Ouço esta manhã na rádio uma parte do discurso - vd. aqui - proferido ontem por Jorge Sampaio na Gulbenkian: "Este presente não pode ser o nosso futuro. Quarenta anos depois do 25
de Abril de 1974, a melhor maneira de o celebrarmos é usarmos as
eleições europeias para fazer renascer a esperança e acreditar no futuro
de Portugal e da Europa".
Sampaio mantem o registo que sempre caracterizou os seus discursos políticos: elegantes e redondos."Este presente não pode ser o nosso futuro" é uma senhora afirmação, esbelta, tautológica em todos os sentidos, que dá entrada a um apelo recorrente em vésperas de todas as eleições: votem!, porque é com o voto que renasce a esperança de um futuro diferente! Ou, trocado por miúdos, "votem no PS porque o neoliberalismo deste governo levou-nos a este presente desgraçado!".
Há, ou poderá haver, no Parlamento Europeu, uma bancada socialista, qualquer que seja a ideia política nuclear que lhe dê uma coesão mínima, que possa apontar, e em que sentido, para uma União Europeia significativamente distinta daquela que conhecemos hoje? Certamente que não. Os destinos da União Europeia têm sido guiados fundamentalmente pelos interesses individuais de cada um dos seus membros, e a tão proclamada unidade na diversidade é uma panaceia, porque só uma união política apropriada poderia dar consistência à União, e esse passo não está nos programas de nenhum dos principais vectores políticos representados em Estrasburgo. Mas há, por outro lado, propostas de desagregação defendidas pelos partidos radicais, em crescendo de representatividade no PE.
Em França, por exemplo, e a França é um exemplo crítico, diz-se socialista o partido que suporta o governo de Monsieur Hollande. Muito provavelmente, o PS francês registará mais uma derrota record e Marine Le Pen poderá ver o seu nacionalismo, o seu racismo, a sua xenofobia, embaladas em propostas de retirada do euro, e da UE, representados de forma muito convincente daquilo que pretendem. Quem é que, sentado nas bancadas socialistas (ou liberais, ou o quer que seja), sobrepõe no hemiciclo europeu os interesses ideológicos do seu sector político aos interesses particulares dos países que representam? Que propostas defenderão os socialistas franceses, que não se acomodem às políticas do seu governo, recentemente remodelado?
Votar nestas eleições europeias sem rumos definidos, exceptuando os daqueles que se propõem fazer voltar ao passado, significa dar crédito a um presente que não augura nenhum futuro diferente para a Europa. A abstenção tem pelo menos o mérito de afirmar quantos, por indiferença (que também existe nos votantes) ou decisão pensada, dizem não a um presente e a um futuro que não será diferente.
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