Thursday, October 31, 2024

ALIÁS

                                                            Aliás, 19.

Aliás foi formalmente iniciado há 19 anos. 

Formalmente, porque, como nessa mesma data se disse, o blog recebeu algumas reflexões minhas escritas tempos antes e que se tinham salvado do cesto dos papeis.

De Luis Aguiar-Conraria, do grupo fundador de " A Destreza das Dúvidas", sou devedor de algumas dicas na formatação de parte do Aliás.
Por exemplo, a criação de uma listagem de blogues que, na altura, considerei mais relevantes, e que tenho mantido inalterada desde então.

A "blogosfera" sofreu, entretanto, tombos e rombos provocados pela emergência de outros meios mais sintéticos, mais convenientes a quem tem pouco tempo para pensar e, sobretudo, de expansão incontível e subterrânea.
Da lista de blogues iniciada, e sucessivamente alargada, pelos autores do "A Destreza das Dúvidas" constam hoje 85 títulos dos quais apenas 15 hoje subsistem com antiguidade de presença inferior a duas semanas. Também dos autores iniciais do "A Destreza ..." nenhum tem marcado presença nos últimos anos, estando agora a continuidade a ser assegurada por Rita Carreira, entrada anos mais tarde após a criação do "A Destreza ..."
Também na lista do "Aliás" a sobrevivência observada é idêntica.
 
São dois exemplos, apenas, pois são.
Mas que me parecem significativos da evolução da transmissão e discussão de ideias no mundo: uma evolução no sentido em que a lógica ponderada cede progressivamente lugar ao confronto emocional e irracional.

Wednesday, October 30, 2024

MAIS OU MENOS TUDO NA MESMA?

Não. 

Entre dois mundos opostos, poderá o mundo tombar para o lado mais execrável, do ponde vista de quem preza o maior valor social da humanidade: a liberdade de expressão de pensamento, por oposição à tirania de ditadores, digam-se eles de esquerda ou de direita. Porque nenhuma ditadura tem dois lados.

 

c/p - Narrow victories in a handful of swing states are likely to determine whether Donald Trump or Kamala Harris wins the US presidential election on November 5.

Não há sondagens que significativamente difiram das apresentadas pelo Financial Times.
E, no entanto, segundo as sondagens, se as diferenças são mínimas e nos swing states podem tombar para um dos lados, as consequências poderão ser tremendas para os norte-americanos e para o mundo democrático, onde a expressão de pensamento é livre mas pode ser submersa pela vaga autocrática que se está a alastrar, aliás, como há oitenta décadas, por todo o mundo.  
Já tinha dito isto, pois já. E não digo nem acrescento nada ao que a liberdade permite dizer. Por enquanto.   
Há dias, espremia-se uma comentadora num dos canais da televisão pública (ou terá sido num canal por cabo?) que Trump não é um fascista porque ... e passou a esgotar o seu cardápio  de razões que não colocam Trump ao lado de Mussolini ou Hitler.
 
Voltando à tremenda possibilidade de Trump ganhar a maioria no Congresso e a maioria no Senado, hipótese provável, segundo uns, altamente provável para outros, Trump, com o voto da maioria do Supremo Tribunal de Justiça, terá rédea solta para ir até aonde quiser. E ele, não nega, que quer ir até onde ao seu incomensurável ego der na gana.

Pelo que se sabe sobre o seu carácter (ou da falta dele) e pelo que demonstrou durante o seu primeiro mandato, não falta a Trump nenhum dos atributos que podem fazer dele um ditador narcísico, um deus terreno a quem todos devem devoção religiosa.
 
Exagero?
Era o que pensavam os que há cerca de oito décadas se curvaram perante auto arvorada divindade.
Terá, já tem aliás, dois concorrentes: Putin e Xi Jimping.
Um regime de triunvirato, também já o referi neste bloco de notas, terminou sempre com a eliminação de dois deles. 
Um filme de horror de que não verei, nem quererei ver o fim.

Sunday, October 27, 2024

IGNORÂNCIA CONSCIENTE

A mira dos media, esteve e continua a estar, voltada, na maior parte do tempo, para o nosso umbigo.
O que é muito compreensível. Assustam-nos mais os acidentes próximos que os desastres longínquos.
E, também compreensivelmente, mas duma perspectiva diferente, os sustos são mais atractivos para o consumidor de imagens que os sucessos. E quem consome imagens consome os produtos publicitados entre elas. 

Os estragos humanos e materiais provocados por um tiro mal pensado tem ocupado a maior parte do tempo em emissão e discussão que qualquer outro que possa, eventualmente, ter maior impacto social. 
Dizendo isto não se diz que o caso não mereça reflexão. Porque merece.
Não sendo, nem de longe nem de perto, conhecedor dos factos, das motivações, dos ambientes, não vou resumir o que já foi dito e redito. 
Mas o caso, muito longe de ser único ou original, recordou-me uma dúvida para a qual não encontro resposta, ainda que casos como este estejam, continuem e prometem continuar a estar, a ser observados, sobretudo tele-visionados,  em periferias de cidades maiores e mais afluentes que as nossas.
 
Parto de uma explicação mais divulgada. 
 
Os distúrbios são motivados, sobretudo, por filhos de imigrantes, nascidos portugueses, da segunda e terceira geração dos imigrantes iniciais.
A primeira geração adaptou-se porque procurou e encontrou meios de vida melhor do que os que tinha nos locais de onde saiu. Eventualmente, habitaram em bairros de barracas, melhoraram-lhe as condições de habitabilidade com a destruição das barracas e atribuição de uma casa com instalações minimamente condignas da sua condição humana. Mas a família cresceu, voltou a crescer, e, às tantas, há três famílias a habitar o espaço inicialmente previsto para uma.

