Friday, August 27, 2010

A CONSTRIÇÃO

Debate constitucional beneficia Sócrates, afirma Portas. Porquê? Porque, segundo Portas, Sócrates argumenta que o que está em causa é a vida ou a morte do Estado Social, aquele que nos paga a educação e a saúde, as reformas, os subsídios de desemprego, os subsídios sociais de reinserção, os abonos de família, e mais uma série de subsídios e abonos que, na totalidade, atingem, de um modo ou de outro,  a grande maioria dos portugueses. 

Arvorando a bandeira do Estado Social, Sócrates elimina a hipótese de qualquer debate consequente acerca do texto constitucional. E, no entanto, a Constituição portuguesa, promulgada após um período politicamente revolucionário, é albergue de intenções em preceitos que nunca foram realizados e de um conjunto de prescrições que não deveriam ter dignidade constitucional, tornando o texto da lei fundamental do País um matagal para onde recorrem frequentemente os que dispõem de recursos para iludir a justiça.

É incompreensível, para o cidadão comum que não conta com os jogos da justiça para seu governo, que após 34 anos após a sua aprovação pela Assembleia da República (a 2 de Abril de 1976) a invocação de inconstitucionalidade seja uma quase constante no debate político e na peregrinação dos processos pelos tribunais, se estão em causa os interesses ou os actos de gente bem abonada. E incompreensível porque o texto constitucional deveria ser escorreito, seco, sucinto, claro, sustentáculo do edifício legislativo quanto baste.

Se o Estado Social é o reduto que o Partido Socialista se propõe defender e, através dele, mobilizar os eleitores para condenarem ab initio todas as propostas de aperfeiçoamento do texto constitucional, incluindo aquelas que visam o Estado Social nos moldes em que foram vazadas as ilusões de um passado ainda recente, esse reduto só é irrebatível se for suficientemente sólido ou ainda bastante ilusório.

Se falta solidez às bases do reduto, ainda que a falha não seja por enquanto visivelmente flagrante, o debate só favorecerá Sócrates se houver inabilidade ou incompetência na demonstração da oposição. Para já, essa inabilidade foi notória no lançamento do debate pelo PSD. O que não significa que ele não seja necessário e, além de necessário, oportuno.

Todas as questões fracturantes são fracturantes de votos. Só não se discutem quando a política é guiada pelo populismo porque os políticos não têm estatura suficiente para dizer a verdade amarga ao povo.
Mas a ilusão é sempre transitória.

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A propósito: No Público de hoje, "Um paradoxo do nosso Estado social: mais desigualdade", de José Manuel Fernandes.

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