Thursday, September 28, 2006

TRANSPARÊNCIA OPACA

Comentário a um post de PP,

Há poucos anos, o Governo da altura, de que o autor do post, salvo erro, era ilustre membro, informava que o Sistema, com as alterações introduzidas, ia durar décadas.
Enganaram-se.
Como podemos confiar de que não se vão enganar novamente? A pergunta já foi feita, repetidamente, e, repetidamente ficou sem resposta.
A grande diferença entre as três principais propostas reside:
- à direita , na capitalização de parte das contribuições;
- à esquerda (?), no financiamento do sistema através do critério do valor acrescentado.
Relativamente à proposta do PCP, e sem deixar de reconhecer nela alguma intenção eventualmente atendível, não tenho dados suficientes para me pronunciar acerca da sua viabilidade sem efeitos perversos para a economia.
Quanto à proposta que, grosso modo, propõe a capitalização de parte dos descontos, devo referir o seguinte:O Governo, ao insistir na limitação das pensões sem correspondente limitação nas contribuições, está a omitir dados pertinentes e a escamotear os efeitos perversos desta medida.
Omite que existem muitas situações contributivas da previdência social que, legalmente, estão plafonadas: é o caso dos administradores, dos independentes, das profissões liberais, dos bancários, dos funcionários públicos. O contributo destas "classes" de contribuintes para a solidariedade social não é equiparável ao dos trabalhadores por conta de outrem.E não é equiparável porque, na prática, não existe.
Escamoteia o facto de, havendo limitação das pensões sem limitação de contribuições, alargar-se-á o número daqueles que vão recorrer a medidas criativas para evitar um imposto dirigido a um grupo: o daqueles que ganham acima de determinado montante ao serviço de outrem. Todos os outros, independentemente dos seus rendimentos, estarão isentos.
Em resumo: Continuará a haver, como até aqui, quem poderá constituir outros fundos com os valores que não é obrigado a entregar à Segurança Social; continuará a haver, cada vez mais, quem queira , e tudo fará nesse sentido, para passar para classe anterior; continuará a haver alguns, que por estranha maldição, terão de pagar um imposto discriminante.
Quanto à questão da dívida da Segurança Social, decorrente da adopção de um sistema ou de outro, assunto sobre o qual Governo e Oposição não se entenderam, presume-se que, pelo menos uma das partes não sabe fazer contas ou não está de boa fé. Ou, como diria o amigo Aliás, ambas.
O que todos nós sabemos é que ao fim de 40 anos de descontos, e há quem tenha muito mais, o valor entregue à Segurança Social corresponde a cerca de 15 anos de vencimentos brutos.
Bem feitas as contas, um cidadão, obrigatoriamente contribuinte, desconta, ao longo da sua vida, para a Segurança Social o equivalente a 66% do valor líquido que recebe.
Para os incrédulos aí vão as contas:
Salário bruto - 100
Cont do empregado - 11
Cont da ent patronal - 23,5
IRS - 37
Cont para a SS - 34,5
Líquido para o trabalhador 100-11-37=52
donde 34,5/52=66%
Pois, mesmo assim, o esforço não chega para que o Estado cumpra os seus compromissos relativamente aos que vão agora entrar na reforma.
Cumprirá com os que reformarão daqui a 10, 20, 30 anos?
É preciso grande benevolência e fé ilimitada para acreditar. Porque o Senhor Primeiro Ministro acha (e bem) que assim como nós pagámos as reformas dos nossos pais (os meus receberam migalhas) os nossos filhos pagarão as nossas (os meus emigraram).
A realidade, contudo, é bem diferente porque "há mais pais que filhos".
Voltando à questão da dívida da Segurança Social, parece que ninguém ainda deu por uma subtileza na discussão: a dívida, titulada ou não, existe.
Não é por o Estado contrair um empréstimo que a sua dívida aumenta. Isto é do abc da Contabilidade. Não o é da Contabilidde Pública. Mas isso decorre da opacidade das Contas Públicas que, além do mais, não relevam a dívida implícita.
Apesar do Estado obrigar (e bem) os particulares a evidenciarem nas suas contas as responsabilidades exigíveis no futuro.
28/9/06 18:00

Sunday, September 24, 2006

AL GORE E O PAPA

Fé, Razão e Universidade: Memórias e Reflexões

Discurso do Papa na Universidade de Regensburg (tradução em inglês)

Vossas Eminências, Vossa Magnificência, Excelências,Distintos Senhoras e Cavalheiros,