Porquê?, pergunta um ignorante.

Porque a segunda e terceira gerações não encontraram meios que lhe pudessem, pelo menos, garantir um nível de vida proporcionado aos seus avós?
Por falta de trabalho?
Por falta de formação?
Por dedicação a actividades e hábitos ilegais germinados pelo desemprego generalizado no meio em que nasceram e cresceram?
 
Outra pergunta, do mesmo ignorante.

Se Portugal necessita de receber, e continua a receber, imigrantes, por muitas razões suficientemente divulgadas, por que razão não entram no mercado de trabalho os sem trabalho que habitam nos guetos que circundam as grandes cidades?

Sou mesmo ignorante, pois sou. À espera de informação que reduza o meu grau de ignorância.

Saturday, October 26, 2024

A MAIOR BATALHA DA PRÓXIMA GUERRA

Ouço na rádio que Israel atacou o Irão ...
Que nos arredores de Lisboa houve distúrbios durante a noite com viaturas incendiadas, caixotes do lixo queimados ...
Que ...tanta ameaça a acontecer, tanta revolta a repetir-se ...
Não faltam notícias aos media, que fazem da sua transmissão e retransmissão até ao tutano uma exigência da função e modo de ganhar meios de vida.
 
É a vida a acontecer entre um mundo a desconjuntar-se à vista de quem não seja cego e surdo, ao mesmo tempo anojado e, o mais das vezes, perversamente interessado no que ouve e vê.
A quase mais que certa vitória de Trump nas eleições de hoje a dez dias, por maioria de delegados no Colégio Eleitoral, dada pelos votos tangenciais em dois ou três swing states, ainda que o voto popular seja inutilmente maioritariamente atribuído a Harris, provocará um tsunami político global devastador.
 
Sem que ninguém, com suficiente capacidade para se fazer ouvir, avise a Humanidade que o caminho aponta para a sua autodestruição. Muitos dizem isso, mas o aviso perde-se por perto. 
Quem é que, pelo lugar que ocupa e pelo conhecimento que tem das fragilidades que sustentam o precário equilíbrio da vida da humanidade inteira, pode fazer-se ouvir suficientemente bem longe?
Poderia ser o secretário-geral das Nações Unidas se o lugar fosse hoje ocupado por alguém suficientemente corajoso, livre de ideologias e preconceitos, para dizer a verdade, inequívocamente demonstrada mas muito limitadamente divulgada, mas esse não é, lamentavelmente, o perfil pusilânime de António Guterres. 
Que, nas actuais condições, nem coragem tem para fazer o que deveria: demitir-se.
 
As funções de secretário-geral da ONU, desprovidas de poder de intervenção efectivo, nunca foram fáceis mas também nunca foram tão difíceis como nos tempos generalizadamente tempestuosos actuais porque também nunca a capacidade destruidora da vida no planeta atingiu os níveis em que se encontra agora.
 
Ao secretário-geral da ONU só resta um poder: o da palavra. A palavra que possa mobilizar a capacidade de insurreição dos jovens, aqueles que são os mais ameaçados pela capacidade de destruição global armazenada, à espera que a loucura ou o acaso acenda o rastilho. 
Era esta a verdade que Guterres poderia e deveria dizer aos jovens mas é incapaz de dizer porque o seu estilo sempre o guiou para um equilíbrio na corda bamba.

 

c/p - Trump or Harris: Who’s ahead in the polls? Tracking the polls in every state and possible paths to electoral college victory for Kamala Harris and Donald Trump

Talvez o título da nota colocada hoje neste meu caderno de apontamentos possa parecer sensacionalista.
Não é essa a intenção. E não é, porque, a generalidade da opinião pública mundial reflectida nos mais diversos meios de informação não subterrâneos, aponta no sentido da eventual eleição de Trump provocar um tombo no precário equilíbrio geopolítico global capaz de precipitar uma guerra nuclear que será a próxima mas também a última. 
 
Trump é um declarado apoiante de Putin com desprezo, como este, por todos os valores morais que caracterizam a civilização ocidental. 
Que ou se subjuga aos dois ditadores ou resiste sem capacidade de resistência. 
Um dos dois, Trump e Putin, perante a expectativa do terceiro candidato à liderança global, Xi Jimping, quererá ser único e a guerra nuclear será inevitável.
Se não, como?
Nunca na História da Humanidade o poder de um triunvirato subsistiu por largo tempo. 

--- Correlacionado
 
 
Guterres cumprimenta Putin, em posição subserviente, durante a recente reunião dos "Brics", na Rússia.
Para quê? Não se sabe.
Porquê? Porque é próprio da sua natureza.

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Friday, October 25, 2024

ODISSEIA MAIOR

  em 4 episódios, na RTP1.

 

Tinha 14 anos quando li Fernão de Magalhães. O homem e sua ação (Biografia) 1938, de Stefan Zweig.
Ainda hoje considero esta obra o livro de aventuras maior que li. 
 
A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, escrita 400 anos antes pelo grande aventureiro, ressente-se de algumas dúvidas,  nunca claramente esclarecidas, sobre a veracidade de alguns episódios relatados pelo protagonista.
 
São incomparáveis porque se, por um lado, as acções relatadas nestas duas grandes odisseias  foram quase contemporâneas, por outro, foi grande a distância entre os momentos em que foram escritas. 

--- 26/10/24 
A propósito...

