Sunday, October 20, 2024

DE DONO A CULPADO DE TUDO

Em 10 de fevereiro de 2016, comentei aqui uma entrevista do Público a Carlos Monjardino, com transcrição muito restrita às responsabilidades de Ricardo Espírito Santo Salgado no descalabro que envolveu praticamente todo o sistema financeiro do país. 

Anteontem vi, sem ter procurado ver, a repetição da transmissão televisiva, incluída num qualquer telejornal, da entrada de Ricardo Salgado para o tribunal onde iria decorrer a primeira sessão do  julgamento do processo envolvendo múltiplas acusações e um enorme número de testemunhas.
E repugnou-me o que vi: o advogado e o médico assistente, se não propuseram, pelo menos aceitaram a exibição pública de um homem fisicamente derrotado.
Para quê?

No meu curto comentário há oito anos, não referi, mas também não omiti, porque toda a entrevista continua acessível, afirmações de Monjardino que o escusado cortejo de exibição de Ricardo Salgado me incentivou a reler.
E o tempo, entretanto, decorrido tornou mais pertinente que antes uma resposta de Monjardino quase no fim da entrevista:
 
- Sente-se confortável em ser sua testemunha abonatória?
Sim, e vou dizer uma frase: renegar um amigo é renegar-me a mim próprio. Eu não faço isso. Há coisas que não deveriam ter sido feitas no grupo, mas irei falar do que conheço do Dr. Ricardo Salgado que é muito positivo. E vou tentar desmontar uma ideia abstrusa de que ele era o dono disto tudo, que mandava em 300 empresas e no grupo…
 
Há nesta resposta de Monjardino uma afirmação (é uma ideia abstrusa de que ele era o dono disto tudo, que mandava em 300 empresas e no grupo ...), que coloca uma questão recorrente: até que ponto o dirigente supremo de uma organização é responsável único de todos os erros ou atrocidades cometidas?
Uma questão que a não imputabilidade de Ricardo Salgado torna muito mais relevante do que antes.
Se Ricardo Salgado não tem agora capacidade de defesa em que medida essa impossibilidade reforça as possibilidades dos seus eventuais coniventes se esgueirarem  das suas responsabilidades? 
Toda a que as instituições da Justiça consentirem.
 
O desaparecimento do Führer (que exagero de comparação!) não limpou os crimes dos seus principais coniventes, julgados em Nuremberga.
 
act. 22/10/24
 

Pergunta-se: 
Como é que Ricardo Salgado manipulou as contas sem que os Revisores Oficiais de Contas e os Auditores Externos, pagos à medida dos resultados das suas competências, apontassem nos relatórios as irregularidades que PQP denunciou?
São os ROC e os amigos Auditores inimputáveis perante a Justiça em Portugal?
Se são, e a resposta parece ser afirmativa, para que servem?
Para apadrinharem a veracidade dos ludíbrios e, deste modo, contribuírem para a mentira perante terceiros, vítimas das maroscas originais?
Alguém sabe responder?

Reconheça-se que esta não imputabilidade dos principais órgãos de fiscalização - Conselhos Fiscais quando existem, são membros da  mesma irmandade, condição que não lhes retira responsabilidades, mas porque se apoiam nos relatórios da fiscalização externa, serão inocentes coniventes - não se observou apenas no Grupo liderado por Salgado. 

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