É uma experiência comovente para mim estar de volta á universidade e poder, mais uma vez, dar uma lição neste pódio. Penso naqueles anos em que, depois de um período agradável na Universidade de Freisinger, comecei a ensinar na Universidade de Bona. Estávamos em 1959, nos tempos em que a universidade era feita de professores catedráticos. As várias cadeiras não tinham nem assistentes nem secretarias, mas em recompensa havia muito mais contacto directo entre estudantes e entre os próprios professores. Encontrávamo-nos com frequência antes e depois das lições nas salas de professores. Havia um intercâmbio vivo com historiadores, filósofos e, naturalmente, entre as duas faculdades de teologia. Uma vez por semestre havia o dies academicus, em que professores de cada faculdade apareciam perante os estudantes de toda a universidade, tornando possível uma experiência genuína da universitas - algo que V. Ex.ª também, Magnífico Reitor, acabou de mencionar - a experiência, noutras palavras, do facto, de que, apesar das nossas especializações que, por vezes, tornam difícil comunicarmos uns com os outros, fazemos parte de um todo, trabalhando em tudo na base de uma racionalidade única nos seus vários aspectos e partilhando responsabilidade no uso adequado da razão - esta realidade tornava-se uma experiência vivida. A universidade tinha também muito orgulho das suas duas faculdades de teologia. Era claro que, inquirindo sobre a razoabilidade da fé, também levavam a cabo um trabalho que era necessariamente parte do "todo" da universitas scientarum, mesmo se nem toda a gente pudesse partilhar da fé que os teólogos procuram correlacionar com a própria razão. Este sentimento profundo de coerência da razão dentro da universidade não foi sequer perturbado, mesmo quando uma vez foi noticiado que um colega nosso dissera algo estranho acerca da nossa universidade: que tinha duas faculdades dedicadas a algo que não existia: Deus. Mesmo face a tão radical cepticismo é ainda necessário e razoável colocar a questão de Deus pelo uso da razão, e fazê-lo no contexto da tradição da fé cristã: isto, na universidade, considerada na sua totalidade, era aceite sem qualquer questão.Fui recordado disto, quando recentemente li a edição do Professor Theodore Khoury (Münster) de parte do diálogo levado a cabo - talvez em 1391 no acampamento de Inverno perto de Ankara - entre o erudito Imperador Bizantino Manuel II Paleólogo e um intelectual Persa sobre o assunto da Cristandade e do Islão e a verdade de ambos. Presumivelmente foi o Imperador que iniciou este diálogo, durante o cerco de Constantinopla entre 1394 e 1402; e isto explicaria porque é que os seus argumentos são mostrados em maior detalhe do que os do seu interlocutor Persa. O diálogo situa-se largamente nas estruturas da fé contidas na Bíblia e no Corão e trata especialmente a imagem de Deus e do homem, ao mesmo tempo que retorna sucessivamente à relação entre - como são chamadas - as três "Leis" ou "regras de vida": o Antigo Testamento, o Novo Testamento e o Corão. Não é minha intenção discutir esta questão nesta lição; eu gostaria de discutir aqui apenas um aspecto - ele próprio bastante marginal ao diálogo na sua totalidade - que, no contexto do tema "fé e razão", me parece interessante e serve como ponto de partida para a minha reflexão sobre esta matéria.No sétimo colóquio ("diálesis" - controvérsia) editado pelo Professor Khoury, o imperador toca no tema da guerra santa. O imperador devia saber que surah 2, 256 diz: "Não há compulsão nas coisas da fé". De acordo com os peritos, este é um dos suras do período inicial, em que Maomé não tinha ainda qualquer poder e era perseguido. Mas o imperador também conhecia as instruções, mais tardes desenvolvidas e transcritas para o Corão, e que dizem respeito à Guerra Santa. Sem descer a detalhes, tais como as diferenças em tratamento relativas aos que seguiam o "Livro" e aos "infiéis", ele dirige-se ao seu interlocutor com uma brusquidão inesperada que nos surpreende acerca da questão central sobre a relação entre religião e violência, em geral, dizendo: "Diz-me o que é que Maomé trouxe de novo e aí apenas encontrarás coisas más e desumanas tais como a sua directiva de espalhar com a espada a fé que pregava". O imperador, depois de se ter expresso assim tão fortemente, segue para explicar em detalhe as razões pelas quais divulgar a fé pela violência é qualquer coisa de irrazoável. A violência é incompatível com a natureza de Deus. "Deus", diz ele, "não se compraz com sangue - e agir irrazoávelmente (syn logo) é contrário à natureza de Deus. A fé nasce da alma, não do corpo. Quem quer que conduza alguém à fé precisa da habilidade de falar bem e de julgar adequadamente, sem violência ou ameaças... Para convencer uma alma razoável, não é preciso um braço poderoso, ou armas de qualquer tipo, ou qualquer outro meio de ameaçar uma pessoa de morte...."A afirmação decisiva neste argumento contra a conversão violenta é esta: não agir de acordo com a razão é contrário à natureza de Deus. O editor, Theodore Khoury, observa: Para o Imperador, um Bizantino formado pela filosofia Grega, esta afirmação é auto-evidente. Mas para a mentalidade muçulmana é absolutamente transcendente. A Sua vontade não está limitada por nenhuma das nossas categorias, mesmo pela da racionalidade. Aqui, Khoury cita um trabalho do notável islamista Francês R. Arnaldez, que assinala que Ibn Hazn foi tão longe a ponto de afirmar que Deus não está ligado a cumprir a sua própria palavra e que nada o obriga a revelar-nos a verdade. Se fosse essa a vontade de Deus, nós seríamos inclusive obrigados a praticar a idolatria.Neste ponto, e tanto quanto somos capazes de compreender Deus e, por isso, a concretizar a prática da religião, deparamo-nos com um dilema inevitável. Será que a convicção de que actuar irrazoavelmente contradiz a natureza de Deus é apenas uma ideia Grega, ou é sempre e intrinsecamente verdade? Acredito que podemos ver a harmonia profunda entre o que é Grego no melhor sentido da palavra e a compreensão bíblica da fé em Deus. Modificando o primeiro versículo do Livro do Génesis, o primeiro versículo de toda a Bíblia, João começou o prólogo do seu Evangelho com as palavras: "No princípio era o Verbo" - logos -. Esta é a exacta palavra usada pelo Imperador: Deus age pela palavra (logos). Logos significa razão e palavra - uma razão que é creativa e capaz de auto-comunicação, precisamente porque é razão. João diz assim a última palavra sobre o conceito de Deus e nesta palavra todos os meandros penosos e tortuosos da fé bíblica encontram o seu cume e a sua síntese. No princípio era o verbo, e o verbo era Deus, diz o Evangelista. O encontro entre a mensagem bíblica e o pensamento Grego não aconteceu por acaso. A visão de S. Paulo, que viu as estradas da Ásia bloqueadas e num sonho viu um Macedónio pedindo-lhe "Passa à Macedónia e vem ajudar-nos" (cf. Acts 16:6-10) - esta visão pode ser interpretada como uma "destilação" da necessidade intrínseca de uma reaproximação entre a fé bíblica e a pesquisa Grega.De facto, esta reaproximação já decorria há algum tempo. O misterioso nome de Deus, revelado na sarça ardente, um nome que separa este Deus de todas as divindades com todos os seus diferentes nomes e declara simplesmente: "Eu sou", já representa um desafio à noção de mito, em analogia próxima com a tentativa de Sócrates de vencer e transcender o mito. No Antigo Testamento, o processo que começou na sarça ardente alcançou nova maturidade no tempo do Exílio, quando o Deus de Israel, um Israel então privado da sua terra e do seu templo, foi proclamado como Deus do céu e da terra e descrito numa fórmula que ecoa nas palavras sussurradas na sarça ardente: "Eu sou". Esta nova compreensão de Deus é acompanhada por uma espécie de iluminação que encontra a sua expressão completa no desprezo de deuses que são simples obras de mãos humanas (Sl 115, 4). Assim, apesar do conflito amargo com os governantes helénicos que almejaram acomodá-la à força aos costumes idólatras do culto dos Gregos, a fé bíblica, no período Helenístico, encontrou o melhor do pensamento Grego num nível profundo, resultando num enriquecimento mútuo evidente, especialmente na mais tardia literatura da sabedoria. Hoje, sabemos que a tradução grega do Antigo Testamento produzida em Alexandria - a tradução dos Setenta - é mais do que uma simples (e, nesse sentido, realmente menos do que satisfatória) tradução do texto Hebreu: é um testemunho textual independente e um passo distinto e importante na história da revelação, um passo que trouxe consigo um encontro genuíno entre iluminação e religião, um passo que trouxe este encontro de forma tão decisiva que permitiu o nascimento e difusão do Cristianismo. Um profundo encontro entre fé e razão tem lugar agora, um encontro entre entre iluminação genuína e religião. Do próprio coração da fé cristã e, ao mesmo tempo, do coração do pensamento Grego então juntos pela fé, Manuel II podia dizer: Não agir "segundo o 'logos'" é contrário à natureza de Deus.Com toda a honestidade devemos observar que na Idade Média tardia encontramos tendência teológicas separatistas desta síntese entre o espírito Grego e o espírito Cristão. Em contraste com o assim chamado intelectualismo de Agostinho e de Tomás, surgiu com Dusn Escoto um voluntarismo que, nos seus desenvolvimentos mais tardios, levou a proclamar que nós só podemos conhecer a voluntas ordinata de Deus. Para além disto, é o domínio da liberdade de Deus, em virtude da qual, Ele poderia ter feito o oposto de tudo o que Ele realmente fez. Isto dá lugar a posições que se aproximam claramente das de Ibn Hazn e podem mesmo conduzir à imagem de um Deus caprichoso, que nem sequer está comprometido com a verdade e a bondade. A transcendência e alteridade de Deus são tão exaltadas que a nossa razão, o nosso sentido de verdade e de bem, já não são um autêntico espelho de Deus. Cujas possibilidades mais profundas permanecem eternamente inatingíveis e escondidas por detrás das suas decisões reais. Opostamente, a fé da Igreja insistiu sempre que entre Deus e nós, entre o Seu eterno Espírito Criador e a nossa razão criada existe uma analogia real, em que - como o 4.º Concílio de Latrão afirmou em 1215 - a dissemelhança permanece infinitamente maior do que a semelhança, porém, não ao ponto de abolir a analogia e a sua linguagem. Deus não se torna mais divino quando nós o empurrámos para longe de nós, num voluntarismo separador e voluntarista; pelo contrário, o Deus verdadeiramente divino é o Deus que se revelou como logos e, como logos, actuou e continua a actuar amorosamente por nós. Certamente, o amor, como S. Paulo diz, "transcende" o conhecimento e, por isso, é capaz de perceber mais do que só o pensamento (cf. Ef 3:19); apesar disso continua a ser o amor de Deus que é Logos. Consequentemente, a oração cristã é, citando outra vez S. Paulo - latreía logica - oração em harmonia com a Palavra eterna e com a nossa razão (cf. Rom 12:1).Esta reaproximação interna entre a fé bíblica e a pesquisa filosófica Grega foi um acontecimento de importância decisiva do ponto de vista da história das religiões, mas também da história universal - é um acontecimento que nos diz respeito a nós mesmo hoje. Dada esta convergência não é surpreendente que o Cristianismo, apesar das suas origens e de alguns desenvolvimentos significativos no Oriente, adquiriu finalmente o seu carácter decisivo na Europa e permanece o fundamento daquilo a que podemos chamar com justeza, Europa.A tese de que a herança Grega criticamente purificada forma uma parte integrante da fé Cristã tem sido confrontada com uma chamada à deshelenização do Cristianismo - uma chamada que tem dominado cada vez mais as discussões teológicas a partir do início da Idade Moderna. Vistos mais de perto, podemos observar três estágios no programa de dehelenização: apesar de interligados, são claramente distintos uns dos outros nas suas motivações e objectivos.A deshelinização emerge em primeiro lugar em ligação com os postulados da Reforma no século XVI. Olhando para a tradição da teologia escolástica, os Reformadores viram-se confrontados com um sistema de fé totalmente condicionado pela filosofia, isto é, com uma articulação da fé com um sistema estranho de pensamento. Em resultado disto, a fé não mais aparece como uma Palavra histórica viva mas como um elemento de um sistema filosófico regulador. O princípio sola scriptura, por outro lado, pensou a fé na sua forma mais pura e primordial, como originalmente se encontra na Palavra bíblica. A Metafísica apareceu como uma premissa derivada de outra origem, da qual a fé tinha que ser libertada, de modo a poder tornar-se mais ela própria. Quando Kant afirmou que precisava de pôr o pensamento de lado de modo a dar espaço à fé, levou este programa a um radicalismo que os Reformadores nunca tinham sonhado. Deste modo, ele ancorou a fé exclusivamente na razão prática, negando-lhe o acesso à realidade como um todo.A teologia liberal dos séculos XIX e XX deslizou para um segundo estádio no processo de deshelenização, com Adolf Harnack como seu representante mais significativo. Quando eu era estudante e nos meus primeiros anos de aprendizagem, este programa era muito influente mesmo na teologia católica. Tomou como seu ponto de partida, a distinção de Pascal entre o Deus dos filósofos e o Deus de Abrão, Iasaac e Jacob. Na minha lição inaugural em Bona, em 1959, tentei abordar este assunto e não tenciono repetir aqui o que disse nessa ocasião, mas simplesmente descrever, pelo menos brevemente, o que era novo neste segundo estádio de deshelenização. A ideia central de Harnack era voltar simplesmente ao homem Jesus e à sua mensagem simples, por debaixo dos acréscimos de teologia e verdadeiramente de helenização: esta mensagem simples era vista como o culminar o desenvolvimento religioso da humanidade. Jesus teria posto termo à adoração em favor da moralidade. Em última análise ele era apresentado como o pai de uma mensagem moral humanitária. Fundamentalmente, o objectivo de Harnack era voltar a trazer o Cristianismo para a harmonia com a razão moderna, libertando-o, numa forma de dizer, de elementos filosóficos