Há 13 anos, anotei neste caderno de apontamentos um caso - Cábulas & Cª. - com, entre outro outros maus cábulas, o Psioca, distribuidor de um segredo.

Hoje, lembrei-me do Psioca a propósito da Odisseia de Fernão de Magalhães.

O Psioca habitava em casa de um tio que, segundo se dizia, era despachante oficial na alfândega local, que não tinha filhos e, presumivelmente, adoptara o Psioca. 
Nunca soube nem procurei saber se aquele nome Psioca era herança do tio; o que todos sabíamos é que o tio do Psioca era um coleccionador de livros antigos, primeiras edições …, um bibliófilo.
Também nunca soube se o Psioca se interessava pela colecção do tio.
O que todos sabíamos era que o Psioca tinha uma capacidade de memorização de textos muito fora do comum. 
Tanta, que o professor de História, desconfiado com as suas respostas em pontos escritos, quase ipsis verbis com o texto do livro único, o chamava de vez em quando ao estrado para interrogatório, e confirmava-se perante a turma que o Psioca um dia daria um magnífico actor. Com um senão que, para a carreira artística, não seria obstáculo: o Psioca reproduzia o que lia mas ficava bloqueado quando o professor, depois de muito insistentemente ter ensinado a turma que, mais do que o relato dos factos, importavam as causas que os determinaram e as consequências deles resultantes. 
Convenhamos que o professor parecia esquecer-se que estava perante uma turma de alunos na banda dos treze, catorze anos, e o Psioca decorava mas só muito por acaso entendia o que dizia. 
Há muitos casos assim.

Havia na sala uma estante, armário de pinho, um dois por dois, com prateleiras onde habitavam solitários cinco ou seis livros. 
Um dia, pôs-se o prof a olhar por largo instante para a estante, e turma à espera de ver o que dali saía.
- Temos ali aquela estante, vamos tratar de arranjar mais livros e passar a considerá-la a nossa biblioteca; trouxe esta porca de barro para recolha de moedas; à medida que a porca encher, compraremos livros para a biblioteca; mas a biblioteca também não se importa que tragam livros que ninguém costume ler lá em casa. 
A porca recolheu pouco, mas as estantes ficaram cheias em menos de duas semanas: havia de tudo, mas sobretudo exemplares antigos e mal tratados do Mundo de Aventuras e do Cavaleiro Andante, que foram deitadas na base da biblioteca lhe para baixar o centro de gravidade e evitar que tanta sabedoria doada viesse a tombar em cima de alguém em caso de ocasional encontrão.
O Psioca, só à sua conta, encheu uma prateleira. O teu tio sabe disto? Disto, de quê? Não, o tio não sabia, nem saberia, mais livro, menos livro lá em casa, ninguém daria por isso.

Aquela biblioteca sem espaço para mais doações era um orgulho para a turma. Talvez para não diminuir a dimensão de tanto orgulho ou porque quanto mais livros pela frente menor era a vontade de os ler, nem a chamada de atenção de que os livros estavam na estante para serem retirados e lidos, mobilizou a turma para a leitura.
 
Estávamos em vésperas de férias de Natal e, para não ficarem mal vistos pelo prof, a maior parte levou um livro para ler durante as férias. 
Eu levei “Fernão de Magalhães - biografia de Stefane Zweig”, uma primeira edição da obra em português, adquirida num alfarrabista do Largo Trindade Coelho, em Lisboa. 
Seguramente, retirada pelo Psioca da colecção do despachante oficial, sr. Psioca, que tinha metido o recibo no meio do livro.


Sunday, October 20, 2024

DE DONO A CULPADO DE TUDO

Em 10 de fevereiro de 2016, comentei aqui uma entrevista do Público a Carlos Monjardino, com transcrição muito restrita às responsabilidades de Ricardo Espírito Santo Salgado no descalabro que envolveu praticamente todo o sistema financeiro do país. 

Anteontem vi, sem ter procurado ver, a repetição da transmissão televisiva, incluída num qualquer telejornal, da entrada de Ricardo Salgado para o tribunal onde iria decorrer a primeira sessão do  julgamento do processo envolvendo múltiplas acusações e um enorme número de testemunhas.
E repugnou-me o que vi: o advogado e o médico assistente, se não propuseram, pelo menos aceitaram a exibição pública de um homem fisicamente derrotado.
Para quê?

No meu curto comentário há oito anos, não referi, mas também não omiti, porque toda a entrevista continua acessível, afirmações de Monjardino que o escusado cortejo de exibição de Ricardo Salgado me incentivou a reler.
E o tempo, entretanto, decorrido tornou mais pertinente que antes uma resposta de Monjardino quase no fim da entrevista:
 
- Sente-se confortável em ser sua testemunha abonatória?
Sim, e vou dizer uma frase: renegar um amigo é renegar-me a mim próprio. Eu não faço isso. Há coisas que não deveriam ter sido feitas no grupo, mas irei falar do que conheço do Dr. Ricardo Salgado que é muito positivo. E vou tentar desmontar uma ideia abstrusa de que ele era o dono disto tudo, que mandava em 300 empresas e no grupo…
 
Há nesta resposta de Monjardino uma afirmação (é uma ideia abstrusa de que ele era o dono disto tudo, que mandava em 300 empresas e no grupo ...), que coloca uma questão recorrente: até que ponto o dirigente supremo de uma organização é responsável único de todos os erros ou atrocidades cometidas?
Uma questão que a não imputabilidade de Ricardo Salgado torna muito mais relevante do que antes.
Se Ricardo Salgado não tem agora capacidade de defesa em que medida essa impossibilidade reforça as possibilidades dos seus eventuais coniventes se esgueirarem  das suas responsabilidades? 
Toda a que as instituições da Justiça consentirem.
 
