Tuesday, November 11, 2014

O MURO CAIU SEM ASPAS, CAMARADAS!

Ouvi isto citado num programa televisivo, ontem á noite. E supus que houvesse contrafacção na citação com o propósito de iludir as audiências que costumam emprenhar pelos ouvidos. A guerrilha política, o confronto ideológico, ou apenas a ignorância, semeiam frequentemente nos media erros, propositados uns, inconscientes outros, onde encontram campo fértil para a sua propagação. Que a internet potencia, reciclando-os infinitamente. Mas aquela citação não era mais um caso de distorção propositada porque desde logo é inequívoco o título do artigo citado:

"25 anos depois
A chamada «queda do muro de Berlim»." - in Avante 6 Nov
.
Há 27 anos, estivemos em Berlim pela primeira vez. Em Berlim Ocidental, Berlim sitiado, encontrámos uma sociedade que reflectia, porventura em tons mais garridos, o orgulho da reconstrução e o impulso económico e social observados na sociedade alemã ocidental no pós guerra em tempos de guerra fria. Espantou-nos o ar festivo, a energia jovem, que parecia em celebração permanente da alegria de viver feliz e despreocupadamente cercada.
Num desses dias desse salto a Berlim atravessámos, integrados numa excursão, o Checkpoint Charlie para visitar Berlim Oriental, Berlim sitiante. Entre ir e vir não foi possível ir além da visita aos museus, que a estupidez da guerra teve a lucidez de poupar. Foi uma visita inesquecível. 

Inesquecível também, o ar acabrunhado, triste, desanimado, indolente até, que vimos no pessoal que vendia umas bebidas num estabelecimento do lado oriental, uma sala de espera, lúgubre, onde aguardámos a chegada do autocarro de Berlim Ocidental, junto a Checkpoint Charlie. Para quem, em 1987, pudesse comparar o contraste entre o ambiente de felicidade, porventura excessivo até,  de um lado, com o ambiente cinzento e retrógrado do outro, facilmente concluiria que, mais dia menos dia, fatalmente alguma coisa iria acontecer nas relações entre as duas partes sociais tão próximas e tão desiguais do mesmo povo.

E, dois anos depois, aconteceu a queda do muro de Berlim. Fomos à festa. Empunhámos o camartelo e fizemos saltar um pedaço, um pequeníssimo pedaço, do muro já meio derrubado. Ainda assim, fotografámos centenas de metros de pinturas murais. Vimos Trabant a cruzarem-se com Mercedes, Audis, BMWs, nas avenidas de Berlim sem muro nem Checkpoint. 25 anos depois, o Partido Comunista Português ainda não percebeu que o muro caiu mesmo. Aquelas aspas traduzem uma imensa ilusão que os comunistas portugueses se recusam a abandonar  e mudar de rota. A narrativa do Avante de 6 deste mês de Novembro é decalcada daquela que se lia clandestinamente há cinquenta anos atrás.

1989
Trabant artilhado num parque de Praga


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