e teológicos tais como a fé na divindade de Cristo e no Deus trinitário. Neste sentido, a exegese histórico-crítica do Novo Testamento, tal como ele a via, rerstaurava à teologia o seu lugar na Universidade: a teologia, para Harnack, é qualquer coisa essencialmente histórica e, portanto, estritamente científica. O que ela é capaz de dizer criticamente acerca de Jesus é, por assim dizer, uma expressão da razão prática e consequentemente pode tomar o seu lugar de direito na universidade. Por detrás deste pensamento, jaz a auto-limitação moderna da razão, expressa classicamente por Kant nas suas "Críticas", mas ao mesmo tempo, ainda mais radicalizada pelo impacto das ciências naturais. Este conceito moderno de razão é baseado, para o dizer brevemente, numa síntese entre Platonismo (Cartesianismo) e empiricismo, uma síntese confirmada pelo sucesso da tecnologia. Por um lado pressupõe a estrutura matemática da matéria, a sua racionalidade intrínseca, que torna possível compreender como a matéria funciona e como a usar eficientemente: esta premissa básica é, por assim dizer, o elemento Platónico na compreensão moderna da natureza. Por outro lado, há uma capacidade da natureza para ser explorada para os nossos propósitos e aqui, apenas a possibilidade de verificação ou falsificação através da experimentação pode conduzir à certeza. O peso entre estes dois pólos pode, dependendo das circunstâncias, mudar de um lado para outro, a ponto de, J. Monod, um forte pensador positivista, se ter declarado um convicto platónico/cartesiano.Isto dá origem a dois princípios cruciais para a questão que levantamos. Em primeiro lugar, só o tipo de certeza que resulta da interacção entre elementos matemáticos e empíricos pode ser considerada científica. Algo que se reclame científico pode ser confrontado com este critério. Deste modo, as ciências humanas, como a história, a psicologia, a sociologia e a filosofia, tentam conformar-se com este canon de cientificidade. Um segundo ponto, importante para as nossas reflexões, é que pela sua própria natureza este método exclui a questão de Deus, fazendo-a aparecer como não científica ou como uma questão pré-científica. Consequentemente, deparamo-nos com uma redução do alcance da ciência e da razão que precisa de ser questionada.Voltarei a este problema mais tarde. Entretanto, deve observar-se que deste ponto de vista qualquer tentativa de manter a pretensão teológica de ser "científica" acabaria reduzindo o Cristianismo a um mero fragmento da sua identidade inicial. Mas devemos avançar: se a ciência como um todo é isto e isto só, então é o próprio homem que acaba sendo reduzido, porque as questões especificamente humanas acerca da sua origem e do seu destino, as questões levantadas pela religião e pela ética, não terão então lugar no conjunto dos objectos da razão colectiva como definida pela "ciência", assim compreendida, e devem, por conseguinte, ser relegadas para o domínio do subjectivo. O sujeito então decide, na base das suas experiências, aquilo que ele considera adequado em matérias de religião, e a "consciência" subjectiva torna-se o único árbitro do que é ou não ético. Deste modo, contudo, a ética e a religião perdem o seu poder de criar uma comunidade e tornam-se uma matéria completamente pessoal. Este é o perigoso estado de coisas da humanidade, tal como vemos a partir das perturbadoras patologias da religião e da razão que irrompem necessariamente quando a razão é de tal modo reduzida que as questões de religião e ética já não lhe dizem respeito. As tentativas de construir uma ética a partir das regras da evolução ou da psicologia e sociologia, acabam por se mostrar simplesmente desadequadas.Antes de retirar as conclusões a que tudo isto conduz, devo referir brevemente o terceiro estádio de deshelenização, que está em progresso. À luz da nossa experiência com o pluralismo cultural, diz-se frequentemente hoje que a síntese com o Helenismo conseguida na Igreja inicial era uma inculturação preliminar que não deveria ser obrigatória para as outras culturas. Diz-se destas últimas que têm o direito de regressar à mensagem simples do Novo testamento, anterior àquela inculturação, de modo a poderem inculturar de novo de cada modo particular correspondente ao ambiente em que se encontram. Esta tese não é apenas falsa; é grosseira e imprecisa. O Novo Testamento foi escrito em Grego e traz consigo a impressão do espírito Grego, que já tinha atingido a maturidade enquanto se desenvolvia o Antigo Testamento. É verdade que há elementos de verdade na evolução da Igreja inicial que não têm que ser integrados em todas as culturas. Contudo, as decisões fundamentais tomadas acerca da relação entre fé e o uso da razão humana são parte integrante da mesma fé; são desenvolvimentos consonantes com a natureza da própria fé.E chego assim à minha conclusão. Esta tentativa, a pinceladas largas, de uma crítica da razão moderna por dentro, que não tem nada a ver com recuar no tempo anterior ao Iluminismo ou rejeitar as conquistas da idade moderna. Os aspectos positivos da modernidade devem ser reconhecidos sem reservas: estamos todos gratos pelas maravilhosas possibilidades que foram abertas à humanidade e ao progresso que nos foi concedido. O ethos científico, é, para além disso, - como mencionou o Magnífico Reitor - a vontade de obedecer à verdade e, deste modo, incorpora uma atitude que pertence às decisões essenciais do espírito do Cristianismo. A intenção aqui não é de entrincheiramento ou de criticismo negativo, mas de alargamento do nosso conceito de razão e da sua aplicação. Ao mesmo tempo que nos alegramos com as novas possibilidades que se abrem à humanidade, também vemos os perigos que decorrem destas possibilidades e devemos perguntarmo-nos como os poderemos ultrapassar. Seremos bem sucedidos só se a razão e a fé se juntarem de uma forma nova, se ultrapassarmos a auto-imposta limitação da razão ao empiricamente verificável, e se uma vez mais libertarmos os seus vastos horizontes. Neste sentido, a teologia tem lugar na universidade e dentro do largo leque de diálogo entre as ciências, não apenas como uma disciplina histórica e uma das ciências humanas, mas precisamente como teologia, como inquérito sobre a racionalidade da fé.Só assim nos tornaremos capazes desse diálogo genuíno entre culturas e religiões tão urgentemente necessário hoje. No mundo ocidental domina largamente a opinião de que só a razão positivista e as formas de filosofia nela baseadas são válidas universalmente. Contudo, as culturas do mundo profundamente religiosas vêm esta exclusão do divino da universalidade da razão como um ataque às suas mais profundas convicções. Uma razão que é surda ao divino e que relega a religião para o âmbito das subculturas é incapaz de se inserir num diálogo de culturas. Ao mesmo tempo, como tentei mostrar, a razão científica moderna com o seu elemento intrinsecamente Platónico traz consigo uma questão que aponta para além de si própria e para além das possibilidades da sua metodologia. A razão científica moderna tem, muito simplesmente, que aceitar a estrutura racional da matéria e a correspondência entre o nosso espírito e as estruturas racionais prevalecentes na natureza como um dado, na qual a sua metodologia tem que ser fundada. Contudo, a questão porque isto tem que ser assim é uma verdadeira questão que tem que ser redireccionada pelas ciências naturais para outros modos e planos de pensamento - para a filosofia e a teologia. Porque a filosofia e, apesar de em modo diferente, a teologia, escutando as grandes experiências e descobertas das tradições religiosas da humanidade, e as da fé cristã em particular, é uma fonte de conhecimento, e ignorá-lo seria uma restrição inaceitável do nosso ouvir e responder. Aqui lembro-me de algo que Sócrates disse a Phaedo. Nas suas primeiras conversas, tinham surgido muitas opiniões filosóficas falsas e então Sócrates diz:"Seria facilmente compreensível que alguém ficasse tão aborrecido com todas estas noções a ponto de, para o resto da sua vida, desprezar e troçar de toda a conversa acerca do ser - mas deste modo ficaria privado da verdade da existência e sofreria uma grande perda". O Ocidente tem, desde há muito tempo, sido ameaçado por esta aversão às questões que suportam a sua racionalidade e daqui para a frente só pode ser ainda mais prejudicado. A coragem de incluir todo o âmbito da razão, e não a negação da sua grandeza: é este o programa com que uma teologia enraizada na fé bíblica entra nos debates do nosso tempo. "Não agir razoavelmente, não agir com logos, é contrário à natureza de Deus" disse Manuel II, de acordo com a sua compreensão cristã de Deus, em resposta ao seu interlocutor persa. É a este grande logos, a este respiro da razão, que convidamos os nossos parceiros no diálogo de culturas. Redescobri-lo constantemente é a grande tarefa da universidade.
Aula Magna da Universidade de Regensburg, 12 de Setembro de 2006
ext. de Blue Lounge
A ULTRA-EUROPA
Bruxelas - Dia sem carros. A festa do políticamente correcto. Pancada no Papa em tudo quanto é media. O filme do Al Gore como Verdade Revelada. Na Waterstones uma nova secção: "bushisms", no humor.
Está sol. Na cidade, milhares de pessoas na rua, o que não é mau.Mas não estão todas na rua nos mesmos sítios. Bruxelas é hoje uma grande metrópole étnica. Zairenses nas sombras do Congo belga, por detrás da Porte Namur. Gregos, espanhóis e portugueses nas ruas de Saint-Gilles. Árabes do Magrebe por todo o lado, menos um.
Menos um. O único sítio em Bruxelas em que não se via um árabe, um véu, uma djellaba, era na feira ecologista perto do metro de Louise. Aí, entre os pavilhões da "economia positiva", a apologia dos alimentos biológicos, a palha e os cavalos a cheirar às remotas quintas do passado que já ninguém conhece, só se viam mães e pais de crianças louras, milhares de filhos e filhas da burocracia europeia, entre mochilas e carrinhos de bebé de luxo e vestuário correcto na sua nonchalance, capacetes de bicicleta de ligas de carbono, bicicletas armadilhadas de gadgets.Boa consciência correcta, culpa face ao resto do mundo. Culpa até às entranhas. Mas ali não estão os Outros.
Será que ninguém se pergunta porquê, tão grande era o contraste da humana geografia?
JPP - Abrupto
É, no mínimo, preocupante a forma como o mundo islâmico está a alimentar a fogueira das reacções contra o já célebre discurso de Bento XVI ("Fé, Razão e Universidade: Memórias e Reflexões"), na Universidade de Regensburg.E digo expressamente mundo islâmico porque, por muito que procure (e até mesmo que considere a sua existência), neste caso, rapidamente transformado em (pseudo-) conflito, não se vislumbram , em termos de corrente de opinião sólida e publicitada, posições moderadas, nem sectores islâmicos moderados (será um problema da imprensa?).Por exemplo, pedem, pura e simplesmente, o afastamento do Papa. E não se diga que se trata de uma mera posição moderada, uma simples expressão de uma qualquer indignação, pois, logo de seguida, surge a cominação: "Se o Ocidente não mudar a sua posição em relação ao Islão, enfrentará severas consequências"!!Nem interessa que o dito Ocidente não se reveja inteiramente nas posições do Vaticano e da Igreja Católica, nem sequer que não seja, todo ele, Católico, Apóstólico, Romano - desde logo, começando pelo Grande Satã, os E.U.A. onde o Catolicismo não é predominante! Tudo isso são minudências para os clérigos muçulmanos...O que é mais curioso é o facto de estes muçulmanos arrogarem-se o direito e pretendem (exigirem mesmo!) mudar as regras, as instituições - neste caso, o Papa - do tal mundo ocidental que renegam e que combatem! Não lhes chega berrarem, indignarem-se, laborarem em equívocos e alimentá-los nas suas práticas de oração, nem afastarem-se do tal mundo ímpio....não, apesar de o renegarem, querem, contudo, nele interferir!
PMF - Blasfémias
E, no entanto, se Deus existe, é único.
Pelo menos, nesta base racional elementar, poderia a parte da humanidade deísta fundar um pacto de convivência religiosa pacífica.
Ou, também neste caso, a concorrência é fundamental à eficiência do mercado?Porque o que está em jogo não é a crença em Deus mas a ambição do poder por parte de quem maneja os fios das marionetas?
Mas se é lamentável que o Ocidente se ponha de cócoras perante os fanáticos do Islão não é menos lamentável que Ratzinger tenha, pretensamente, retornado à convergência da Fé com a Razão, com citação propositadamente polémica, porque não pode pensar-se que tenha sido inocente, digam o que disserem os seus advogados de defesa brandindo o texto completo.
Aliás, esta intervenção de Ratzinger, tinha sido antecedida por outra tentativa tambem polémica: a de revisitar o tema já estafado do criacionismo versus evolucionismo.Por mim, teria sido mais conveniente para a Humanidade, que o Papa visse e comentasse "Verdade Inconveniente". Mesmo que saísse de lá convencido que se trata de um filme de promoção pessoal, seria bom que se posicionasse perante o que o filme diz, independentemente de outros juízos de valor.
Porque o mundo pode acabar de muitas maneiras.
Cito, do Prefácio de
"A TERRA À PROCURA DE EQUILÍBRIO (ECOLOGIA E ESPÍRITO HUMANO", publicado em Portugal pela Ed. Presença, em 1993. O original foi publicado nos EUA em 1992, era Al Gore Vice-Presidente e não estaria, portanto, em campanha.
"Pertencemos à fé e à ciência e há séculos que frequentemente seguimos caminhos diferentes. Numa altura de crise ambiental, descobrimos que esses caminhos convergem. Simbolizadas por este encontro, as nossas duas antigas tradições, por vezes antagónicas, buscam-se uma à outra, num esforço comum para preservar o lar que partilhamos "
e, mais adiante, a pag 27 da Introdução "O povo americano suspeita por vezes que as agendas das campanhas saem direitinhas dos peritos de opinião e dos políticos profissionais. Têm razão a maior parte das vezes. Em minha própria defesa, direi que durante toda a campanha procurei sempre oportunidades de voltar à questão do ecossistema global...Mas a imprensa nacional, reflectindo o consenso da comunidade política, recusou veementemente considerar o ambiente como uma parte importante da agenda eleitoral."