O desaparecimento do Führer (que exagero de comparação!) não limpou os crimes dos seus principais coniventes, julgados em Nuremberga.
 
act. 22/10/24
 

Pergunta-se: 
Como é que Ricardo Salgado manipulou as contas sem que os Revisores Oficiais de Contas e os Auditores Externos, pagos à medida dos resultados das suas competências, apontassem nos relatórios as irregularidades que PQP denunciou?
São os ROC e os amigos Auditores inimputáveis perante a Justiça em Portugal?
Se são, e a resposta parece ser afirmativa, para que servem?
Para apadrinharem a veracidade dos ludíbrios e, deste modo, contribuírem para a mentira perante terceiros, vítimas das maroscas originais?
Alguém sabe responder?

Reconheça-se que esta não imputabilidade dos principais órgãos de fiscalização - Conselhos Fiscais quando existem, são membros da  mesma irmandade, condição que não lhes retira responsabilidades, mas porque se apoiam nos relatórios da fiscalização externa, serão inocentes coniventes - não se observou apenas no Grupo liderado por Salgado. 

Friday, October 18, 2024

A LITERATURA CONTINUA PELAS RUAS DA AMARGURA

 
 
É um bom livro?
Talvez.
É uma boa obra literária?
Talvez.
Merecedora do Nobel da Literatura em 2024?
Se é o caso, a literatura continua pelas ruas da amargura.


O VALOR FACIAL E O VALOR INTRÍNSECO DA DEMOCRACIA

Já depois de ter editado o meu apontamento de anteontem - O valor dos valores morais - observei que Daron Acemoglu, um dos três laureados com o Nobel da Economia, e aquele que, em directo televisivo respondeu a questões que, a propósito, lhe foram lhe foram colocadas por alguns dos presentes na sessão do anúncio, observei que de Daron Acemoglu tinha sido colocado a 30 de agosto deste ano, um artigo no project-syndicate.org - The Trump Threat to Democracy has grown - de que retiro apenas a primeira parte, disponível para não assinantes.

"Donald Trump is not the first anti-democratic demagogue to atttract a strong following, and he will be not the last. American institutions  can weather such challenges and come out even stronger, but only if pro-democratic forces mobilize and demonstrate  that the system can deliver meaninful results for ordinary people"

O artigo é, relativamente, longo e aponta para a gravidade da situação criada pela impotência das  instituições democráticas norte-americanas, que não foram concebidas para defrontarem quem, além do mais, proclama governar sem submissão às regras democráticas e fomentou o assalto ao Congresso, símbolo maior da democracia norte-americana, sem que a Justiça, admito, por falta de previsão de enquadramento legal no momento da concepção constitucional, o condenasse por alta traição e agora permite que se recandidate para comportamentos muito mais gravosos nos Estados Unidos quando de todo o mundo chegam sinais de guerra definitiva. 

No meu apontamento de anteontem parti da conclusão dos laureados - "In the end, the only option may be to transfer power and establish democracy." - expressa, tanto na transmissão televisiva da comunicação do Nobel da Economia deste ano como no "Press release", para registar neste caderno de apontamentos a desvalorização que, do meu ponto de vista, tem vindo a observar-se na democracia liberal. 
Há alternativa melhor?
Durante muito tempo adquiriu-se a ideia cimentada na afirmação de Churchill: "A democracia é a pior forma de governo, excepto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos."

Talvez Churchill continue a ter razão e a resposta dada a um dos assistentes ao anúncio do Nobel no período de perguntas e respostas que questionou sobre o sucesso da China, um país cujo líder Li Xijinping considera a democracia um dos inimigos do comunismo chinês, Daron Acemoglu recordou que alguma experiências ditatoriais foram bem sucedidas durante os primeiros tempos, mais ou menos longos, mas perderam perderam o ímpeto inicial e a democracia acabou por prevalecer.

No tempo que vivemos, com os regimes autocráticos a ganharem terreno por recuo dos valores morais  da democracia, a afirmação de Daron Acemoglu de 30 de agosto no Project Syndicate, atrás transcrita, de que "as instituições norte-americanas podem opor-se à força das multidões atraídas pelas promessas de Trump, um anti-democrático demagogo, se as forças pró-democráticas se mobilizarem e convencerem que a democracia é mais vantajosa para as pessoas comuns, carece de prova
Porque é neste ponto se contradizem as conclusões.

Kamala Harris posicionou-se nas sondagens à frente de Trump imediatamente à sua nomeação em substituição de Biden. O voto popular, segundo as sondagens, posicionavam Harris entre dois a três pontos percentuais acima de Trump. Entretanto, a diferença ter-se-á reduzido, colocando-se num intervalo de empate técnico.
 
As eleições presidenciais norte-americanas não se decidem pelo voto popular universal mas pelo voto em seis ou sete Estados, swing states onde o resultado final pode cair para um lado ou para o outro, e onde as sondagens sugerem agora ligeira diferença favorável a Trump. 
Conclusão: as forças pró-democráticas parecem incapazes de atrair em número suficiente aqueles eleitores que, aparentemente, mais ganhariam com a vitória de Harris. 

