Comentário colocado em A Arte da Fuga
a propósito de "Proposta baixa"
Percebo bem o seu ponto de vista, mas tenho dúvidas, porque nunca tenho certezas absolutas, quanto à exequibilidade das medidas que sugere.
A lei das rendas já hoje consente a negociação livre dos contratos, permanecendo restrições quanto às rendas antigas.
No caso da Baixa, a maioria, se não a totalidade das casas degradadas, e estão quase todas, é habitada por gente velha e pobre.
Correm-se com eles sem contemplações nem misericórdia?
Este é um dos assuntos que não me parece que possa ser resolvido com alguma razoabilidade (do ponto de vista económico e social) sem a intervenção do Estado. A menos que um terramoto "facilite" as suas teses.
Porque, por outro lado, a intervenção casuística, mesmo que ocorresse após o despejo dos actuais ocupantes, transformaria a reabilitação urbana daqueles bairros em estaleiros infernais durante décadas.
Já agora vale a pena referir ainda o seguinte: a reabilitação urbana (não só da Baixa) não depende de uma lei das rendas mais liberal. O negócio do arrendamento existe hoje em larga escala: os novos senhorios são os bancos. Espero que, quanto a este ponto esteja de acordo comigo. Ora os bancos são imbatíveis como senhorios: para além de dominarem os mercados que financiam a construção oferecem a possibilidade de o "arrendatário" se tornar dono ao fim de algumas décadas.
Daí que não haja falta de oferta de casas em Portugal. Daí que nós tenhamos um dos rácios mais elevados na Europa de habitação por família (cerca de 1,3, salvo erro). Daí que o mercado da habitação não dependa, e cada vez dependerá menos, do arrendamento tradicional.
A lei das rendas continua a ser injusta. Mas isso é outra história.
Terça-feira, Novembro 07, 2006 7:38:00 PM
AA said...
As pessoas têm o direito a não serem condicionadas na sua liberdade de arrendarem por preço comummente acordado. Não têm direito a uma renda infinitesimal até ao fim da sua vida. Nem têm direito a uma renda justa. Não têm o direito de okupar casas, nem uma lei que o permita é lícita.
Pela ordem natural das coisas, as pessoas idosas ou pobres mudar-se-iam naturalmente para espaços menores e/ou mais baratos.
Ora, que se retire o direito a ficarem naquelas casas, sequestradas por lei, mas que por exemplo se exija que as pessoas sejam realojadas em casas no mesmo concelho, com rendas de mercado não inferiores às que pagam, sem transferência destes contratos no fim da sua vida.
(estou a ser cruel, é possível arranjar políticas menos chocantes. Mas a não-existência de direitos de okupação tem de as nortear)
transformaria a reabilitação urbana daqueles bairros em estaleiros infernais durante décadas.
Previsto no post. As autorizações de obras poderiam ser faseadas. Mas claro que se pode não fazer obras, e esperar que as coisas se mantenham pelas artes mágicas da vereadora.
Daí que não haja falta de oferta de casas em Portugal.
E não há. Abolindo a Lei das Rendas, ninguém ficaria na rua. Mas o mercado não está a funcionar nos centros urbanos, e daí que estejam a apodrecer...
Quarta-feira, Novembro 08, 2006 1:34:43 AM
"Mas o mercado não está a funcionar nos centros urbanos, e daí que estejam a apodrecer..."
Discordo, completamente. Os centros urbanos estão a apodrecer pelas mesmas razões que as propriedades rústicas estão, em muitos casos, a serem invadidas pelos silvados: porque a legislação fiscal não impõe à propriedade uma eficiência económica mínima. Como essa imposição não existe as propriedades são abandonadas por desleixo, em alguns casos, por expectativas especulativas, na maior parte deles.
No caso das propriedade rústicas, em muitos casos o problema das rendas nem sequer se põe porque não há quem arrende nem quem tome de arrendamento. Está tudo parado.
Ou quase, para não exagerarmos.
É preciso ter em conta também que, no caso das propriedades rústicas, há muita propriedade com proprietários indefinidos ou mal definidos. O mesmo se passa com muitas propriedades urbanas em resultado de partilhas conflituosas.
E que fazer do imobilismo camarário? A CM Lisboa, por exemplo, é um senhorio feudal. Como acabar com a situação?
Quarta-feira, Novembro 08, 2006 9:05:19 AM
AA said...
Esclarecimento: queria concordar que não há _falta de habitação_, falta de oferta, facto que retira força à baboseira anticapitalista de querer taxar "capital parado".
O mercado está distorcido por legislação que torna pouco atractivo o investimento nos centros urbanos - não por via fiscal, que impostos e isenções já temos os suficientes - mas por via administrativa (rent-control) e burocrática.
Quanto às propriedades rústicas, concordo que há problemas de determinação dos títulos e direitos de propriedade. Mas grande parte dos problemas identificados são falsos problemas. Em muitos casos, simplesmente não vale a pena investir.
Quarta-feira, Novembro 08, 2006 10:46:49 AM
As medidas fiscais que penalizam a expectância estão longe de ser "baboseiras anti-capitalistas".
Aliás, parece-me, que as ideias podem discutir-se evitando adjectivos que são sempre subjectivos. E a subjectividade, já se sabe, é mãe de muitos exageros.
Objectivamente, os EUA estão longe de ser um ninho anti-capitalista e lá a propriedade expectante paga pela expectância.