Saturday, September 23, 2006

O ESTADO DA ESQUERDA E O ESTADO DE DIREITO

Caro J.

Você desafiou-nos a ir ao confessionário e dizer publicamente de que lado arrumamos as nossas opções políticas. É um exercício que obriga a algum diálogo interior que, nem por ter sido já recalcado durante anos e anos, não deixa de obrigar a um trabalho de revisão. Isto, claro, para aqueles que, como eu, lamentavelmente ou não, nasceram sem ter certeza de coisa alguma. Uma espécie de extraterrestres.

Também não é assunto que se despache, honestamente, com um sou porque sou, ou com a ingenuidade de uma amiga minha que se diz de esquerda porque tem pena dos pobres (não sei se alguma vez fez alguma coisa para reduzir as penas deles e a dela) e se diz católica mas não acredita na imortalidade da alma. A incoerência, se muitas vezes decorre de uma boa dose de ingenuidade, noutros casos é filha de propósitos menos perdoáveis. Daí que me pareça que dizer de que lado estou me exija explicar porquê.

Sei que, começando desta maneira, começo a pôr quem me lê de atalaia e desconfiado de que tanta conversa só pode querer escusar-se a falar claro e fazer a direito. Geralmente, as pessoas têm os seus convencimentos desportivos, religiosos e políticos, e vivem, felizmente para elas, sem dúvidas de princípio. Eu só tenho algumas convicções e, mesmo assim, vou-as interpelando a ver se as abalo.

Nem no futebol sou indefectível de um qualquer clube, mas gosto de futebol; quanto a divindades, acho que a maior indignidade humana é a de os homens se matarem em nome de Deus, que, se existe, só pode ser o mesmo para todos; politicamente, estou certo de duas coisas: não sou do centro e sou democrata. Não sou do centro porque o centro, politicamente, é uma abstracção para arrumar os envergonhados da direita. Estamos à esquerda ou à direita uns dos outros, e ninguém, por mais pintado que seja, está ao centro. Sou democrata, porque não há outro sistema menos mau, como dizia o outro.

Quanto ao ser de Esquerda ou de Direita, vamos lá a ver se me faço entender.

Antes de mais, para mim o posicionamento político relativo, só faz sentido dentro dos sistemas democráticos, isto é, daqueles que encontram a sua razão de ser no voto livre e universal. Nenhum sistema político não democrático se pode considerar de esquerda ou de direita. Tal não significa que na teia das ditaduras não estejam presos espíritos livres, de esquerda e de direita, a congeminar revoltas. Do mesmo modo que não estão os regimes democráticos imunes a infecções totalitárias, geralmente localizadas, mas prontas a propagar-se a todo o tecido social.

Neste sentido, não foram de esquerda as “experiências de comunismo, ou socialismo real” levadas a cabo na ex-União Soviética e nos países do leste europeu que caíram na sua órbita, como não são de esquerda os regimes que ainda governam Cuba, China ou a Coreia do Norte. Em qualquer destes casos o que se observou, e observa, é o domínio absoluto de uma nomenclatura que tomou o poder e se apropriou dos principais meios de produção em proveito próprio dispensando o registo notarial a seu favor. Ao virar da esquina do mesmo gaveto político situaram-se, e situam-se, as ditaduras que muitos, erradamente, consideram de direita. Estruturalmente, contudo, nada as distingue. Entre o nacional-socialismo de Hitler e o “socialismo real” de Estaline a diferença é de ditador e seus comparsas. O número de vítimas e os processos de dizimação não foram significativamente diferentes. Aliás, se outro meio de evidência não existisse para justificar a semelhança, bastava o facto de não se sentarem os próceres das ditaduras em alas separadas, segundo as suas convicções, porque são as mesmas na aclamação unânime do grande chefe.

Reservando a dicotomia esquerda-direita às democracias representativas, já que a democracia directa, salvo casos muito excepcionais, é uma forma mascarada de populismo, parente próximo das ditaduras, a diferença, ao contrário do que muitos querem fazer crer, existe e nem sequer é subtil. Estará, porventura, esbatida relativamente aos tempos em que a designação da relação foi cunhada, mas subsiste.

Subtil, contudo, na diferença entre a Esquerda e a Direita é a diferença entre aquilo que geralmente é percepcionado a propósito destes conceitos e aquilo que realmente eles representam.

Um inquérito que indagasse, hoje, a relação do conceito esquerda, em sentido político, com diversos atributos, muito provavelmente os seis mais votados não andariam longe de: 1 – Pessoas 2 - Pobreza 3 - Solidariedade 4 – Ecologia 5 - Ateísmo 6 – Aborto. A direita mereceria, por sua vez, a companhia de 1 – Negócios 2 - Riqueza 3 – Individualismo 4 - Eficiência 5 - Igreja 6 – Vida

E, no entanto, se excluirmos os dois últimos, que não podem colar-se inquestionavelmente cada um a cada uma das partes, porque são transversais a ambas, os outros quatro têm matriz económica: o que sobreleva da primeira trempe é uma sorte materialmente pior do que da segunda.

Houve tempos em que à esquerda era mais saliente o emblema liberal e à direita o conservador, ou reaccionário até, na ressaca das revoluções. Mas, nesses tempos, eram liberais os adeptos do amor livre enquanto os conservadores faziam amor de pijama. Mas as coisas mudaram muito: hoje a direita bate-se pelo liberalismo nos negócios e, segundo estudo recente de Universidade prestigiada que não recordo o nome, os conservadores tornaram-se mais liberais nos costumes da cama que os liberais anteriormente tidos à esquerda.

Sobra, portanto, o dilema económico da dimensão da intervenção do Estado, pugnando, tendencialmente, a esquerda por que seja máxima, de modo a promover a solidariedade através da redistribuição de rendimentos, e a direita por que seja mínima para que se atinja a máxima eficiência dos meios produtivos.

À invocação de que o dilema não existe e de que a solidariedade é compatível e, mais do que compatível, exigível de eficiência, porque só é susceptível de repartição o que é produzido, respondem da esquerda que o recuo do Estado determinará a sua crescente submissão ao poder económico e, com o decorrer do tempo, à ditadura das multinacionais.

Posicionando-me à Esquerda, porque não devem, por imperativos de consciência humanista colectiva, ser deixados à sua sorte aqueles que nasceram com menos ou nenhuma, e porque me repugna que a solidariedade decorra, ainda que com outro nome, da caridade, virtude teologal que, na acepção socorrista, fazia sentido na Idade Média mas não hoje, considero como indeclináveis funções dos órgãos do Estado para além da administração da Justiça, a defesa do território e a segurança interna, a promoção da solidariedade social.

O Estado Solidário (designação que prefiro à de Estado Social) é, na actualidade, em que toda a actividade económica está, directa ou indirectamente, sujeita à lógica irredutível da concorrência global, a bandeira mais alta que a Esquerda pode levantar: se, na convulsão da globalização, o Estado Solidário soçobra, a Esquerda perde a sua referência maior e só lhe restará, se restar, alguma superioridade moral.

Nestas condições, para que a Esquerda realize o seu projecto não pode deixar de se empenhar no reforço da eficiência do Estado mas esse reforço só poderá ser atingido se o Estado se desembaraçar de funções que hoje realiza mas para as quais, manifestamente, não tem condições para atingir os níveis de competitividade que a globalização impõe.

Há uma esquerda alargada que vê na redução da dimensão do Estado uma consequente submissão do poder político ao poder económico. Quem assim pensa, contudo, entende que o poder político depende das relações económicas que tutela, o mesmo é dizer que insinua que o poder político ou é venal ou não subsiste. Lamentavelmente, os jornais não cessam de noticiar casos que parecem confirmar esta fatalidade: muito recentemente, o pacto assinado pelo Governo e o principal partido da oposição ignora o problema da corrupção e o partido que apoia o Governo parece estar em dificuldade em acertar, internamente, um preceito legal acerca do combate aquele flagelo.

De modo que não é a dimensão económica do Estado que previne o assalto das ditaduras, sejam elas quais forem; bem pelo contrário, a História relata que as ditaduras se forjam e prosperam na promiscuidade com o poder económico.

Da Esquerda, espera-se uma atitude moral consonante com os seus votos primordiais. Espera-se que a Esquerda não venda a sua alma pelo poder. Espera-se que a sua força resida na defesa intransigente de um Estado de Direito eficiente e respeitado. Tudo, ao contrário, do que, lamentavelmente se observa actualmente, quando a Justiça é um arremedo e a esquerda, ou quem por ela se faz passar, vende os seus créditos com a mesma facilidade que os seus opositores da direita.