Kamala Harris, filha de mãe indiana e pai afro-jamaicano, é considerada, estatisticamente, negra.
É, no entanto, a candidata democrata com menos apoio da população negra, quando, (ou porque), uma mulher negra substitui um homem branco. Biden obteve 87% dos votos dos negros; Harris tem apenas 80%. 
Trump tem dito, e os seus apoiantes acreditam, que os imigrantes roubam empregos geralmente desempenhados por negros. Mais imigrantes negros a entrarem nos USA significará mais pressão para a baixa nos salários. Deste raciocínio decorre, mesmo se falacioso, serem os negros, os asiáticos, os hispânicos mais favoráveis a medidas repressivas da imigração que os brancos.
Também são os não brancos menos tolerantes relativamente à liberdade de opção sexual e tão misóginos quanto os brancos. 
A perda de empregos resultante da entrada de emigrantes é o valor facial, visível, da imigração; o crescimento de uma economia em expansão, como é o caso da economia norte-americana, hoje, que requer mais força de trabalho, é um valor intrínseco que poucos entendem.
Trump entende, mas interessam-lhe os votos dos que já residem nos EUA. As suas declarações de que procederá à maior deportação de imigrantes ilegais, reforça nos imigrantes legalizados o apoio que Trump procura mobilizar.

A lista é longa mas uma evidência se salienta: qualquer que seja o tema envolvendo a importância da democracia para o progresso dos povos, é mais estendível o seu valor facial, a aparência imediata, do que o seu valor intrínseco, aquele que só o tempo pode demonstrar.
Quando se vivem tempos de comunicações curtas e fáceis, o imediatismo, mesmo se falso, porque o falso é célere e a verdade lenta, sobrepõe-se a razões fundamentadas. 

O CAMINHO DOURADO DA GUERRA

clicar para aumentar as imagens

 
"...numa altura e que a economia (entenda-se: norte-americana ) ... que parece estar longe de uma recessão" (referido no no mesmo artigo)
 
Entretanto, nos últimos dias, o euro tem vindo a ceder relativamente às principais moedas e, nomeadamente, ao dólar.

Wednesday, October 16, 2024

O VALOR DOS VALORES MORAIS

Anteontem a Real Academia Sueca de Ciências anunciou a atribuição do Nobel das Ciências Económicas em Memória de Alfredo Nobel, mais conhecido como Nobel da Economia, a Daron Acemoglu, Simon Johnson, do Massachusets Intitute of Technology (MIT) e James Robinson, da Universidade de Chicago,

“for studies of how institutions are formed and affect prosperity” 

(Transcrevo do Press release, distribuído após a divulgação dos nomes dos laureados, de sínteses dos trabalhos realizados, seguidas de perguntas da audiência presente no acto e respostas de Daron Acemoglu   - LIVE: Daron Acemoglu, Simon Johnson and James Robinson win Nobel Prize 2024 for Economic Sciences)

 

They have helped us understand differences in prosperity between nations

This year’s laureates in the economic sciences – Daron Acemoglu, Simon Johnson and James Robinson – have demonstrated the importance of societal institutions for a country’s prosperity. Societies with a poor rule of law and institutions that exploit the population do not generate growth or change for the better. The laureates’ research helps us understand why.

When Europeans colonised large parts of the globe, the institutions in those societies changed. This was sometimes dramatic, but did not occur in the same way everywhere. In some places the aim was to exploit the indigenous population and extract resources for the colonisers’ benefit. In others, the colonisers formed inclusive political and economic systems for the long-term benefit of European migrants.

The laureates have shown that one explanation for differences in countries’ prosperity is the societal institutions that were introduced during colonisation. Inclusive institutions were often introduced in countries that were poor when they were colonised, over time resulting in a generally prosperous population. This is an important reason for why former colonies that were once rich are now poor, and vice versa.

Some countries become trapped in a situation with extractive institutions and low economic growth. The introduction of inclusive institutions would create long-term benefits for everyone, but extractive institutions provide short-term gains for the people in power. As long as the political system guarantees they will remain in control, no one will trust their promises of future economic reforms. According to the laureates, this is why no improvement occurs.

However, this inability to make credible promises of positive change can also explain why democratisation sometimes occurs. When there is a threat of revolution, the people in power face a dilemma. They would prefer to remain in power and try to placate the masses by promising economic reforms, but the population are unlikely to believe that they will not return to the old system as soon as the situation settles down. In the end, the only option may be to transfer power and establish democracy.

“Reducing the vast differences in income between countries is one of our time’s greatest challenges. The laureates have demonstrated the importance of societal institutions for achieving this,” says Jakob Svensson, Chair of the Committee for the Prize in Economic Sciences.

 

Ouvi a comunicação, já captada em vídeo, li o Press release, e ocorrem-me algumas questões que gostaria de ter perguntado mas, obviamente, não fui convidado para estar presente ...
Desloquei então as minhas questões para este meu espaço de entretenimento mental que não foram colocadas pela audiência presente nem foram minimamente abordadas pelos laureados, partindo do princípio que, se tivessem sido, teriam sido, minimamente que fosse, referidos pelos três membros da Real Academia Sueca de Ciências que anunciaram e comentaram as razões da atribuição de tão alto galardão a cientistas dedicados à profunda análise dos muito complexos meandros da economia.

Porque o tema é demasiado ambicioso para as minhas mais que exíguas qualificações, destaco uma conclusão dos estudos realizados : "In the end, the only option may be to transfer power and establish democracy."
 
A democracia, sustentada na liberdade de expressão do pensamento, encontra-se hoje em situação, por demais visível, de atrofiamento em consequência da acentuada desvalorização do seu valor moral, mesmo, mesmo e sobretudo, no país e no povo onde mais floresceu porque as instituições nunca foram abaladas e o direito que regulava a vida em sociedade nunca foi posto em causa, até 6 de janeiro de 2021 quando o Capitólio dos Estados Unidos, símbolo máximo da democracia norte-americana, foi atacado, com o incentivo do ex-presidente aos assaltantes perante muitos milhões de espectadores que, em todo o mundo, assistiram ao impensável. 

