Saturday, February 13, 2010

OS SALÁRIOS DA CRISE - 3

A desinformação, o desencontro de valores estatísticos e contabilísticos, a alteração de critérios de medida, a variação das bases de comparação, entre outras práticas e manobras de manipulação de resultados são triviais em Portugal. Tão triviais que, geralmente, já não mobilizam mais que um encolher de ombros e esperar pela próxima.
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Vem isto a propósito do artigo publicado ontem no Público, e que parcialmente aqui transcrevo*, mas com link para o texto integral, onde os autores pretendem demonstrar que a função pública, nos últimos 14 anos perdeu poder de compra em 13.
A conclusão é tanto mais surpreendente quanto é certo que, ainda há poucos dias, o Jornal de Negócios titulava de forma, também surpreendente que
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i) o peso dos salários no PIB atingiu, em Portugal o valor mais alto dos últimos 26 anos, e que ii) Portugal apresenta um rácio de peso dos salários no PIB superior ao da média europeia, e à frente de países como a Itália, Espanha, Irlanda e Alemanha,
iii) os custos unitários do trabalho subiram também acima do valor médio observado na UE iv) Portugal e a Grécia apresentam as piores perspectivas de crescimento futuro.
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Uma das razões para este, aparente, desencontro estatístico, é dado pelos autores do artigo do Público a meio do texto: Não perderam poder de compra os funcionários promovidos na vertical ou na horizontal. Como existia (não sei se continua a existir) a prática generalizada das promoções automáticas, quem não subia por um lado subia pelo outro.
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Os autores não confrontam as suas conclusões com os dados recentes do INE que serviram de base ao referido artigo publicado pelo JNegócios. Se o tivessem feito teriam, provavelmente concluído pela hipótese absurda, porque contrária a todos os indicadores conhecidos, de terem os salários na função pública subido menos que no sector privado, em igual período.
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Há, no entanto, um entendimento neste artigo publicado no Público, que revela um argumento tido por inabalavelmente consistente: de que é elementarmente justo que todos os trabalhadores da função pública não percam poder de compra de um ano para o outro e que, portanto, devem ver os seus salários revistos anualmente pelo menos em pecentagem idêntica ao da taxa de inflação observada.
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Como já referi aqui no Aliás, este entendimento leva à transferência automática de riqueza do sector privado para o sector público quando a riqueza nacional se reduz. Os aumentos por promoções verticais ou horizontais, nessas circunstâncias de redução da riqueza global, usurpam essa fatia ao sector privado (a curto prazo ou a médio prazo e longo prazo) contribuindo para a sua debilidade e para a continuação da falência da economia.
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*Nova era de perda de poder de compra à vista no Estado
Por João Ramos de Almeida, Sérgio Aníbal, Daniel Rocha
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A contenção salarial promete gerar protestos na função públicaSe se vier a confirmar a intenção do Governo de não permitir aumentos reais na função pública até 2013, os trabalhadores do Estado vão registar, num período de 14 anos, 13 em que a sua actualização salarial ficou abaixo da inflação. A possibilidade de o Governo vir a incluir na actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento, a garantia de que não haverá aumentos reais de salários até que se atinja um valor do défice inferior a três por cento em 2013, como prometido a Bruxelas, foi avançada pelo "Diário Económico", na sua edição de ontem, mas não foi confirmada pelos membros do Governo. A verificar-se, não será mais do que uma repetição do cenário vivido na Administração Pública durante a quase totalidade da última década. Em algumas ocasiões foram as previsões de inflação do Governo que falharam drasticamente, noutras foi a opção de limitar o crescimento da massa salarial da função pública, mas o resultado foi quase sempre o mesmo: os funcionários públicos que não conseguiam uma promoção ou uma subida de escalão perdiam invariavelmente poder de compra.

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