O Estado é, inegavelmente, mau gestor das relações económicas. Não o Estado, como entidade abstracta sem capacidade volitiva, mas os órgãos, eleitos ou nomeados, seus tutores/gestores, que governam as suas funções. Mas esses gestores não são maus por uma razão congénita. A ineficiência do Estado, enquanto agente económico, não decorre de uma fatal inabilidade desses gestores mas dos condicionalismos em que essa gestão decorre e da frequente divergência de interesses entre os tutores e o tutelado. Quanto menor for a dimensão das funções com matriz económica realizadas pelo Estado, maior será a independência das funções de Justiça, de Defesa e Segurança, e de realização do Estado Solidário.

A Esquerda em que me revejo é essa: Menos Estado total, mais Estado de Direito para a realização de um Estado verdadeiramente solidário. Uma Esquerda que, em vez de viver, também ela, de fundos de fontes obscuras, propugne para que a Democracia se consolide sobre a clareza dos processos e das contas.

Monday, September 18, 2006

AS CONTAS DA INSEGURANÇA SOCIAL

Comentário colocado em A Destreza das Dúvidas, a propósito do post titulado "Contabilidade da Segurança Social"

Ontem, na Quadratura do Círculo, discutiu-se, por breves instantes, a Segurança Social. Dois sistemas de financiamento da SS parecem estar em cima da mesa:
o actual, em que as poupanças população activa pagam as reformas dos reformados,
um sistema de capitalização. A população activa, em vez de financiar a geração reformada, aplica as poupanças nos mercados financeiros que capitalizará para a sua reforma.
Ontem, todos concordavam com a superioridade do segundo. O problema eram os custos de transição. Ao se mudar do primeiro sistema para o segundo, deixa de haver dinheiro para pagar as aposentações dos reformados actuais. A solução é recorrer à Dívida Pública. Nesse ponto, exalta-se Jorge Coelho (tal como Sócrates o havia feito na Assembleia da República) dizendo que seria absolutamente irresponsável aumentar a Dívida Pública.
Na verdade, a Dívida Pública apenas aumenta contabilisticamente e não de facto. No regime actual, quem desconta para a SS recebe em troca a promessa de que receberá uma reforma quando for velho. Ou seja, o Estado assume uma obrigação para o futuro. Não está contabilizada naquilo a que chamamos Dívida Pública, mas existe.
Numa perspectiva diferente. Se houvesse uma mudança do regime de SS, a Dívida Pública aumentaria contabilisticamente, mas também aumentariam os Activos Públicos. Porquê? Porque os descontos, que antes eram transferidos para pagar as reformas, passariam a ficar retidos. Ou seja, aumenta a Dívida, mas aumentam os Activos no mesmo montante. As contas anulam-se.
P.S. Não se pense que estou a dizer que não há custos de transição.

Leio a sua clarificação e leio os comentários que se afastam, geralmente, daquela.

Este post precisa uma questão que tem sido badalada de forma acrítica: a de que a transição do sistema, se financiada por empréstimos, aumenta a dívida pública. E não aumenta, efectivamente. Aumenta a dívida contabilizada mas não aumenta a dívida efectiva. Aumentará os encargos (juros), aliás como o LA-C ressalva.

A questão é importante, independentemente da discussão acerca do mérito relativo das propostas em confronto, e radica na forma como são contabilizados as receitas, as despesas, os proveitos e os encargos da Segurança Social, e em geral de toda a actividade do Estado traduzida em valores monetários.

O Estado, não só o Estado português reconheça-se de passagem, não releva todos os seus encargos do mesmo modo que impõe, e bem, às instituições privadas a contabilização de todos os compromissos por elas assumidos, independentemente dos prazos em que esses compromissos se tornam exigíveis.

É essa fuga de evidência das responsabilidades que leva a esta confusão no cálculo das responsabilidades futuras e que, se não é, parece um exercício de ocultismo.

Com efeito, se o Estado se obrigasse a realizar e contabilizar, anualmente, os cálculos actuariais das suas responsabilidades futuras relativamente ao universo de contribuintes, dos quais recebeu ao longo dos anos 34,5% (!) do valor dos salários pagos pelos empregados e empresas obrigatoriamente confiantes na honorabilidade do Estado, não assistiríamos a esta demonstração pública dos órgãos supostamente competentes do Estado chegarem hoje a conclusões completamente diferentes daquelas que afirmaram com idêntica convicção há poucos anos atrás. Com a agravante de parte dos relatores serem os mesmos.

Mas o Estado (isto é, os tutores que gerem os seus interesses e prosseguem frequentemente interesses divergentes dos interesses do tutelado) é relapso à prestação de contas. A discussão do Orçamento Anual do Estado é, politicamente, um confronto atestado onde se debate, inutilmente, o déficit até às décimas. As contas, contudo, nem são aprovadas nem publicadas a tempo e horas. E frequentemente as dúvidas são tantas que se receia que o Governador do Banco de Portugal possa colmatar a sua redução de atribuições enquanto tal com as de Contabilista-Mor da República.

Não há razão nenhuma para que as contas da Segurança Social, incluindo as responsabilidades assumidas perante aqueles a quem foi imposto o pagamento de um pesado tributo (os tais 34,5% dos seus ordenados) e as dos outros Ministérios, e as dos governos das Regiões Autónomas e as dos Municípios não sejam divulgadas de forma acessível a todos os contribuintes. A não ser a razão da falta de racionalidade da gestão da coisa pública.

Se essa publicação fosse feita toda a gente perceberia melhor o que está em causa.

A ARTE DA FUGA

Troca de argumentos com António Amaral em A Arte da Fuga
, em sequência do post “Um Bem Civilizacional” e do meu comentário "Estalinismo Liberal", parafraseando um post do mesmo AA, titulado “Estalinismo Social”

UM BEM CIVILIZACIONAL

O primeiro-ministro diz que o actual sistema público e universal de Segurança Social é um bem civilizacional que devemos preservar.É um sistema feudal em que o fruto do trabalho das pessoas é arrestado pelo Estado, como penhor pela sua lealdade contributiva, e depois convertido em dependência, incerteza, interdependência, e medo. Um sistema de pirâmide, em que cada vez mais pessoas dependem de cada vez menos — as gerações "seguintes" —, obrigadas a aderir por "solidariedade intergeracional".Este é um sistema de servidão social; mas o primeiro-ministro diz que é um bem civilizacional que devemos preservar.


fonsecarui said...Nem tanto ao mar nem tanto à terra, era uma recomendação antiga que, suponho, não perdeu actualidade.O actual Sistema de Segurança Social gerido pelo Estado está inquinado, admitamo-lo sem reservas, de algumas (muitas, se quiserem) injustiças, não só intergeracionais mas também intrageracionais.Só aqueles que sofreram programação partidária podem negar as distorções de que o Sistema sofre.E de que é necessário corrigi-las. Parte delas poderão ser corrigidas durante o actual processo de revisão. Temo que fiquem de lado ainda algumas muito relevantes. A adopção de um sistema de gestão mista parece-me o mais conveniente.É assunto que me interessa bastante e sobre o qual tenho reflectido tanto quanto me permitem as informações que vou coleccionando.Mas negar que a solidariedade social, que é um vértice importante do Sistema de Segurança Social, é um bem civilizacional, só pode entender-se por parte de quem perfilha o recuo ao sistema primário e instintivo de salve-se quem puder.Por outro lado, e porque quem advoga o salve-se quem puder é, geralmente, jovem e nascido com razoáveis recuos, deve ter em conta que as interdependências intergeracionais não se resumem à Segurança Social.Aqueles que são tão entusiastas em brandir as bandeiras do liberalismo sem mais mas nem meio mas, pergunto:Quando os meus amigos nasceram o mundo tinha também acabado de nascer? Foi tudo obra vossa a construção que vos tornou hábeis e auto suficientes?Terça-feira, Setembro 12, 2006 1:12:58 PM

AA said...Caro fonsecarui,A "solidariedade social" pode ser considerada uma virtude, e a interpendência geracional é um facto da vida. Ainda bem que assim é, e que sentimos que não estamos sós no mundo.O que não é uma conquista civilizacional é haver um Estado que munge as pessoas para levar a cabo esquemas de dependência social, a que ao mais belo estilo newspeak designa "solidariedade" ou "segurança".A solidariedade não é vértice nenhum de um sistema de Segurança Social coercivo. Vértice é o poder cru de meter na cadeia quem discorde do modelo social "decidido" pelo "colectivo".É errado e violento que as pessoas sejam obrigadas a suportar e a serem suportadas por estranhos, alguns dos quais ainda não nasceram, e que nascerão num mundo que já olha para eles com ganância.Terça-feira, Setembro 12, 2006 1:30:18 PM


fonsecarui said...
"A solidariedade não é vértice nenhum de um sistema de Segurança Social coercivo. Vértice é o poder cru de meter na cadeia quem discorde do modelo social "decidido" pelo "colectivo".Oh António Costa Amaral de que é que estamos falar?Meter na cadeia?Explique lá isso bem porque se calhar enganei-me no número da porta ou o seu artigo reporta-se a uma qualquer história que desconheço."É errado e violento que as pessoas sejam obrigadas a suportar e a serem suportadas por estranhos, alguns dos quais ainda não nasceram, e que nascerão num mundo que já olha para eles com ganância."Cada vez estou mais baralhado. Preciso de explicador, tenha lá paciência. Por um lado, você admite que "A "solidariedade social" pode ser considerada uma virtude, e a interpendência geracional é um facto da vida. Ainda bem que assim é, e que sentimos que não estamos sós no mundo."Depois roda de perspectiva e clama o contrário. Em que ficamos?Terça-feira, Setembro 12, 2006 2:37:06 PM


