Sunday, November 27, 2016

ACERCA DA INVENÇÃO DE DEUSES

Morreu Fidel Castro, tinha noventa anos, uma longevidade conquistada à custa de muita sorte a escapar às balas dos que o queriam matar, aos prognósticos médicos e aos rumores que prematuramente o davam como morto. Mas é a natureza quem mais ordena, e ao guerrilheiro estava destinado  não morrer a combater na serra Maestra mas em casa, na cama, a mais provável casualidade que pode ocorrer no termo da vida de cada mortal. Que, até prova em contrário, somos todos, os seres vivos.  

Ontem à noite, não havendo mirabolantes notícias da bola para encantar os que veneram os deuses dos estádios - ainda assim, em rodapé, lia-se que o Ronaldo bisou contra o Gijón -, a morte de Fidel tomou conta de todos os noticiários e comentários televisivos, nos jornais e outros meios comunicacionais. 
Morto, Fidel foi o deus do dia. Do bem e do mal, como é próprio da natureza dos deuses que a condição humana inventa. 

De um lado e do outro do estreito da Flórida, apenas cerca 150 quilómetros a separar o território cubano do extremo sul do território norte-americano, o contraste das reacções ao acontecimento dia não podia ser maior. Enquanto uns, os que fugiram para norte por medo ou oportunidade de melhores condições de vida, rejubilavam estrondosamente, os outros, os que ficaram, por submissão, oportunismo ou convicção ideológica, choravam nas ruas o perecimento do seu bem amado líder.

Haverá luto em Cuba durante nove dias e durante quatro as cinzas do líder endeusado atravessarão a ilha de ponta a ponta para veneração do povo. É, no entanto, muito improvável que o futuro cubano o venha a canonizar apesar desta peregrinação de adoração quase religiosa. Os ventos da história que o absolveu já não sopram de feição as suas cinzas.


2 comments:

Pinho Cardão said...

Caro Rui:
As coisas têm que ser ditas, sem meias palavras: um DITADOR.
Fidel Castro tiranizou, durante décadas, o povo cubano, em nome de não se sabe bem de quê, que a ideologia não explica tudo. Assassinou ou mandou assassinar milhares de concidadãos, prendeu, torturou, deixou um país pobre, privado de liberdade, presos políticos, uma imprensa controlada e ao exclusivo serviço do partido único. Um ditador de esquerda, que sucedeu a outro ditador de direita.
Ontem e hoje, e ao que fui vendo nas televisões, fiquei a saber que, afinal, quem morreu foi o "comandante", o histórico líder cubano, a figura incontornável da história contemporânea, o libertador da América Latina...
De facto, a esquerda, política e mediática, lava mesmo mais branco...
Era um ser humano, paz à sua alma, aquela mesma paz de que privou os seus concidadãos.

Rui Fonseca said...

Caríssimo António,

Fidel foi um ditador? Foi, sem dúvida alguma.
E, por esse lado, merece a nossa repulsa.
Mas no julgamento final é bem capaz de merecer o benefício de algumas atenuantes.

Há dias o Humberto A., "advogado de defesa do tirano", enviou e-mail com a seguinte lista:

"Não é qualquer um com 20 homens a desafiar o império americano.
Não é qualquer um que elimina o analfabetismo em um ano.
Não é qualquer um que baixa a mortalidade infantil de 42 % para 4 %.
Não é qualquer um que faz mais de 130 mil médicos, garantindo 1 médico por cada 130 pessoas, com o maior indice de médicos per capita do mundo.
Não é qualquer um que cria a maior faculdade de medicina do mundo, graduando 1500 médicos estrangeiros por ano, com 25.000 médicos formados de 84 nações.
Não é qualquer um que envia mais de 30 mil médicos para trabalhar em mais de 68 países do mundo somando cerca de 600.000 Missões.
Não é qualquer um que consegue ser a única nação latino-Americana sem desnutrição infantil.
Não é qualquer um que consegue ser o único país da América Latina sem problema de drogas.
Não é qualquer um que consegue 100 % de escolarização.
Não é qualquer um que pode circular no seu país sem ver uma criança a dormir na rua.
Não é qualquer um que consegue ser o único país do mundo que cumpre a sustentabilidade ecológica.
Não é qualquer um que faça com que a sua população tenha 79 anos de esperança de vida ao nascer.
Não é qualquer um que cria vacinas contra o câncer.
Não é qualquer um que consegue ter a maior quantidade de medalhas olímpicas da América Latina.
Não é qualquer um que sobrevive a mais de 600 atentados contra sua vida e a 11 presidentes americanos tentando derrubá-lo.
Não é qualquer um que sobrevive a 50 anos de bloqueio e guerra económica.
Não é qualquer um que chega aos 90 anos, com tanto protagonismo na história mundial."

O que é que desta lista não é verdade?