Não foi a primeira vez que o Capitólio foi atacado. 
Em 24 de agosto de 1814 o Capitólio foi incendiado por tropas britânicas, durante a guerra de 1812. A 4 de julho de 1776, 13 colónias tinham declarado formalmente a sua separação do Império Britânico. 
(Obs. - O Brasil, colonizado por portugueses, mas não só,  foi declarado independente em 1822)
A 1 de Março de 1954 nacionalistas porto-riquenhos entraram no Capitólio com armas contrabandeadas. Foram presos e condenados; o Presidente Jimmy Carter mais tarde concedeu-lhes clemência.
Em 24 de Julho de 1998 foram mortos, por um atirador com histórico mental,  dois polícias em serviço na Capitólio; em 1999, um juiz federal considerou-o incapaz de ser julgado por sofrer de doença mental.
 
6 de janeiro de 2021 foi a única vez que o Capitólio foi assaltado por norte-americanos, motivados pelas declarações e incentivos do presidente que tinha perdido as eleições para Biden.
Com diversas culpas de grau elevadíssimo no cartório, em cima da maior afronta feita à democracia norte-americana, perante a passividade permissividade e conivência das suas instituições judiciais, o mobilizador do ataque em 6 de janeiro é agora novamente candidato à presidência, sendo muito provável, a julgar pelas últimas sondagens, que possa ser eleito.

Quanto vale a liberdade? Quanto vale a democracia?

Admitamos que Trump não ganha em 5 de novembro, próximo. 
Ainda assim, o valor moral da liberdade e da democracia não se alteraria significativamente porque as instituições consentiram que um assaltante do Capitólio (tão ladrão é o que assalta a vinha como aquele que fica ao portão a vigiar) se apresente a sufrágio isento e limpo como qualquer cidadão sem cadastro.

Trump já disse e reafirmou que tenciona, além do mais, retirar o apoio aos europeus unidos pela democracia, incumprindo os compromissos assumidos com os outros membros da NATO e reforçando os seus apoios aos desígnios de Putin, que sistematicamente recorda aos europeus ocidentais que o poder nuclear de que dispõe é para ser usado quando e como este Czar entender. 
Como reagirão os europeus perante a concretização desta ameaça? Ou, simplesmente, perante esta ameaça respaldada por Trump? Resigna-se e submete-se? 
Quanto vale a liberdade, quanto vale a democracia, para a parte eurocéptica e a parte eurófaga dos membros da União Europeia?
Valem alguma coisa?

Friday, October 11, 2024

NOBEL DE QUAL PAZ?

 

"The Norwegian Nobel Committee has decided to award the 2024 #NobelPeacePrize to the Japanese organisation Nihon Hidankyo. This grassroots movement of atomic bomb survivors from Hiroshima and Nagasaki, also known as Hibakusha, is receiving the peace prize for its efforts to achieve a world free of nuclear weapons and for demonstrating through witness testimony that nuclear weapons must never be used again."

Ouvi esta manhã, a transmissão em directo, às 10:00 horas, do anúncio da atribuição do Prémio Nobel da Paz à Organização japonesa Nihon Hidankyo.
 
Grande parte das atribuições deste prémio tem sido alvo de controvérsia. 
Não é esperável que seja o caso da atribuição deste ano. 
E, no entanto, apesar do merecimento da Organização hoje distinguida, da extrema pertinência dos seus objectivos, de apoio aos sobreviventes, de alerta para o potencial dos arsenais atómicos, em crescimento de capacidade e sofisticação, de destruição de todos os seres vivos, a recordação das imagens e os  arrepiantes testemunhos dos sobreviventes em Hiroshima e Nagasaki, não terão eficácia para inverter a actual caminhada da estupidez humana para a sua auto destruição. 

Quantos humanos tiveram conhecimento desta notícia e sentiram o mais ligeiro estremecimento pelo horror passado e o incomensurável terror futuro para onde a humanidade, sonâmbula, se encaminha?
Não, defenitivamente, este alerta não alterará a caminhada para  autodestruição enquanto os arsenais nucleares se mantiverem activos, a crescer em volume e "eficácia". Nunca este termo "eficácia" será tão danadamente apropriado como neste caso.

Não, defnitivamente, a divulgação das imagens do horror nuclear, vezes sem conta repetidas, da solidariedade que os testemunhos dos sobreviventes momentaneamente possam suscitar, não obrigarão os que têm nas suas mãos os comandos da destruição global a arrepiar caminho. 

Têm de ser os jovens a exercer sobre os senhores dos destinos da humanidade a pressão suficiente para os obrigar a ceder.
Tenho escrito neste bloco de notas as razões pelas quais só os jovens, porque são eles que mais perdem, podem determinar a inflexão de uma trajetória diabólica que não dá sinais de mudar de rumo.
 
Para um confronto com uma ameaça global só uma mobilização global dos mais ameaçados. 
Uma mobilização global que seja suscitada pela informação a todo o mundo jovem do potencial destruidor susceptível de, por decisão de estupidez extrema ou acidente imprevisível, destruir todos os seres vivos do planeta Terra.
Uma divulgação que implicaria denunciar para eliminar um tabu: o de que não se devem amedrontar os jovens com cenários dantescos, e que vivam felizes na paz da sua ignorância.