AA said...Caro fonsecarui,1. Quem se recusar a cumprir as suas "obrigações" para a Segurança Social no limite é preso. O sistema é tão virtuoso que dispensa o arbítrio das pessoas.2. A solidariedade só é uma virtude se for voluntária, e aqui enquadra-se a "autosolidariedade", solidariedade familiar, a solidariedade "social". Numa a "solidariedade" forçada por lei.A "solidariedade social" promovida por decreto e força fiscal implica coação legal, ou seja, acção sob ameaça de violência legal. Não há nada de moral ou ético num processo de latrocínio legal...Terça-feira, Setembro 12, 2006 3:01:09 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,Devo dizer-lhe que estou cada vez mais baralhado com os seus argumentos. Começa você por dizer:"1. Quem se recusar a cumprir as suas "obrigações" para a Segurança Social no limite é preso. O sistema é tão virtuoso que dispensa o arbítrio das pessoas."Tanto quanto julgo saber a pena de prisão só é aplicável no caso de uma situação fraudulenta. No caso, por exemplo, de o dinheiro retirado aos vencimentos dos empregados para entrega à Segurança Social ter sido desviado pelo empregador para aquisição de um Lamborguini.E mesmo assim não tenbho conhecimento que alguém já tenha sido preso nessas circunstâncias. Você conhece? Mas sabe que há em Portugal muitos Lamborguini sacados à conta alheia, não sabe?Depois você afirma:." A solidariedade só é uma virtude se for voluntária, e aqui enquadra-se a "autosolidariedade", solidariedade familiar, a solidariedade "social". Numa a "solidariedade" forçada por lei."Autosolidariedade, o que é? A solidariedade do indivíduo para com ele próprio? Faço esta dedução por afinidade de conceitos. A automedicação, por exemplo, sei o que é. Parece que não é recomendável.Solidariedade familiar: suponho que admite, portanto, que os pais sejam solidários para com os filhos e vice-versa. Vá lá, vá lá, porque nos tempos que correm já raramente é vice e, na maior parte dos casos, não é versa. Solidariedade social: quer dizer caridade? Acha que funciona? Onde?Nunca a solidariedade forçada por lei, diz depois você. Aqui temos o problema da obediência à lei e às regras democráticas. Se não se estima uma nem outras teremos o Estalinismo Liberal, não lhe parece? Ou há alguma coisa, para lá da democracia,que não se chame ditadura?Mesmo o latrocínio legal deve ser combatido e não contornado, não lhe parece?Terça-feira, Setembro 12, 2006 6:14:26 PM


AA said...Caro fonsecarui,Parece-me que entra num equívoco que importa deslindar sem demoras.O que é legal não é forçosamente legítimo. Qualquer coisa pode ser posto na lei, desde que não contradiga uma ordenação legal superior. E "qualquer coisa" inclui disposições que legalizem agressões de direitos individuais.A "solidariedade" obrigada por via legal é ilegítima, porque consiste no roubo do produto do trabalho de pessoas. Seja o Estado, Jesus Cristo ou Robin Hood, a isto chama-se roubo, com todas as letras. Ou latrocínio legal, uma possível tradução de "legal plunder" do texto de Bastiat que linkei.O "latrocínio legal", exercido pelo Estado na forma dolosa e continuada deve ser, sim senhor, combatido com todos os meios intelectuais e democráticos ao nosso dispor.Se há quem julgue que não sabe administrar a sua própria propriedade, não se arrogue a ceder os direitos dos outros, dando "legitimidade democrática" ao Estado para administrar toda a nossa propriedade.Do que escrevi acima, depreende-se que a democracia não é inerentemente virtuosa. Uma democracia pode constituir-se como "ditadura da maioria" se arrogar-se a graça de atropelar os direitos de uma minoria que seja. E a menor minoria é o indivíduo.Se uma maioria quer providenciar serviços de "segurança social" que o faça numa base de adesão voluntária dos seus contribuintes.Terça-feira, Setembro 12, 2006 6:32:22 PMAA said...Posto isto, não cabe ao Estado intervir nos outros "tipos" de solidariedade.- "autosolidariedade" é um termo irónico. Significa as pessoas tomarem conta delas próprias, em vez de o delegarem ao Estado;- "solidariedade familiar" diz respeito aos laços familiares, que o Estado destrói quando promove a "liberdade positiva" dos filhos não estarem dependentes dos pais e vice-versa, e os pais idosos do resto da família - tudo em deterimento das liberdades de todos;- "solidariedade social" sempre existiu, e reveste-se de muita formas; uma delas é a caridade; outra é fazer com que as pessoas sejam úteis e se sintam úteis.Quanto aos Lamborghinis, ganharia mais para si e para os seus concidadãos se se concentrasse em baixar as suas "contribuições" para o Monstro.A imposição às empresas de uma contribuição para a SS produz desemprego, precaridade, discriminação laboral. Tudo conseguido pelas boas intenções socialistas.Se fosse da responsabilidade de cada um providenciar pelo seu futuro, e pelo futuro de quem estima, não haveria empresas com poder de fazer esse tipo de desvios.Terça-feira, Setembro 12, 2006 7:06:21 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,Não sou, talvez contrariamente ao que possa depreender do que referi, um defensor acrítico do Estado e da sua expansão constante, da sua omnipresença, e da sua sombra. Se tiver a pachorra de dar uma olhadela nas minhas palavras cruzadas, que vou embarcando num blog, dar-se-á conta disso. Mas como deixei dito nas primeiras linhas do meu comentário as posições radicais não conduzem a nada a não ser à tirania. É o que a História nos mostra, e a idade de alguns, como eu, já é suficiente para o ter comprovado e sofrido. A que regime aspira você? À redução do Estado à prestação dos serviços mínimos ou nem isso?À anarquia? Como sabe a anarquia é vizinha da ditadura, moram ambas no gaveto do totalitarismo, de costas voltadas, mas apesar de disso, vizinhas.Não concorda?Terça-feira, Setembro 12, 2006 10:14:20 PM


AA said...Caro fonsecarui,Parafraseando a lei de Godwin, quanto mais dura um debate sobre o liberalismo, maior é a probabilidade de alguém começar a falar em anarquia.O liberalismo que eu defendo é oposto, digo mais, é inimigo da "anarquia" como popularmente entendida. Eu defendo condições básicas da sociedade como o direito à propriedade privada, algo que é impossível sem uma Justiça a funcionar. O rule of law, base do princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei, é lei morta em regimes anárquicos. Assim como direitos individuais, onde não há definião de liberdades negativas. Adiante.Eu não defendo modelo nenhum para o Estado. Nenhum. Eu defendo um modelo para uma sociedade de indivíduos responsáveis, que o Estado estorve o mínimo possível. É com esse princípio em mente que eu defendo que o Estado deve ser "o necessário e suficiente". Se quer chamar isto "minarquismo" ("Estado mínimo"), esteja à vontade, não é assim que eu o entendo; ou como o defini acima.Sim, é uma posição "radical", no sentido em que defende que o indivíduo não deve estar sujeito a tirania de maiorias ou minorias. Que deve ser deixado em paz quando não agride os direitos de outrem. E que não tem o direito de roubar ou que roubem em seu nome. Um conjunto de princípios que se opõe ao comando de uns sobre os outros não conduz a tiranias, evita-as.Quarta-feira, Setembro 13, 2006 1:05:06 PM


fonsecarui said...Caríssimo António Amaral,Pois não me parece que haja diferenças tão grandes de pontos de vista entre nós. Podemos discordar de outrem mas perceber os seus pontos de vista, resultando o nosso favorecimento pelo nosso de várias razões que não vêm ao caso.Mas neste caso subsiste um aspecto que não consigo perceber como é que o António Amaral (e outros vigorosos defensores do liberalismo tão extremo quanto a ameaça de anarquia consente)consegue deslindar:Em democracia é prevalecente a vontade das maiorias. Se não reconhece essa vontade (suponho que você diria essa ditadura)como é que pode aceitar a democracia?Volto a perguntar-lhe: Há alguma coisa para lá da democracia (vontade das maiorias) que não seja ditadura (vontade das minorias)?E já agora, se uma lei é ilegítima a quem compete avaliar essa ilegitimidade se não à maioria?Quarta-feira, Setembro 13, 2006 4:35:26 PM


AA said...Caro fonsecarui,Em democracia é prevalecente a vontade das maiorias. Se não reconhece essa vontade (suponho que você diria essa ditadura)como é que pode aceitar a democracia?Eu aceito a democracia liberal, na qual ninguém tem o direito (por muito democraticamente "legitimado" que seja) de atropelar direitos de outro indivíduo.The term "liberal" in "liberal democracy" does not imply that the government of such a democracy must follow the political ideology of liberalism. It is merely a reference to the fact that the initial framework for modern liberal democracy was created during the Age of Enlightenment by philosophers advocating liberty.Ou seja, a maioria pode fazer passar as leis que quiser, desde que respeite os direitos das minorias: a democracia é "boa" quando limitada. Uma democracia que perca as suas referências liberais está a meio caminho de se tornar uma ditadura.Quarta-feira, Setembro 13, 2006 5:04:36 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,Acho que estamos a chegar a uma conclusão: a democracia liberal é uma utopia, na medida em que aceita (o termo é seu) o governo das maiorias com respeito pelos direitos das minorias;Mas a compatibilização dos votos da maioria(a democracia expressa-se numericamente por votos)com as opções das minorias nem sempre é possível. Se, por exemplo, a maioria decidir autorizar a construção do aeroporto na OTA ( e não digo construir), opção de que discordo, como compatibilizar a decisão da maioria com o respeito à minha posição de dizer "não concordo"?Voltando ao tema inicial: Se a maioria aprovar um determinado sistema de Segurança Social com os votos contrários do BE, do PCP, e já agora dos Liberais, que compatibilização é possível entre as opções da maioria e os "direitos", aliás contraditórios neste caso, das minorias?Quarta-feira, Setembro 13, 2006 6:20:06 PM

