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M. J.,
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Teve a minha querida amiga a amabilidade de me informar que a resolução quanto ao famoso caso da Ota, que já recebeu parecer de todos os portugueses, se encontra pendente do parecer decisivo deste seu amigo temporariamente emigrado.
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Lamento ter de começar por reconhecer que os aeroportos não fazem parte da minha especialidade, daí que o meu parecer, por insuficiência de arcaboiço técnico e científico, não possa ir além das questões relacionadas com os cifrões, as quais, além do mais, têm também a ver com os nossos bolsos. Não vou, portanto, opinar se o lugar mais certo é Sacavém, na Ota, no Rio Frio, no Montijo ou, quiçá, em Azeitão. Chegam-me notícias de que o chefe do "principal partido da oposição" (CPPO) está contra a opção do Ministro dos Aeroportos, mas estou certo de que se a opção do Ministro fosse outra o CPPO estaria contra, que é a obrigação mais elementar de um CPPO.
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Por tais razões circunscreverei as minhas considerações às questões dos cifrões, desculpe a minha querida amiga o piroso da involuntária rima.
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Na parte que aos cifrões concerne, e independentemente dos valores que desconheço, afianço-lhe que estão errados. É uma pena que o CPPO não pegue no assunto por esta ponta, o que prova que está muito mal aviado de assessores ainda que, como é habitual, deva ter muitos, e se desgaste numa discussão que não tem ponta por onde ele possa pegar. A localização é uma questão vital, reconheça-se, mas a decisão tem muito de subjectivo, e, já se sabe, em matérias subjectivas prevalece a opinião de quem está no poleiro.
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De modo que o CPPO deveria pegar o touro por onde ele mos marra, isto é, pelos carcanhóis. Aí o subjectivismo cede sempre perante a crueza das realidades. E estas são, preto no branco, estas: Nunca um empreendimento pago pelos impostos que nós pagamos ficou por menos do dobro daquilo que constava dos orçamentos. Isto é uma questão económica mas também uma questão filosófica. Os filósofos, ao que parece, são uma espécie em extinção. Contudo ainda lhes sobra, na melhor das contas, menos de meia dúzia de problemas com que se entretêm. Um deles é o da indução. Indução, por exemplo, de que se o Sol nasce todas as manhãs, amanhã nascerá de novo. Até hoje o Sol não tirou nenhuma folga, o mais provável é que continue a acordar-nos enquanto formos vivos. Ora, se isto é assim, se o metro do Porto custou o dobro (ou terá sido o triplo?) , o metropolitano do Sul, o dobro ( e está longe de estar acabado), a Expo, os estádios para o Euro, para só falar de casos recentes com contas meio amanhadas, custaram pelo menos o dobro, o túnel da Amoreiras quantas vezes custará a mais? E o túnel do Cais das Colunas? E o túnel do Rossio? Pergunto: Porque razão não custará o aeroporto pelo menos o dobro do que está previsto?
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Depois temos os prazos: Com excepção dos estádios e da Expo, nunca nenhum prazo foi cumprido mas sempre, pelo menos, duplicado. Mas ao cumprimento dos prazos nos estádios e na Expo, obrigavam-nos compromissos internacionais. Seria impensável que a Expo 98 caísse quatro anos mais tarde em cima da Expo seguinte e o Euro tivesse caído em cima do Euro que vinha a seguir. No caso do aeroporto da Ota, não há compromissos internacionais nenhuns, o atraso na construção na Ota não atrasa literalmente nada em mais lugar algum.
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Assim sendo, minha boa amiga, o que está em vista não é, portanto, a construção de um aeroporto mas de dois, uma vez que o preço e os prazos serão duplicados, tão certo como o Sol voltar a nascer amanhã. E isto, que parece banal, faz toda a diferença. Pois se o CPPO está contra a construção de um aeroporto na Ota, mas não é suficientemente convincente nos argumentos, imagine que ele invocava, e com toda a razão, a sua indignação pela construção de dois! Ganhava votos!
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Perante o desaforo de serem construídos dois aeroportos na Ota estou certo que até, tanto a minha querida amiga como o nosso querido seu esposo, votariam no CPPO se ele defendesse esta evidência elementar.
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Deixo à sua discrição a decisão de avisar o CPPO.
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Com a maior estima,
RF
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