Caro A.,
Sabemos que não confias nas reflexões de Krugman e o consideras um académico demasiado enfronhado nas suas teorias não confirmadas pela realidade. Permito-me discordar. Krugman é um pensador prestigiado em todo o mundo que se expõe diariamente à crítica de todos quantos queiram refutar o que ele afirma. Uma lista colocada hoje no WSJ, (vd. aqui, citada pelo próprio Krugman como resposta aqueles que afirmam que ninguém presta atenção ao que ele diz) atribui o primeiro lugar a Krugman entre os pensadores contemporâneos mais influentes.
O confronto Krugman-Reinhart/Rogoff é bem significativo da capacidade de Krugman para se apresentar a defender os seus pontos de vista sempre que a ocasião o desafia. E é verdade que Reinhert/Rogoff já reconheram alguns erros no paper que deu tanto que falar e escrever. Aliás, Reinhart afirmava há tempos em Lisboa que o tal paper não receitava a austeridade como remédio para as crises e que, no caso português, provavelmente a receita não era recomendável. Reconheça-se, por outro lado, que Krugman ao opor-se à política de austeridade imposta pela Alemanha e companheiros do norte à Europa do sul não ignora que há um gravíssimo problema com as dívidas soberanos destes países. O que ele defende é que, ou a Alemanha muda de política ou acabará com a zona euro e a União Europeia.
É evidente que um país sobre endividado não pode crescer porque, a partir de certo limite, o custo da dívida excede de modo galopante o potencial de crescimento. Mas a solução não passa, ou não passa prioritariamente, por medidas de austeridade.
Quem trabalhou no sector privado (e refiro isto porque apontas a Krugman o seu alheamento da realidade empresarial) sabe que se uma empresa entra em situação de falência (incapacidade de pagar integralmente aos credores) aos fornecedores só restam duas hipóteses: ou desistem de parte ou da totalidade das dívidas e contabilizam os prejuízos ou acordam num plano de recuperação do devedor que pode incluir várias medidas, que, no entanto, passam sempre por conceder ao devedor, qualquer que seja a estrutura societária superveniente, condições de pagamento exequíveis.
Os países não são empresas mas as soluções não podem ser muito diferentes. No caso de Portugal o crescimento imparável da dívida passou há muito para lá do point of no return. Seria preciso que o crescimento económico ultrapassasse a taxa de juro implícita da dívida e o superavit da balança comercial ultrapassasse o défice primário. É isto possível? Eu não sei como.
Mas gostaria que alguém me explicasse.
Abc
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"Às vezes há milagres, afirma EC, a propósito de uma discussão à volta deste paper de Paul Krugman, e acrescenta "... A solução para o excesso de divida está na mutualização parcial pontual e extraordinária a par da retoma económica e da ajustamento em curso. Temos de substituir semanticamente AUSTERIDADE por RIGOR"
3 comments:
Caro Rui:
Felicito-te pelo equilíbrio das tuas palavras. Quanto a Krugman, não o felicito tanto, nem pouco mais ou menos.
1. De facto, Krugman é um académico prestigiado, ninguém o nega, o que duvido é que seja um economista com soluções exequíveis. E falar dos EUA acerca dos problemas de Portugal é assim como eu falar dos problemas do Estado do Arkansas. Eu também sou capaz de dar solução a todos os problemas do Arkansa. E tu também.
2. Claro que ninguém nega a importância decisiva do crescimento da actividade económica como elemento essencial, todavia não suficiente, para minorar o problema da dívida.
3. Só que Krugman advoga, como keynesiano serôdio, que esse crescimento se faça através de mais despesa do Estado, logo mais dívida. Ora isso é um disparate completo, nas condições vigentes em Portugal. O crescimento tem que se fazer através do investimento privado, criando condições de atractividade, que passam pelo licenciamento, custos de contexto, burocracias, fiscalidade adequada e estável, justiça comercial pronta, parcerias da investigação tecnológica dos laboratórios públicos com empresas, com vista à inovação, no sentido de criar produtos novos susceptíveis de serem produzidos e comercializados. Em vez de uma investigação a gosto, que é o que agora acontece. Custo puro, apesar de lhe chamarem investimento.
4. O que acontece é que tudo isso está por fazer. Vivemos em perfeito condicionamento industrial, em que são os burocratas a decidir quando, onde e como investir. O que significa naturalmente que não há investimento.
5. Também o lóbi ecológico é um perfeito e absurdo travão a muita iniciativa. Prefere, por exemplo, uma Costa da Caparica até à Fonte da Telha suja e porca a criar condições para investimento de qualidade, com que todos ganhariam. Apenas um exemplo.
6. Se Krugman conhecesse isto e falasse disto teria o meu aplauso. Culpar a Alemanha pelas nossa incapacidade e exigir que se substitua às nossas responsabilidades é sempre fácil, cai bem, mas não resolve nem um dos nossos problemas.
7. Posto isto, também concordo que uma negociação global com a União Europeia é necessária. Uma negociação que ponha em relevo a economia e não apenas as finanças públicas. Ir por esse caminho, de querer salvar apenas as finanças públicas, destrói a economia e não salva as finanças. Pelo que o Memorando tem que ser revisto. Mas já propusemos essa revisão? Fizemos o nosso trabalho de casa?
8. Ainda neste plano, se a diminuição da despesa é obrigatória, combinar essa diminuição com aumento de impostos é erro crasso da troyca e do governo, dados os efeitos sobre a economia.
9. Portanto, caro Rui, temos muito que fazer, nós, não a senhora Merkel.
10. Curioso, como também já referi, que há uns meses, em Portugal, Krugman tenha dito que não via alternativa para aquilo que o governo estava a fazer. Outro erro de Krugman. Porque, por exemplo, nada do que deixei dito foi ainda feito. Há de facto algumas alternativas e propostas a fazer à senhora Merkel.
Depois é que poderia haver razão de queixa. Não agora.
Aliás, se se paga aos funcionários públicos e se os serviços públicos funcionam muito se deve aos 70 mil milhões, grande parte da Alemanha.
E por aqui me fico.
Gostei do comentário do sr. Pinho Cardão, exceto no que diz respeito ao "Lóbi ecológico" - aintes existisse, mas na realidade há pouca gente em posições chave a defender o ambiente e a sustentabilidade. O assalto aos recursos e o desperdício no seu uso são as causas da crise do mundo ocidental (a dívida privada dinamarquesa, sueca, holandesa, japonesa, ..são superiores à nossa e mostram que estes países vivem acima das suas possibilidades naturais - ver ainda a ecological footprint das economias mais avançadas )
Penso ainda que seria possível reduzir em muito as importações (desde carros novos, a iogurtes vindos da Polónia até combustíveis para quem anda a passear o carro...) e equilibrar a balança. Mas, para tal seria necessário algo difícl de alterar: hábitos e mentalidades
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