A história conta-se em poucas linhas, e conta-se também a propósito de outros municípios, nomeadamente o de Marco de Canavezes.
O abastecimento de água às populações foi concessionado a empresas que têm como accionista comum a Somague, que é também, além do mais, et pour cause, a segunda maior accionista da SAD do FC Porto. Ainda, a título de cultura geral, a Somague foi patroticamente vendida à espanhola Sacyr Vallehermoso numa altura em que a importância estratégica dos centros de decisão nacionais era defendida por muito boa gente, alguns dos quais procediam de modo oposto ao que defendiam.
A Câmara de Barcelos foi uma das edilidades que entregou o abastecimento público das águas a uma dessas empresas participadas pela Somague, isto é, pela Sacyr. Até aqui nada de grave. A gravidade (que nestas situações envolve geralmente processos de corrupção) começou e concretizou-se num negócio danoso para o erário público, quando a Câmara garantiu à concessionária um volume mínimo de consumo por habitante. Dito de outro modo: tudo quanto cada barcelence bebe a menos que a conta estipulada no contrato, é pago pelo orçamento, isto é por mim, por ti, por todos os que residem ou não no concelho de Barcelos.
É a corrupção pelos pressupostos, a mesma que infectou a generalidade das parcerias público privadas na construção e exploração de autoestradas, e que representam uma das causas da falência de Portugal. No caso das autoestradas estabeleceram níveis de trânsito fantásticos, para venderem a ideia do interesse público da obra caindo o risco potenciado do investimento para o lado dos contribuintes. Se os barcelences não bebem o que deviam ou os automóveis não passam na auto estrada em conformidade com os pressupostos nos estudos de viabilidade económica, quem paga o logro são os contribuintes.
Acresce que, tendo a Câmara mudado de autarcas, o logro foi entregue à decisão de um tribunal arbitral que deu razão à empresa concessionária, sem possibilidade de recurso. Leia-se aqui, o que a este propósito, pitoresca abertura do ano judicial:
"Façamos, a este propósito, um breve desenho para os mais distraídos: por detrás de qualquer acto de corrupção está um acordo entre corrupto e corruptor mediante o qual o primeiro adquire para o estado bens ou serviços ou adjudica obras a um preço muito superior ao seu preço real, repartindo depois essa diferença entre ambos e, nalguns casos, também com terceiros, nomeadamente com o partido a que pertence o decisor corrupto.
Normalmente o acto que materializa esse acordo entre corrupto e corruptor assume a forma jurídica de um contrato publico-privado em que as partes são o estado (ou alguns dos seus órgãos) e a empresa ou instituição privada representada pelo corruptor.
Para que o propósito atinja os fins delineados sem qualquer problema para os seus autores, basta apenas que esse contrato inclua uma cláusula mediante a qual as partes recorrerão obrigatoriamente a um tribunal arbitral para resolver qualquer litígio dele emergente.
Depois, finge-se uma divergência ou outro pretexto qualquer como um atraso no pagamento do inflacionado preço para que o caso vá parar ao dito tribunal.
Imagine-se, agora, qual será a decisão desse tribunal.
Qual será a decisão de um tribunal em que os juízes foram substituídos por advogados escolhidos e pagos - principescamente, aliás - pelo corrupto e pelo corruptor.
É óbvio que proferirá a sentença pretendida por ambos e obrigará o estado ao cumprimento integral da prestação que o corrupto e o corruptor haviam acordado entre si."
Mais transparente do que isto nem as águas filtradas do Cávado.
No entanto, a ministra da Justiça, interpelada acerca desta intervenção do bastonário da ordem dos advogados, respondeu que só muito excepcionalmente os tribunais arbitrais seriam chamados em contendas que envolvesse os intereses do Estado.
Vê-se.
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