Thursday, October 10, 2024

O ASSALTO À DEMOCRACIA COM UM ABRAÇO DE PUTIN

Em reunião plenária do Parlamento Europeu, Viktor Órban, que preside, por inerência do cargo como primeiro-ministro da Hungria, preside ao Conselho da União Europeia durante o semestre a decorrer  de 1 de Julho até 31 de dezembro deste ano, apresentou as suas prioridades durante o período em que se manterá no cargo.

As opções políticas de Órban são sobejamente conhecidas e situam-no junto de todos os que têm como ideologia mestra o poder autocrático, que se alastra como mancha de óleo sobre os valores democráticos, admiradores de Trump a Putin, sem disfarce, inimigos da Europa. São eurófagos, - referidos aqui -  carunchos que penetraram nas estruturas das instituições europeias, para se alimentarem delas e as destruírem.
Órban é um eurófago posicionado numa função que será tanto mais influente quanto os dois outros titulares de cargos cimeiros, Presidência do Conselho Europeu, que passará a ser ocupada por António Costa a partir do próximo mês de dezembro, a Presidência da Comissão Europeia, ocupada por Ursula von der Leyen, reeleita recentemente por um novo mandato de 5 anos.
António Costa entrará em funções com Viktor Órban de saída; até lá, com o actual Presidente do Conselho Europeu, o pusilânime belga Charles Michel, Ursula von der Leyen terá de enfrentar as investidas de Órban. 
Uma tarefa que parece estar bastante bem ao alcance dela. 
Na reunião do plenário do Parlamento Europeu, anteontem, para apresentação, adiada por razões de catástrofes naturais ocorridas na Europa central, das prioridades da Hungria (leia-se de Órban) na presidência rotativa da União Europeia, Órban reafirmou o que tem dito em matérias que conflituam com os valores democráticos que sustentam a União Europeia, e foi muito claro no seu pendor para se posicionar ao lado de Putin e Trump, inimigos da UE e da NATO. 

Ursula von der Leyen assumiu a defesa dos valores de uma Europa livre, da forma frontal, e encostou Órban ao canto onde ele deposita os seus interesses pessoais evidenciando-lhe como num espelho colocado à frente do autocrata húngaro as contradições e as suas traições ao povo húngaro, que ele, apesar de nascido em 1963, certamente não ignora: a amordaça, o exílio, os tormentos,  as mortes  sofridas pela geração dos seus pais, perpetradas por aqueles de que Putin hoje se reclama sucessor. 


... correlacionado
 
Em 2012 coloquei aqui um comentário a sobre um artigo editorial do Washington Post desse dia - Assault on Democracy - acerca das ameaças que impendem sobre a Hungria, membro da União Europeia e da NATO. Um tema que já várias vezes abordado neste caderno de apontamentos, a última das quais aqui - O abraço de Putin -.

               O símbolo da revolução: a Bandeira da Hungria com o emblema comunista cortado

"Na sequência de uma revolta revolta popular espontânea, iniciada a 23 de outubro de 1956, contra as políticas impostas pelo governo da República Popular da Hungria e pela União Soviética, em 4 de novembro, um grande exército soviético (31550 militares, 1130 tanques) invadiu Budapeste e outras regiões do país. A resistência húngara continuou até 10 de novembro. Mais de 2,5 mil soldados húngaros e cerca de 700 soldados soviéticos foram mortos no conflito, tendo 200 mil húngaros fugido, passando a ser refugiados."

"Em 31 de Maio de 1963, nasce Viktor Orbán". 
Orbán tornou-se conhecido nacionalmente depois de fazer um discurso no enterro de Imre Nagy em 1989 e outros mártires da revolução de 1956, no qual exigiu abertamente que as tropas soviéticas deixassem o país"
"Em dezembro de 2021, tornou-se o chefe de governo com mais tempo em exercício na UE"
"Ao longo da sua trajetória política, Orbán adotou uma retórica nativista e social-conservadora, sendo considerado um político de extrema-direita por analistas."

 " No final da década de 1980, a Hungria foi um dos primeiros países da órbita soviética a procurar dissolver o Pacto de Varsóvia e a evoluir para uma democracia multipartidária e para uma economia de mercado. As primeiras eleições livres nessa nova fase da história da Hungria foram realizadas em 1990, onde, com poucos votos, os socialistas foram rechaçados. Mas, em 1994, voltaram ao poder, apoiados pela queda da qualidade de vida e da economia húngara. Desde então, socialistas e centro-direitistas disputam o poder político na Hungria. Seguiu-se de uma aproximação com o Ocidente que levou o país a aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1999 e à União Europeia em 2004."

Thursday, October 03, 2024

NO INFINITO CAMINHO DA ESTUPIDEZ DA ESPÉCIE HUMANA

Trump, ouvi anteontem na rádio, voltou a reafirmar que continua a incentivar Putin a atirar-se contra os membros da NATO com contribuições em falta para a Organização.
 
Trump, já se sabe, diz uma coisa e a contrária com a maior desfaçatez deste mundo. 
O mesmo Trump tem ameaçado e repetido que desmantelará a NATO ou, com o mesmo objectivo, retirará os EUA da NATO, e que os outros membros da Organização se defendam com os seus próprios meios. 
E, pela dedução mais benevolente do que diz Trump, a incumbência que este dá a Putin, de combater os membros da NATO com as quotas em atraso, é uma forma de suscitar o reforço dos meios de defesa, nomeadamente dos europeus, da ameaça real que o autocrata Putin e seus admiradores e seguidores, representa para as sociedades onde a liberdade de expressão sustenta todo o sistema em que a grande maioria dos que nelas vivem se movimentam e assim querem continuar.
 
