moradores de Ferraria de São João querem plantar, no espaço de onde vão arrancar eucaliptos, espécies silvícolas resistentes aos fogos - sobreiros, castanheiros - de modo a obterem à sua volta uma paisagem acolhedora, aprazível, convidativa e não repulsiva dos turistas atraídos pelo encanto das construções de xisto. Óptimo!
Não podem, no entanto, esquecer-se os de Ferraria de São João que os sobreiros, castanheiros, e outras espécies de folha caduca, também ardem se o fogo se aproxima deles quando ainda não ganharam o porte suficiente para resistir à corrida das labaredas alimentadas pelos matos.
Não basta plantar árvores para se conseguir um arvoredo amigável. Sem rega quando precisam de água, nem corte dos matos e silvados que se vão insinuando à volta, as plantas júniores não vingam ou, se vingam, serão mais tarde ou mais cedo pasto das chamas tão facilmente quanto os eucaliptos ou os pinheiros de diâmetros reduzidos.
Plantar árvores é, relativamente, fácil. Difícil mesmo é garantir o seu crescimento com manutenção adequada.
A tragédia de Pedrogão Grande tem culpados.
Num primeiro momento ouviu-se um coro a desresponsabilizar aqueles que ocupam cargos com atribuições que, directa ou indirectamente, agora ou anteriormente, são de defesa civil do território.
Mas como não há desastres sem culpados, para a tragédia de Pedrogão Grande as condições climatéricas observadas a 27 de Junho foram imediatamente avançadas como grandes, senão mesmo exclusivas, responsáveis pelos mortos e feridos que o fogo diabólico provocou.
Depois, os testemunhos de quem viu de perto o que aconteceu, e, nos últimos dias o conhecimento dos registos das mensagens transmitidas entre os operacionais, começam a demonstrar aquilo que há muito tempo se sabe: as florestas, ou aquilo a que vulgarmente se dá o mesmo nome, estão geralmente cobertas de matos, biomassa, que, se não arde este ano vai arder nos próximos. A propriedade fragmentada não é limpa, nem vai ser. Pode um ou outro proprietário não emigrado e mais abonado proceder à limpeza do seu eucaliptal ou pinhal, mas a maioria não faz nem vai fazer enquanto a dimensão da propriedade não justificar a despesa de manutenção. E se a maioria não limpa que vantagens recolhem aqueles que limparam mas se encontram rodeados por tantos que não fizeram o mesmo? Obviamente, nenhuma.
Sem uma reestruturação da propriedade fundiária que conceda à floresta e plantações de eucaliptos racionalidade económica, os fogos serão cada vez mais agressivos e devastadores.
A ocorrência da tragédia de Pedrogão Grande teve como cenário de fundo o combustível acumulado e a, agora visível, desorganização dos meios de combate em condições climatéricas muito agravadas, apesar de terem sido avisados da previsão do elevado grau de risco naquele dia, naqueles locais e aquelas horas.
Ainda assim, porque a reconfiguração da propriedade fundiária é outro fogo onde os políticos não querem, nunca quiseram, por as mãos, havia que eleger outro bode expiatório. E o Bloco de Esquerda convence o Partido Socialista a legislar (a legislação contra incêndios aumenta proporcionalmente com o crescimento dos fogos) a proibição de mais área de eucaliptal.
Outra fuga em frente sem olhar para trás. Sem querer perceber que nenhuma lei será eficaz na contenção do aumento da área de floresta, de pinho ou eucalipto, em terrenos sem outra utilização economicamente viável. Sem querer perceber que a floresta, de pinho ou eucalipto, racionalmente instalada e mantida, é aquela que deve crescer se o país quiser obter dos terrenos sem vocação agrícola o rendimento e o emprego que só a floresta racionalmente instalada e mantida pode garantir ao país.
Há dias ouvi na televisão a responsável por um programa sobre a tragédia de Pedrogão Grande afirmar que "há em Portugal mais eucaliptos que na Austrália, país de onde vieram".
A afirmação daquela senhora não mereceria qualquer comentário se não se desse o caso de estar o eucalipto a ser diabolizado com dislates de idênticos quilates.
A
floresta ocupa na Austrália cerca de 16% de todo o território rústico. Na sua maior parte, as árvores são "hardwood", eucaliptos de várias espécies, superando a área ocupada pelas "softwood", de que as coníferas são o exemplo mais comum.
No mapa as zonas
1 - são ocupadas por floresta tropical (rain forest)
2 - floresta aberta (não densa) de espécies altas
3 - floresta aberta de eucalipto
4 - floresta tropical, eucalipto e savana
5 - floresta de eucalipto em solos húmidos
6 - floresta de eucalipto em solos secos
7 - bosques de eucaliptos mallee
8 - floresta de melaleuca
9 - mulga (espécie de acácia)
10 - outras acácias
11 a 16 - outras espécies
No total, as espécies de eucalipto ocupam na Austrália cerca de 92 milhões de hectares - cf.
aqui -, cerca de 3/4 da área de floresta nativa.
Em Portugal o eucalipto ocupa 812 mil hectares. cf.
aqui
Não são comparáveis, obviamente. Portugal tem uma dimensão pouco superior a 1% da área da Austrália. A presença do eucalipto em Portugal é, ainda assim, sensivelmente menor que a observada na Austrália.