"Lucros privados, prejuízos públicos". Este foi um dos anátemas da crise financeira 2007-… que jurámos não esquecer. E não esquecemos: aprendemos tão bem a lição que continuamos a praticá-la: afinal a entrada de Isabel dos Santos na Zon destinou-se a dissolver uma golpada de 100 milhões de euros que três portugueses terão feito aos angolanos. A notícia foi revelada este sábado pelo "Correio da Manhã": o Estado angolano retirou a 28 de Dezembro a queixa-crime contra o advogado Francisco Cruz Martins e os empresários Eduardo Morais e António Figueiredo (este entretanto falecido) no "Caso Banif". Uma semana antes, a filha do Presidente de Angola tinha fechado o acordo para comprar 10% da Zon. Uma coisa foi, afinal, a contrapartida da outra, diz o "Correio": o Estado angolano ameaçava levar o caso até às últimas consequências, exercendo represálias nas relações empresariais, suspendendo autorizações para a Caixa Geral de Depósitos e Sonae abrirem em Angola. "Tudo está bem quando acaba bem"? Não, neste caso Shakespeare teria de renomear a sua peça, que para uns é comédia, para outros é tragédia. De facto, tudo acaba bem: o processo criminal, o embaraço político, as ameaças às empresas alheias; a Zon ganha um parceiro com capital e mercado, os seus accionistas vêem as acções valorizar. Como dizem os brasileiros, é "ganha-ganha". Mas tudo está mal. Está mal a eterna mistura entre política e negócios. Está mal a fraqueza diplomática portuguesa. Está mal o socorro do Estado, através da Caixa, de uma vigarice de privados, assim seja verdadeira a suspeita, como parece crível, segundo as notícias desde o Verão de 2008. Dois dos três visados acabam aliás de devolver o dinheiro que alegadamente extorquiram. O terceiro morreu. Proença de Carvalho, advogado do empresário de António Figueiredo, advogado de Sócrates e presidente do Conselho de Administração da Zon foi, segundo o "Correio da Manhã", o pivô de todo o negócio. Chame-se polivalência ou promiscuidade, conflito ou conjugação de interesses, é uma forma de estar que em Portugal (e Angola…) parece normal. Armando Vara, na entrevista a Judite de Sousa há algumas semanas, explicou-o candidamente: o seu trabalho era, disse, pôr pessoas a falar umas com as outras, para resolver problemas e solver negócios. A reputação de Proença protege-o de quaisquer insinuações e efectivamente o problema foi "tratado", aliás em benefício da empresa: a Zon efectivamente ganhou acesso a mercados africanos onde por exemplo a sua "progenitora" PT não singra por falta de empatia com os angolanos, sócios pouco cooperantes na Unitel. A intromissão da política nos negócios não é todavia apenas conceptual. Os angolanos ameaçaram Portugal por causa de problemas abastardados, que não eram das empresas ameaçadas, muito menos do Estado. Se três homens deram um golpe do baú a Angola, devia ser problema entre eles e ela. Mas a "diplomacia económica" portuguesa é fraca. E Angola, como se viu neste fim-de-semana no ataque à selecção de futebol do Togo, ainda é um País com guerrilheiros e um Estado necessariamente militarizado que conhece a linguagem da ameaça. O cordeiro pode ter sido a Caixa, como de costume. Vendeu 2,5% da Zon a Isabel dos Santos, assim entregando a partilha do poder da empresa (o máximo de votos de cada accionista é de 10%, que ambos têm). Ainda lhe financiou a compra de 5%, o dobro do que lhe vendeu (e ao trocar acções de uma empresa por créditos para comprá-la está a assumir que pode ganhar menos como accionista do que como credora, o que é bizarro). E vende por 5,3 euros acções que tinha comprado ao Barclays há três anos por 12 euros. O balanço dirá diferente mas vender a 5,3 o que custou 12 não tem outro nome: é prejuízo. De quem? Do Estado.
Tuesday, January 12, 2010
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2 comments:
Quando é que se puxa o autoclismo nesta cagadeira?
Não há outro nome para isto...
Há, António, há.
Chama-se promiscuidade entre o poder político e os negócios privados. E não deveria ser limpo com uma puxadela de autoclismo.
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