AA said...Caro fonsecarui,Pelo facto de nem sempre ser possível compatibilizar interesses é que é preciso haver um sistema o mais isento possível, e esse sistema é o democrático.O que procurei explicar é que a democracia absoluta (veja-se Chavez) pode ser profundamente iliberal, e portanto contrária aos direitos das pessoas.O caso do aeroporto pode servir de exemplo. Quem discordar vai ter que pagar por esse elefante branco. Princípios colectivistas ou democráticos-absolutos dizem que tem de haver submissão à decisão legal, seja ela qual for.Princípios liberais exigem que se encontre uma solução o menos danosa possível.Por exemplo, o Estado podia encarregar-se das expropriações e deixar o mercado propor soluções, a serem pagas pelo princípio do utilizador-pagador (afinal diz o ministro que aquilo será auto-sustentável...)Quarta-feira, Setembro 13, 2006 6:49:13 PMAA said...No caso da SS, importa começar por esclarecer que não existe tal coisa como "direitos" contraditórios. Se implicam contradições, estão mal definidos.Eu tenho direito à minha propriedade. E ninguém tem "direito" de dispor da propriedade de outrem. Eu não tenho o direito de exigir de um concidadão uma contribuição forçada para a minha vida. Outro concidadão também não tem esse direito sobre mim. Claro que pela força do Estado, há quem tenha esse poder, mas não esse direito.Se o Bloco Central decidisse retirar metade da riqueza a metade da população e entregar à outra metade, não deixava de ser roubo. Um roubo legal, mas roubo. É por isso que a democracia tem de ser limitada.E sim, isso implica que há políticas que a bem dos direitos das pessoas, têm de ser off-limits.Quarta-feira, Setembro 13, 2006 6:52:18 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,O Chavez não é um democrata, é um populista. Mas não vamos por aí. São outros caminhos. Voltemos ao aeroporto: Neste caso eu distingui, propositadamente, o investimento e, logicamente, as expropriações. Referi-me ao facto político em si de decidir construir o aeroporto e ali. Quer queira quer não, este acto político, só por si, está longe de merecer a unanimidade. Estranho seria que a merecesse. Talvez no país de Chavez...Ora, neste caso, o mais provável será a prevalência da maioria, a qual, necessariamente, contrariará as preferências (provavelmente contraditórias entre si) das minorias. Ora as minorias têm o direito a estar contra mas a partir do momento em que a decisão é tomada pela maioria legalmente estabelecida os direitos da maioria, quanto ao assunto, podem prolongar-se como contestação latente mas não subsistem enquanto direitos de intervenção na decisão tomada. Se subsistissem, por inerência de uma filosofia liberal como a que advoga, estaríamos perante "direitos contraditórios", que não existem, como referiu e eu concordo, em democracia. Quanto à questão da Segurança Social e do sagrado direito à propriedade gostaria de lhe referir duas questões:1 - O modelo de segurança social não pode ser totalmente optativo porque a solidariedade social, que dela decorre, é inerente a uma sociedade que tenha em conta as diferenças de oportunidades e capacidades dos seus membros. Mesmo em sociedades onde o liberalismo económico é mais avançado (caso dos EUA)existe a intervenção do Estado na garantia de mínimos de subsistência. Os EUA são, contudo, no âmbito da OCDE os que apresentam mais elevado nível de desigualdade social, andando, lamentavelmente, Portugal por lá perto.Visito, por razões familiares, os EUA, tenho grande admiração pelo povo americano, mas é um facto que nas desigualdades sociais se chocam os ovos do crime.É bom ter isto em conta.2- Quanto ao sacrossanto direito à propriedade já perdi há vários anos as minhas ilusõoes sobre isso. Podia dar-lhe vários exemplos, referir-lhe-ei um. O das casas abandonadas em Lisboa. Casas cuja função económica e social é nula e esteticamente são um desastre. São às centenas. E não falo das casas arruinadas, de rendas baixas. Falo-lhe de edifícios, alguns foram bem bonitos, que se encontram abandonados há anos e anos. Este abandono diz-nos respeito porque nos afecta a todos. As casa são dos donos mas a cidade é nossa, e essa está conspurcada de forma mais que lamentável.Não há, que eu conheça, uma situação comparável em países europeus. Porquê?Como é que os liberais resolvem o assunto. Dir-me-ão: como é que os não liberais o não resolveram até agora?Pois é. O liberalismo existe por aí ainda que os liberais digam o contrário.Quarta-feira, Setembro 13, 2006 11:10:30 PM



AA said...Caro fonsecarui,1. O Chavez obviamente não é um democrata. Mas foi eleito democraticamente.É um bom exemplo porque num sistema de democracia absoluta, os governantes têm poder e "legitimidade popular" para fazerem o que queemr. Numa democraca propriamente limitada (como são as europeias, por exemplo, se bem que não tanto quanto eu gostaria), os populistas podem esbracejar o que quiserem, que não podem fazer estragos.2. A questão do aeroporto é interessante porque é um domínio (infraestruturas) que consideramos quase uniformemente fazer parte das competências do Estado.Mas os princípios são os mesmos para muitas outras actividades "empresariais" que o Estado empreende e que não precisava de monopolizar.As soluções "liberais" não passam necessariamente por privatizar privatizar privatizar, mas por minimizar danos. Um domínio do conhecimento muito interessante é a Teoria da Escolha Pública.Quinta-feira, Setembro 14, 2006 12:07:50 PM AA said...3. Que as desigualdades sociais "provoquem" crime é teoria que confunde causa e circunstância. O que provoca o crime é o sentimento que se ganha mais atropelando os direitos dos outros, do que agindo honestamente.O crime combate-se punindo os criminosos, não toda a sociedade.Pode-se dizer sim que as classes mais "desfavorecidas" não vêm os seus direitos de propriedade suficientemente protegidos (pelas forças de segurança) e a sua liberdade económica assegurada (os mecanismos de mobilidade social são os primeiros a serem atacados pelo status quo).Quanto aos níveis mínimos de subsistência, é um critério altamente abstracto. Eu diria que o Estado pode assegurar níveis mínimos de sobrevivência, o que garantiria que toda a gente estaria capaz de trabalhar. "Garantir" níveis "dignos" de vida, que é o que o "nosso" sistema almeja, é um absurdo económico, atropela ostensivamente direitos de outras pessoas, e mesmo que não o fizess, não é função do Estado.Quanto às desigualdades, são consequência de um sistema em que as pessoas são livres de procurarem ser melhores que o próximo por formas honestas. O combate às desigualdades faz-se combatendo práticas desonestas, ou seja, as que recorrem a violência ou fraude, e deixando que as pessoas façam pela sua vida.De resto, é cientificamente desonesto comparar "desigualdades" sem atender ao nível de vida que os povos disfrutam. E historicamente também. Os povos estatisticamente mais "iguais" tendem a ser os mais miseráveis. Um post clássico aqui.Quinta-feira, Setembro 14, 2006 12:09:10 PM AA said...4. casas abandonadas em Lisboa [...] Este abandono diz-nos respeito porque nos afecta a todosEste é um problema clássico da economia. A causa chama-se Lei das Rendas, ou rent-control, e também disposições urbanísticas demasiado restritivas. [o link resume o mecanismo económico, recomendo-o vivamente].A "solução liberal" é liberalizar o mercado de arrendamento e de reconstrução urbana.A não-solução não-liberal foi rigidificá-lo, por motivos populistas, tornando-o tão desinteressante ao ponto das pessoas preferirem abandonar as casas a mantê-las em condições, e termos cidades a cair.Tudo porque os proprietátios não podem estabelecer com os inquilinos preços para arrendamento da sua propriedade.Quinta-feira, Setembro 14, 2006 12:18:31 PM


fonsecarui said...Caro António AmaralEu não penso que as democracias europeias sejam democracias limitadas pelo facto de nelas não campearem os populismos, ainda que alguns tentem. O que eu acho é que são democracias maduras, onde os populismos não encontram terreno fácil para medrarem muito. Quanto à sua concessão relativamente aos aeroportos e quejandos fico satisfeito por termos já encontrado alguns pontos de encontro. Não porque eu seja um apaniguado do Estado, bem pelo contrário. Não consigo é ver como é que podemos prescindir dele. Mesmo com a ajuda da Teoria da Escolha Pública.Mas continuo completamente em desacordo consigo relativamente aos outros pontos:"O crime combate-se punindo os criminosos..."Combater é uma coisa, reduzir é outra. Você pode combater o crime sem o reduzir. Até com os fogos isso se verifica. Os meios crescentes de combate que vêm sendo utilizados não reduzem, por si só, a área ardida. Seria mais eficaz que se mobilizassem meios para a redução da acumulação de biomassa nas matas. Só que não permitiriam tanto negócio nem tanto espectáculo. Não concorda?Voltando, contudo, ao crime sobre as pessoas, você conhece "Freakonomics" e se esta minha citação lhe suscita um sorriso (e ainda bem), o insuspeito (para si,suponho) Robert Barro em "Nothing is Sacred", valida as conclusões de Levitt a propósito da correlação entre a lei do aborto e a redução dos crimes nos EUA, minimizando o impacto das acções policiais nos períodos analizados.Eu sei que Levitt está sendo contestado, que prepara uma resposta, mas, ao que parece, as contestações podem reduzir a dimensão das conclusões sem as porem em causa. Estou certo que as suas convicções liberais favorecem o aborto. Mas não é essa a questão que quero trazer à colação. O que lhe quero referir é que nem Levitt nem quem se tem debruçado sobre a criminalidade lhe poderá dizer outra coisa: o crime só pode eficazmente combater-se nas origens que são o seu móbil. E a miséria e desigualdade social são os grandes factores de crescimento do crime. Veja o caso do Brasil, por exemplo. Quanto às rendas e os prédios abandonados andamos quase todos enganados.Quando lhe referi o caso das casas abandonadas excluí expressamente as casas arrendadas. Aludi apenas às casas degradadas sem qualquer função económica a não ser a da expectância especulativa. Pode ver fotografias destes prédios em www.lisboa-abandonada.net, que, aliás, foi objecto de uma acção de vandalismo e ainda não está completamente recuperada. Alguém se sentiu incomodado. É dos sites mais antigos da blogosfera, sabia? Mas podia referir-lhe o caso dos terrenos rústicos abandonados, cujo abandono não se justifica apenas pela teoria marginalista. Se quiser, mais tarde, explico-lhe porquê.Mas voltando às casa e às rendas. Quando se diz que não há em Portugal um mercado de arrendamento, não se diz a verdade. Existe e é bastante dinâmico. Os senhorios são os bancos. Nem esta nem outra lei das rendas (e eu acho que a lei das rendas, mesmo a revista, continua a ser manifestamente injusta em muitos casos para os senhorios) vai resolver o problema dos prédios degradados por essa via.Mas o que me importa realçar-lhe é o facto de haver milhares de casas completamente abandonadas, degradadas e vazias. E, neste caso, não é a lei das rendas (esta ou qualquer outra)que pode resolver a questão.Desde logo porque existe um stock enorme de casas para venda em Portugal e a oferta supera largamente a procura. E as rendas não podem situar-se acima dos valores debitados actualmente pelos bancos.Então as casas estão abandonadas, vazias e degradadas por outros motivos, não lhe parece?A mim parece-me que sim.Se for o caso não acha que o Estado deveria intervir?Contei no meu blog (Notícias do Bloqueio/Fevereiro 2006), já há alguns tempos, uma história verídica de uma casa com alguma história que há cinquenta anos se encontrava abandonada mesmo no meio da minha aldeia. Ainda lá está. Mais degrada, claro. Acha que alguém tem o direito de manter durante dezenas de anos uns pardieiros mesmo no meio duma vila?Quinta-feira, Setembro 14, 2006 8:38:13 PM


