Tuesday, February 16, 2010

IMPUREZAS ECONÓMICAS

Ensaios de Economia Impura

Não é a primeira vez que solto aqui o meu espanto perante as afirmações de muitos académicos (nacionais e estrangeiros) responsabilizando a teoria económica prevalecente na gestação da crise, e, portanto, atribuindo no cartório grande parte das culpas às universidade, deste modo desculpando as manobras e os crimes cometidos por aqueles que forjaram e impingiram a banha da cobra.

Universidades em que eles ensinam e não consta que em alguma circunstância tenham sido compelidos a não expor e divulgar as suas teorias puras pelos meios que bem entendessem. Vivemos em ditadura? Houve bloqueios à liberdade de expressão intra-muros universitários? E ninguém se queixou? Ninguém ousou dizer não? Foi o Professor Reis* (e muitos outros) compelido a guardar secretamente os seus escritos na gaveta à espera que a crise escancarasse o armário? Foi a sua Universidade alvo das buscas e escutas de alguns esbirros ao serviço de um ditador da verdade oficial?

Não vale a pena repetir aqui os factores mediatos e imediatos de fomento da crise, nem sequer discutir se o ensino universitário (aqui e, pelos vistos, em quase todo o lado) está na génese do descalabro. É uma questão para-científica porque qualquer afirmação feita à sua volta, não sendo demonstrável, só admite teses opinativas.

O meu espanto, que é um espanto de um não académico, volta-se, sobretudo, para a forma generalizada com que vejo académicos subverterem conceitos epistemológicos fundamentais. Escreve José Reis no prefácio à sua obra que "a teoria económica que se arroga clarividente, dona de respostas sempre prontas para muitos aspectos da vida – mesmo aqueles em que se torna óbvio que não tem nada a dizer – é afinal, uma construção frágil"

Que o professor catedrático me desculpe a ousadia mas qualquer teoria (económica ou qualquer outra) que se arrogue clarividente e definitiva é uma tolice. Nada é definitivo e o conhecimento é uma evolução incessante e permanentemente posta à prova. Se escapa ao escrutínio permanente ou é opinião, superstição ou dogma.

De modo que, a menos que alguém se dê ao trabalho de explicar, eu não consigo entender o que é uma teoria económica dominante (ou má teoria, como alguns lhes chamam) desde logo porque não concebo o que seja uma teoria económica unificada. O que pode haver são explicações parcelares da realidade económica. Que ou são confirmadas ou rebatidas.

Fora dessa esfera em que a explicação da realidade física ou social tem de conter-se e ser posta à prova não vejo que se possa espremer sumo científico doseado mas tão somente um fluxo controverso inesgotável.

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*(...) Não me parece exagerado dizer que entre os temas que a crise pôs em primeiro plano estão certamente as relações da economia com os valores, a confiança, a subordinação do económico a padrões morais, a não redução da vida ao mercado. Também se percebeu, com dramática clareza, que a teoria económica que se arroga clarividente, dona de respostas sempre prontas para muitos aspectos da vida – mesmo aqueles em que se torna óbvio que não tem nada a dizer – é afinal, uma construção frágil, recorrentemente desafiada pela renovada complexidade da realidade, que com grande agilidade lhe evidencia os limites e as falhas. Seria preciso eclodir uma crise tão dramática como aquela que decorre para que isto acontecesse? Seria preciso que a produção de desigualdades, a fortíssima inversão dos padrões de repartição do rendimento, o desapossamento da esperança de gerações inteiras se tivessem disseminado pelo mundo para que, enfim, se rediscutisse na praça pública a economia, o saber económico e o poder económico? Certamente que não. Poderíamos aí ter chegado apenas através de um escrutínio crítico mais profundo. Poderíamos aí ter chegado se a academia onde se ensina economia fosse mais aberta, mais plural, mais crítica e, portanto, mais conhecedora. Também poderíamos aí ter chegado se a vida pública estivesse menos dependente de formas de pensamento monistas, e cultivasse a contraposição e o debate. É aqui que este livro reencontra o seu lugar, ao propor uma concepção larga da problemática económica. Por estas e outras razões compreendemos hoje melhor que aqui. Não foram apenas excessos, erros ou defeitos que desmoronaram o sistema bancário e financeiro, com profundas implicações na sociedade e na vida das pessoas (de umas, muito mais do que de outras). Na razão mais profunda da crise estão as convicções que se impuseram sobre o papel e o lugar que cabem ao mercado nas sociedades de hoje. O mercado como instrumento de optimização da sociedade foi uma ideia a que não resistiram mesmo alguns dos que se presumem interessados na justiça social. Mas estes estavam enganados. Ao acomodarem-se a visões quase tão liberais como a dos liberais pensaram que podiam ser eles a fazer da regulação dos mercados um instrumento sofisticado, com que, de maneira subserviente e cerimoniosa, iam aperfeiçoar o capitalismo, que queriam entender como um sistema de concorrência que nada desafiasse. Mas não foi assim.Por isso, os desafios estão aí. Desafios ao Estado, para que não seja apenas o bombeiro que salva acidentes e socializa prejuízos. Desafios ao mercado, para que se limite ao que é próprio da capacidade de iniciativa – gerar lucros através do exercício da liberdade para criar riqueza e não da submissão à lógica especulativa de todas as esferas da vida em sociedade, incluindo aquilo que, como a educação, a saúde, as poupanças, o bem-estar futuro das pessoas, só a esfera pública pode colocar num contexto onde impere a justiça. São, pois, claras as fronteiras entre o que deve ser próprio da provisão pública e o que é próprio da iniciativa privada. Mas a arbitragem só pode ser feita por um intenso escrutínio colectivo. (...)

José Reis. Prof. Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Investigador do Centro de Estudos Sociais.

transcrito, parcialmente, de aqui

2 comments:

aix said...

Rui, parabéns por este texto.O problema também se pode pôr em termos de saber se é a política que prevalece sobre a economia ou a inversa. Creio que no sistema capitalista é a inversa ('capital' é vocábulo da economia e não da política, de 'polis = cidade).Para efeitos práticos não me parece muito relevante a orientação ideológica do ensino da teoria económica nas universidades. No período revolucionário O ISCTE foi invadido por profes marxistas fugidos do Chile de Pinochet. Com que resultados na governação?
'Aliás', como dizes, e bem, no nosso tempo universitário as teorias sociais que não eram ensinadas oficialmente eram bem pesquisadas, pelo menos pelos não submissos ao dogma.Com isto não quero negar a importância do ensino das ideologias, só dizer que há (deveria haver)valores cuja aquisição passa pela Escola, pela Família, pelos grupos sociais.
Em tempo: boa viagem de regresso.

rui fonseca said...

2O problema também se pode pôr em termos de saber se é a política que prevalece sobre a economia ou a inversa.

Caro Francisco,

Obrigado pelo teu comentário.
Quando falas de economia, neste caso, falas da economia real, da resultante da acção de todos os seus agentes, que somos nós todos, mas, sobretudo, daqueles que têm poder económico para influenciar os governantes.

Que não se confunde, obviamente, com a análise científica dos fenómenos sociais que caracterizam as relações entre todos os agentes económicos.

Respondendo, concretamente, à tua questão: A sujeição da política, isto é da governação dos povos, aos interesses dos agentes económicos mais poderosos, é uma subversão da democracia que acabará por liquidá-la.