Mais: a propriedade urbana (habitada) pode ser expropriada se um plano de desenvolvimento urbano for considerado mais conveniente pelo County respectivo.
Quanto ao argumento de o excesso de oferta anular a exigência da "eficiência mínima", não colhe.
E não colhe porque é por existirem milhares de casas devolutas (portanto onde a questão das rendas e dos despejos não se coloca) que o miolo da cidade de Lisboa está abandonado e as pessoas são empurradas para a periferia suburbana. Se quiser pode consultar as fotografias de muitas dessas casa em www.lisboa-abandonada.net. Trata-se de um site
que, lamentavelmente, foi objecto de vandalismo. Alguém não gostou.
Quanto à propriedade rústica, a paragem que V. desvaloriza, é causadora de uma boa parte da falta de produtividade do nosso sector agrícola e silvícola.
E creia que falo com conhecimento, real, de causa.
Quarta-feira, Novembro 08, 2006 3:29:33 PM
AA said...
Não são baboseiras, são ataques frontais aos seus fundamentos.
O que chama de "expectância" (jargão denunciador de uma visão ideológica e positivista das ciências económicas), designa-se, em economia, poupança ou especulação.
Não só são actividades que fazem parte da natureza dos seres humanos (a tal que todo o socialismo pretende mudar por decreto e pela força), como conformam, em última análise, o processo pelo qual se dá acumulação de capital— o capitalismo enquanto sistema económico.
Taxa "expectância" é profundamente anticapitalista. O que o outro faz (ou não faz) do seu capital, fá-lo no âmbito dos seus direitos de propriedade. Que podem, claro, ser violados pelas instituições políticas.
Quarta-feira, Novembro 08, 2006 3:47:23 PM
Deve haver confusão da sua parte, salvo erro. Quem falou de baboseiras foi o António Amaral.
Cito:"...facto que retira força à baboseira anticapitalista."
Agora o AA diz, cito: " Não são baboseiras, são ataques frontais"
Em que ficamos?
Pois sejam ataques frontais, que eu nunca disse outra coisa, e é de ataques frontais que eu gosto. Não fosse esse o caso, e não estaria aqui a debitar algumas reflexões.
Aquilo que lhe referi o António Amaral não respondeu frontalmente. Responder frontalmente é rebater argumentos, e não adjectivar em catadupa.
Dei-lhe exemplos concretos, mas posso dar mais. Contesta-os com dados e não com dogmas?
E não se arrelie. Não vale a pena.
Quarta-feira, Novembro 08, 2006 6:56:41 PM
AA said...
Noto um certo gosto por discutir retórica. Mantenho que estes ataques (substantivos) são baboseiras (adjectivo) anticapitalistas.
Fica por explicar como é que a taxação de capital, poupança e especulação não é uma acção anticapitalista, contrária aos direitos de liberdade, e portanto destrutiva da iniciativa privada.
E como é que onerando fiscalmente os proprietários se promove o investimento em propriedade, justamente o que é necessário quando se fala em renovação urbana.
A menos que, claro, o faça o Estado (como o nosso, que em termos de urbanismo, é soviético).
Quarta-feira, Novembro 08, 2006 7:23:06 PM
fonsecarui said...
Há em Lisboa, e não só, muitas centenas de casas não habitadas, abandonadas. Há quem refira milhares. Mas fiquemo-nos pelas centenas.
Estas casas encontram-se abandonadas há muitos anos. Por razões diversas.
Lisboa apresenta-se aos olhos dos que nos visitam, porque os que a habitam já estão habituados e não notam, como uma cidade velha e não uma cidade antiga. Muitos dos seus bairros estão podres. Mas mesmo em avenidas centrais, como é o caso da Fontes Pereira de Melo, existem edifícios, que já foram sumptuosos e hoje são carcaças.
Alguma outra capital europeia sofre deste abandono? Nenhuma.
Entretanto, como lhe referi e V. não ignora, muitas urbanizações cresceram na periferia, colocando problemas de acesso tremendos, o mais emblemático dos quais é o IC 19.
Lisboa, entretanto, viu reduzido o número da população residente.
E porquê? Porque os proprietários, por razões diversas,
não necessitam de dar à sua propriedade uma vocação económica nem são compelidos a isso.
Paga menos imposto municipal um edifício abandonado do que um edifício habitado. V. acha razoável? Eu não acho.
E não tenho nenhuma ressalva quanto aos méritos do mercado como activador da inovação e do crescimento, bem pelo contrário. Mas já tenho contra a propriedade adormecida.
O capitalismo não é, nunca foi, nunca será, um sistema sustentado pelo adormecimento.
Quanto à propriedade rústica, por razões diversas, está em grande parte abandonada. Está fragmentada de tal modo, em muitos casos, que não é possível retirar dela qualquer competitividade. Em muitos casos os seus proprietários emigraram, muitos já nem sabem onde se localizam as courelas que foram de seus pais.
No caso da floresta, temos 360 mil proprietários, qualquer coisa parecida com o número de proprietários florestais nos Estados Unidos da América.
Nestas condições a floresta, que podia ser um segmento altamente competitivo está cada vez mais a ser altamente comprometido.
Estes são, sucintamente, os argumentos que apresento em defesa da minha proposta. Mas gostaria de saber quais são os seus.
Não tenho qualquer problema em aceitá-los se eles configurarem uma solução que faça mexer aquilo que deve mexer: a propriedade.
Sacralizá-la é o pior serviço que pode prestar-se ao capitalismo.
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