Ontem registei aqui mais um apontamento de Krugman - Debt and Demographic Debt Spirals - sobre a situação social, económica e financeira, em Portugal. O artigo suscitou muitos comentários de leitores norte-americanos (67, no momento em que componho estas linhas), alguns dos quais merecem a atenção de quem se interessa por estas questões porque nos dão, de algum modo, uma ideia da imagem de Portugal no contexto da União Europeia observada por quem vive do lado de lá numa grande e relativamente antiga união de estados federados.
Krugman e outros economistas norte-americanos, de entre os quais é elementar destacar Stiglitz, têm dedicado bastante a sua atenção à evolução da situação na UE, sobretudo depois da erupção da crise de 2008 na Europa. E o seu diagnóstico não pode ser mais claro: a política de austeridade, liderada pela Alemanha, para enfrentar a crise iria agravá-la e seriam os países periféricos do sul da Europa os mais atingidos por essa política, segundo eles, errada. É esta perspectiva que está subjacente ao artigo de Krugman publicado ontem.
O tema tem pontas múltiplas e não se puxa uma por inteiro sem puxar todo o incomensurável novelo.
Limito-me hoje a uma prometida* brevíssima reflexão sobre dois pontos:
- O financiamento do pagamento de pensões geridas pelo Estado em sistema de pay as you go apresenta vulnerabilidades evidentes em conjuntura económica deprimida, fustigada por dois factores cumulativamente negativos: desemprego e emigração.
A alternativa dos sistemas de capitalização, por outro lado, tem demonstrado poder ser ainda menos segura quando os mercados financeiros são abalados pela sua própria natureza e desses abalos não sabem como escapar.
A conjugação mista dos dois sistemas, e de todas as suas variantes, permanecerá sempre sob a ameça do, até agora, inevitável comportamento dos ciclos económicos.
Resumindo: Se as crises são inevitáveis, resta-nos tentar minimizar as suas consequências. E, em Portugal, não fez isso, fez-se o contrário.
A leitura do gráfico editado por Krugman, que transcrevi ontem, deve acompanhado da leitura de, pelo menos, outros dois gráficos.
É muito evidente (primeiro gráfico) qua a dívida pública portuguesa subiu abruptamente na última década tendo o número de activos começado a decrescer só a partir de 2009 quando se fizeram sentir os efeitos da contracção provocada pelas medidas de austeridade. A conclusão parece-me óbvia: não foi o défice demográfico natural que provocou o aumento fulgurante da dívida mas as medidas de austeridade (erradas ou não, evitáveis ou inevitáveis, é outra questão) que provocaram o desemprego e a aceleração do fluxo emigarório (que já vinha de trás) e o refluxo da imigração,aumentando o défice demográfico total.
O gráfico seguinte, por outro lado, evidencia até que ponto a irresponsabilidade do sistema financeiro, importando crédito ao sabor das vantagens dos interesses de banqueiros e de políticos, colocou o país em posição de cheque-mate perante a raínha Merkel.
E.T. - Nada do que afirmo contraria a evidência de que a redução da população activa contrai a base de incidência dos impostos e ameaça dramaticamente a capacidade do Estado solver os seus compromissos na ordem externa e interna.
E.T. - Nada do que afirmo contraria a evidência de que a redução da população activa contrai a base de incidência dos impostos e ameaça dramaticamente a capacidade do Estado solver os seus compromissos na ordem externa e interna.
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* Vd. aqui
3 comments:
Estimado Rui Fonseca
A sua reflexão em particular no que diz respeito ao financiamento do sistema de pensões suscitou-me algumas notas.
A "dívida" demográfica que Krugman aponta no seu artigo não é conjuntural. No caso de Portugal os défices demográficos são estruturais. O desemprego e a emigração são fenómenos que em economias débeis como a nossa crescem em conjunturas desfavoráveis, de que é exemplo o período que se iniciou em 2008 e que não se vislumbra quando vai acabar. Desemprego e emigração andam juntos. Krugman chama a atenção que o desemprego gera emigração e a emigração, por sua vez, gera desemprego. Esta espiral negativa contribui para aprofundar os défices demográficos. Com cada vez menos população activa, não sendo pela produtividade, como pode o país satisfazer a divída explicíta e a divída implícita. Nesta última inclui-se a dívida do sistema de pensões. Com um maior bolo de dívida para pagar e com um menor número de contribuintes para a satisfazer, continuar a prometer benefícios que no futuro não são sustentáveis face à riqueza gerada não é uma solução. Não é uma questão de optar entre repartição ou capitalização. É, a meu ver, uma questão de mudança de paradigma. Repartição, sim, mas reparte-se o que há para repartir. É a única forma de garantir equidade entre gerações e impedir a geração de mais dívida. Tem outras vantagens, como por exemplo a transparência, mas é assunto para outra reflexão.
Muitíssimo obrigado, Estimada Margarida C. de Aguiar, pelo seu contributo.
Concordo plenamente, e reconheço que o meu texto pode, por incompleto, suscitar dúvidas quanto à interpretação que fiz do artigo de Krugman. Eu não supunha tê-lo editado quando fui compelido a interromper a redacção por obrigações familiares. E só agora voltámos a casa.
Faltou-me, pelo menos, afirmar que nada do que escrevi tinha a presunção de contrariar Krugman: é por demais evidente, e eu tinha até transcrito essa parte na minha nota anterior, que a redução da população activa ameaça a capacidade do Estado solver os seus compromissos quer na ordem interna quer na externa.
O que pretendi salientar foi o facto de Portugal enfrentar uma crise estrutural potenciada por uma prática irresponsável de importação de crédito nos dez anos que antecederam a intervenção da troica. Que levou, inclusivamente, que se invertesse durante alguns anos o saldo do fluxo migratório.
Se não tivesse existido essa prática de embriaguez de crédito, os efeitos da crise conjuntural ter-se-iam contido dentro de limites controláveis, o desemprego não teria atingido os valores que atingiu, a emigração teria sido menos dramática, a dívida, pública e privada, seria muito menor.
Vou agora colocar o aditamento que faltou, renovando os meus agradecimentos pelo seu contributo.
Caro Rui:
Eu fico sinceramente admirado quando se enaltecem as banalidades que Krugman é atreito a dizer. Claro que desemprego e emigração andam juntos, qualquer cego vê isso. E depois? Qual é a solução prática que Krugman apresenta?
Também não concordo com o que dizes no penúltimo parágrafo, a não ser que restrinjas a "embriaguês" de crédito ao sector público.
Com efeito, não foi o crédito ao sector privado que obrigou à vinda da Troyca, e foi o crédito ao sector privado que criou emprego e algum crescimento do PIB. Sem ele, o desemprego seria maior e a emigração teria começado muito antes. E, como sabes, o rating dos Bancos foi baixando à medida que baixava o rating da República, nunca o contrário. Foi a desconfiança na República que levou à crise dos Bancos. Eles também foram vítimas do excessivo endividamento público. As erradas políticas públicas é que, na minha opinião, devem ser criticadas.
Um abraço de amizade na discordância e na concordância
António
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