Trump já disse, inequivocamente, que, se for eleito, resolverá a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente em três tempos. 
Quanto à Ucrânia, a jogada de Trump é clara: retira o apoio militar dos EUA e, implicitamente, entrega aquele país a Putin, porque a União Europeia não tem poder defensivo e, ainda muito menos poder ofensivo, para se opor a Putin. Daí o único sentido lógico, cínico, que pode retirar-se das afirmações: paguem os compromissos que assumiram como membros da NATO, e defendam-se porque os norte-americanos não vão continuar a envolver-se nas guerras na Europa.
Entretanto continuam a chover, quase diariamente, notícias de chuvas arrasadoras de drones e mísseis de espécies diversas sobre as cidades da Ucrânia, incluindo massacres da historicamente lendária. capital, Kyiv.
 
Quanto ao Médio Oriente, o mais que Trump pode fazer é manter, e eventualmente reforçar, o apoio dos EUA a Israel, mas não resolverá um conflito que pode chegar a colocar Trump, do lado de Israel, frente a Putin, claramente apoiante do Irão, e, inequivocamente, apoiado pelo regime teocrático iraniano. 
A guerra alastra-se, são milhões os que de Gaza e Líbano, fogem dos bombardeamentos constantes, sem que do lado Israel e, agora, declaradamente, do Irão se vislumbre o caminho, ainda que mínimo, para a paz. De cada lado, o objectivo continua a ser a completa eliminação do outro. 

Se a União Europeia claudica com a derrota dos ucranianos, fragmentar-se-á, porque dentro dos frágeis muros da UE há vários dos seus membros que saltarão alegremente para o lado inimigo. 
Friamente, a questão que se coloca aos europeus do campo liberal democrático  é quem ficará do seu lado?

Se alguns membros não estão disponíveis para suportar, e reforçar, os custos financeiros de uma defensiva da sua vontade de se manterem livres, que motivação lhes sobrará para meterem as botas no terreno e, de armas nas mãos, defenderem a sua liberdade que tanto querem preservar?
 
Trump, que cada um lhe chame o que quiser, pode ganhar as eleições porque os norte-americanos estão divididos por fracturas aparentemente insanáveis:
o direito ao aborto, intransigentemente combatido pelos evengélicos, 
o direito à opção de orientação sexual, (no Economist de hoje realça-se uma questão perturbadora para os renitentes conservadores republicanos: Was Abraham Lincoln gay?), 
a política de imigração, para um país feito por imigrantes.
E a defesa da democracia liberal na União Europeia não é tema que, decididamente, os motive. 

Se Trump perder as eleições em 5 de novembro, é muito provável que venha a repetir-se a trama que gizou em 2020 - ler artigo sobre esta hipótese - e uma guerra civil nos EUA não é seguramente improvável. 

Por cá, o tema é, socialmente, indesejável para motivo de uma conversa, mesmo entre amigos e, politicamente, repugnante a qualquer partido político que não tenha intuitos suicidas. Aliás, agora, entretidissímos à volta da aprovação do Orçamento ou eleições antecipadas à vista, cada lado a tentar que seja o outro o responsável, aos olhos dos eleitores, pela eventual antecipação das eleições.
 
Pergunte-se, mas ninguém pergunta, aos candidatos à presidência da República Portuguesa para suceder a Marcelo Rebelo de Sousa, que posição deve ser assumida pelo povo português para defesa da civilização ocidental, e eles gaguejarão.
Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto ainda no cargo, assobiará o ti-ro-liro.
Gouveia e Melo, um candidato ainda não assumido, já tomou posição em entrevista, vd. aqui de Vítor Gonçalves há três semanas. 
 
"Devem os portugueses envolver-se num eventual confronto da Rússia contra qualquer país da NATO?
Resposta inequívoca de Gouveia e Melo: sim. Sei que ninguém quererá ouvir que tropas portuguesas participem numa guerra. Os militares não gostam da guerra. Mas não podem ignorar que ou nos defendemos ou seremos esmagados. Não podemos, não devemos, renunciar a combater se as ameaças de confronto se concretizarem. Devemos preparar-nos para essa hipótese e falar claro aos portugueses. É fundamental falar claro."

--- Informação correlacionada:

Palavras duras contra a NATO eram tática de "negociação", diz Trump Candidato às presidenciais dos EUA, Donald Trump, acusa os países europeus membros da NATO de não fazerem a sua parte na despesa militar, dando por adquirido que podem contar com os Estados Unidos como escudo defensivo. 

Trump says he would encourage Russia to attack Nato allies who pay too little

Which countries in the Nato alliance are paying their fair share on defence? . c/p aqui

Cost share arrangements for civil budget, military budget and NATO Security Investment Programme

Cost share arrangements for civil budget, military budget and NATO Security Investment Programme
Nation Cost share "at 32" following the accession of Sweden
Valid as from 7 March 2024 until 31 December 2024
Albania 0.0882
Belgium 2.0447
Bulgaria 0.3552
Canada 6.6840
Croatia 0.2910
Czechia 1.0259
Denmark 1.2744
Estonia 0.1213
Finland 0.9057
France 10.1940
Germany 15.8813
Greece 1.0273
Hungary 0.7380
Iceland 0.0624
Italy 8.5324
Latvia 0.1550
Lithuania 0.2493
Luxembourg 0.1645
Montenegro 0.0283
Netherlands 3.3528
North Macedonia 0.0756
Norway 1.7267
Poland 2.9015
Portugal 1.0194
Romania 1.1931
Slovakia 0.5014
Slovenia 0.2212
Spain 5.8211
Sweden 1.9277
Türkiye 4.5927
United Kingdom 10.9626
United States 15.8813
TOTAL NATO 100.0000