Friday, January 17, 2014

COMAM CAROLINO

Os sintomas de rejeição pela sua cultura e a adopção de hábitos e costumes importados são frequentes entre os portugueses. A diluição cultural é inevitável num mundo globalizado e, daí, cada vez mais cinzento. Não há quem escape, de um modo ou de outro, às ondas da moda promovidas pelo marketing ou pelo efeito imitação dos mais destacados nos media mundiais. Mas, para além da vaga da moda, que submerge as tradições locais e introduz corpos culturais estranhos (p.e. o halloween, o carnaval brasileiro em fevereiro) há o efeito imitação que, normalmente, ataca os povos culturalmente debilitados na sua auto confiança por crises económicas ou sociais. Não são poucos os casos em que, para os portugueses, se é "nacional é mau", e os leva a preferir o que é importado. 

Inversamente, em países social e economicamente robustos, é manifesta a defesa de hábitos, tradições e produções próprias. Os suíços, por exemplo, possuem um sentimento de mútua defesa que se reflete na especificidade organizativa das suas forças militares ou na promoção dos seus produtos alimentares nos cardápios dos restaurantes. O sucesso da exportação da cozinha italiana é exemplo da capacidade de um povo emigrante imbuído de um sentimento cultural muito forte que nenhuma crise económica abalou.

A cozinha portuguesa, lia-se ontem, foi colocada em 10º lugar num ranking mundial liderado pela Holanda seguida da Suíça. Aos EUA foi atribuído o 42º. lugar, mas os EUA são tão diversificados pelo que qualquer comparação é pouco consistente. E, no entanto, muitos portugueses preferem "a aberração de comer um arroz de grelos ou de cabidela feito com a variedade agulha" para citar um produtor de arroz que hoje vem citado num artigo do Público - falta de procura interna obriga indústria portuguesa a exportar arroz carolino -. 
.
Por que é que há portugueses que preferem a aberração de um arroz de grelos, de peixe, de cabidela, de lampreia,* de tantos e tão saborosos pratos genuinamente portugueses, feitos com a variedade agulha que só faz, se fizer, algum sentido com um arroz desenxabidamente branco?
Por provincianismo, julgo eu, até prova em contrário**.
 ---
* .Ou de favas. Não esquecer nunca o arroz de favas, que Eça promoveu em "A Cidade e as Serras" a uma delícia que nem em Paris se encontra.
** Ou desconhecimento.

4 comments:

Diogo said...

Caro Rui, no meu caso é puro desconhecimento. Gosto muito da cozinha portuguesa (porque a considero muito saborosa, porque fui habituado a ela e porque praticamente não conheço as outras).

Quanto aos arrozes, no Pingo Doce não sei distinguir uns dos outros e não fazia ideia de que o arroz carolino era o nosso arroz.

Rui Fonseca said...

Diogo,

Alguns poderão dizer que carolina ou agulha é uma questão de gosto.

Para um esclarecimento independente, neste caso de uma revista brasileira de gastronomia que me apareceu na busca que fiz na net lê-se:

"Qual o país europeu que come mais arroz? É a Espanha, terra da paella, a Grécia, região do pilaf, ou a Itália, pátria do risotto? Resposta: Portugal. Sua população consome anualmente 12 quilos de arroz per capita, cerca de duas vezes mais do que espanhóis, gregos e italianos. E qual país tem o maior número de receitas de arroz? Portugal bate os três. Maria de Lourdes Modesto, no livro Cozinha Tradicional Portuguesa (Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo, 1989), ensina a fazer 35 pratos de sal e nove doces com os grãos dessa planta da família das gramíneas que alimenta mais da metade da população do mundo.
...
Cerca de 50% do arroz consumido em Portugal é da variedade agulha, da subespécie Índica. A outra parte corresponde ao carolino, pertencente à subespécie Japonica e proveniente da variedade Aríete 2. É o favorito da terrinha. Recebeu o nome pela semelhança com o plantado na Carolina do Sul, Estados Unidos. Trata-se, porém, de um produto português, originário dos estuários dos rios Mondego, Tejo e Sado. Mereceu a regulamentação da União Europeia com o nome de "arroz Carolino das lezírias ribatejanas". Apresenta baixa relação amilose/amilopectina (polissacarídeos do grão) e elevada capacidade de absorção da água e dos aromas. Quando cozido puro e sem tempero, revela paladar aveludado; misturado a outros ingredientes, adquire o toque suave destes, além de uma textura cremosa e delicada que se prolonga na boca."

Mas melhor que uma parte é o artigo todo.
Que pode ler aqui:

http://revistagosto.uol.com.br/portal/materia/preferido-na-terrinha/preferido-na-terrinha-materia-template.aspx

Experimente e veja a diferença.
Que diferença!!!!

aix said...

...compreendo, Rui...és da terra do arroz, a tua explicação vale por um tratado de ciência do arroz...por isso desculparás...
com toda essa variedade prefiro...as massas, também na sua variedade.
A sério, a sério, os hábitos alimentares estão estudados e sabe-se que determinam os nossos gostos e portanto as preferências.

Rui Fonseca said...

Caríssimo filósofo,

Obrigado pelo teu comentário mas eu não comparei arroz com massa. Ou com batata.

Comparei arroz carolino com arroz agulha. E parece-me incontroverso que o carolino possui qualidades de absorção de sabores dos alimentos com que é cozinhado que o agulha não tem.

Quanto a massas, gosto, e bastante na cozinha italiana. Na portuguesa, não vislumbro.

Recentemente, apareceram as massadas de peixe. Também como. Mas ...é uma massada, quando comparada com um arroz (carolino) de peixe.