AA said...Caro fonsecarui,As democracias europeias são democracias liberais, e portanto "limitadas" porque grande parte dos poderes do Estado foram limitados constitucionalmente. E na "linha da frente" dessas limitações estão os direitos do indivíduo.Pena é que na tradição francesa, se tenham lembrado de increver positivamente os direitos individuais nas leis fundamentais, sendo portanto passíveis de alteração, assim como direitos positivos que não podem ser obtidos a não se com o sacrifício de liberdades e garantias.O facto de não termos populismos danosos é uma consequência...Sexta-feira, Setembro 15, 2006 12:55:41 PMAA said...De resto, nunca disse que podemos prescindir do Estado, a não ser em casos especiais.Acontece que esses casos mudam. Por exemplo, hoje em dia não nos faria impressão que um aeroporto fosse integralmente privado (propriedade e gestão, quero eu dizer), quando há anos tal seria impensável. Pode ser que daqui a uns anos seja impensável que tal sector económico estivesse em mãos estatais.Mas há outras infraestruturas que não fazem o mínimo sentido estarem nas mãos do Estado, mas ninguém contesta. Por exemplo, mercados abastecedores regionais, ou entrepostos logísticos. Um perfeito disparate...Sexta-feira, Setembro 15, 2006 12:58:44 PMAA said...Quanto ao aborto, sou intimamente contra, mas tenho grande dificuldade em justificar porque deve ser proibido. Essa é outra discussão.Note-se que o seu exemplo é imperfeito. Uma liberalização provoca redução do crime. Como poderia provocar aumento (por exemplo liberalização da venda de drogas). Inversos também acontecem. Brutalizar gente pobre e mais dada ao crime também teria efeitos nas estatíticas... ou impor abortos coercivos quando a criança tem altas probabilidades de se tornar um criminoso...De novo, esses problemas são combatidos pela Justiça, e não por artifícios arbitrários eles próprios injustos.Sexta-feira, Setembro 15, 2006 1:04:09 PMAA said...Aludi apenas às casas degradadas sem qualquer função económica a não ser a da expectância especulativa.A "expectância especulativa" é um direito, assim como acumular dinheiro debaixo do colchão para dias piores...Se for o caso não acha que o Estado deveria intervir?Esbulhando?Acha que alguém tem o direito de manter durante dezenas de anos uns pardieiros mesmo no meio duma vila?Sim. As pessoas são não têm direito a manter propriedade que represente risco iminente ou mesmo prejuízo para terceiros.Não se trocam condições de convivência pacífica por regimes onde as pessoas podem ser expropriadas se não tiverem poder político ou económico para o impedir...Sexta-feira, Setembro 15, 2006 1:09:57 PM


fonsecarui said...Caro António Amaral,Concordo que muitas actividades, de natureza empresariável, hoje realizadas pelo Estado poderiam e deveriam ser privatizadas.As nossas discordâncias não andarão por aí. Quanto muito a sua perspectiva é mais minimalista da intervenção do Estado do que a minha.Discordo, contudo, em absoluto consigo quando nega à sociedade (através dos orgãos legitimamente eleitos) a possibilidade de intervir relativamente à contestação de direitos individuais quando eles ferem os direitos de todos.Se bem percebi, você aceita que um prédio seja expropriado se e só se ele estiver em risco de desmoronamento e desse desmoronamento poderem resultar acidentes pessoais. Mas não aceita que a expropriação seja feita se a chaga que esse prédio representa for manifesta causa de perdas para a comunidade, nomeadamente, na área turistíca, por exemplo. Considere, para melhor entender a minha questão, a situação de abandono e degradação de alguns prédios no centro da Vila de Sintra. Quanto à questão que originariamente provocou esta nossa troca de argumentos, percebo que a sua posição não arreda do princípio liberal de deixar à sua sorte aqueles que, por um motivo ou por outro, nasceram com muito pouca ou nenhuma.Deve conhecer alguns casos, suponho.Domingo, Setembro 17, 2006 10:23:57 PM

Thursday, September 14, 2006

PARTIDOCRACIA & PACTOCRACIA

De repente, saltaram os democratas puros a terreiro: a democracia realiza-se no confronto de ideias no Parlamento. Os pactos de regime, por mais minimalistas que sejam, representam uma ameaça à democracia.
Os mesmos puros, que reconhecem, nos intervalos destes acessos de purismo democrático, que o Parlamento é servido, maioritariamente, por representes não qualificados, incapazes de dar uma para a caixa. O que não seria um desastre se estes continuassem o seu trabalho de levante-te, senta-te, consoante as ordens dos controladores, e os outros, os supostamente competentes fizessem o trabalho que lhes compete. Mas esses, são supostamente competentes demais e têm outros afazeres.


Se a democracia fosse um sistema perfeito, e não o menos mau, já há muito que as sociedades teriam resolvido eficientemente muitos dos problemas que as afligem. Acontece que a democracia não é perfeita e, ao nascer, nasceu com ela uma irmã gémea, a demagogia. A luta que desde a nascença se travou entre elas tem sido dura e exangue, por vezes, para a democracia. Quando a democracia soçobra, por sobreposição da demagogia, emerge a ditadura. Os pactos de regime justificam-se para a resolução de um número restrito de bloqueios fundamentais. Sem esses pactos quem está na oposição dirá sempre o contrário do que diz e faz quando está no governo. E vice-versa.

É a demagogia que comanda, perversamente, os interesses partidários.
E os interesses partidários não coincidem necessariamente com os interesses do País.

Daí os pactos de regime.

Wednesday, September 13, 2006

PASSARÕES

Comentário colocado em O Jumento , a propósito do post titulado "No Pasarán!"
Caro Jerico,Você desculpe a franqueza mas o seu artigo de hoje faz-me lembrar a Teoria da Conspiração do 9/11 e esta o Código de da Vinci. E lá caímos nós na Opus.
Devo dizer-lhe também que antipatizo com a Opus, não por ser a Opus mas por ser secreta. As coisas secretas, a mim, repugnam-me e, talvez por me repugnarem, assustam-me. Ou vice-versa.
Ora você, meu caro Jerico, de vez em quando saca do pau e dá na cabeça do Macedo. Que eu nunca vi mais gordo, esclareça-se.Você, argumenta, que o Macedo cacareja de mais e que o ovo até nem foi posto por ele.A mim, parece-me, que o que está mal não é o Macedo cacarejar mas o Macedo não cacarejar tudo. Isto é, parece que o Macedo só cacareja quando lhe convém. Está mal. Devíamos ter conhecimento das contas do Estado à medida que se desenrola o ano. Tal e qual como nas empresas cotadas em bolsa, o Estado devia publicar as contas (a síntese delas) trimestralmente.
O que se passa deveria ser intolerável em democracia porque é uma xanxada: discutem os deputados o Orçamento, ridiculamente, até às décimas de milímetro e depois as contas ninguém sabe delas. Ou sabe-se que não estão certas, e chama-se o Governador Constâncio para fazer de Contabilista. E a confusão é total porque apesar da reconhecida competência do Governador desconfia-se da sua imparcialidade enquanto Contabilista.
Entretanto, o Macedo e outros vão dando conta das contas parciais que lhes interessam. As outras ficam na manga. Daqui a uns tempos outros irão dizer que não estão certas.E isto a todos os níveis do governo do Estado: Há tempos pedi à Junta de Freguesia da localidade onde resido que me facultasse as contas da paróquia relativamente ao ano de 2004. Não me responderam mesmo após insistências várias.Temos direito à informação de saber, pelo menos, em que gastam o nosso dinheiro os fregueses? Parece que sim.À Junta de Freguesia cá do sítio parece que não. E não me consta que a Opus se interesse pela freguesia da minha residência.
Estas coisas só interessam a uns ET como você e como eu. À grande maioria interessam mais as subtilezas de linguagem do Major Batatas.
E já agora, a terminar: Desconfio que o Macedo não é tão bom como ele apregoa nem tão mau como o Jumento o classifica.
E depois se há situações de promiscuidade de interesses você acha que a Opus está a cavalo da Oposição e do Governo ao mesmo tempo? Se for o caso, bato palmas se o Jerico for capaz de deitar a carga ao chão.

Tuesday, September 12, 2006

O ESTALINISMO LIBERAL

Comentário colocado em A arte da Fuga , a propósito de um artigo titulado "ESTALINISMO SOCIAL" também publicado em "DIA D"(8/9/2006)

Nem tanto ao mar nem tanto à terra, era uma recomendação antiga que, suponho, não perdeu actualidade.

O actual Sistema de Segurança Social gerido pelo Estado está inquinado, admitamo-lo sem reservas, de algumas (muitas, se quiserem) injustiças, não só intergeracionais mas também intrageracionais.Só aqueles que sofreram programação partidária podem negar as distorções de que o Sistema sofre.E de que é necessário corrigi-las. Parte delas poderão ser corrigidas durante o actual processo de revisão. Temo que fiquem de lado ainda algumas muito relevantes. A adopção de um sistema de gestão mista parece-me o mais conveniente.


É assunto que me interessa bastante e sobre o qual tenho reflectido tanto quanto me permitem as informações que vou coleccionando.


Mas negar que a solidariedade social, que é um vértice importante do Sistema de Segurança Social, é um bem civilizacional, só pode entender-se por parte de quem perfilha o recuo ao sistema primário e instintivo de salve-se quem puder.Por outro lado, e porque quem advoga o salve-se quem puder é, geralmente, jovem e nascido com razoáveis recuos, deveria ter em conta, mas pelos vistos não tem, que as interdependências intergeracionais não se resumem à Segurança Social.


Aqueles que são tão entusiastas em brandir as bandeiras do liberalismo sem mais mas nem meio mas, pergunto:


Quando os meus amigos nasceram o mundo tinha também acabado de nascer? Foi tudo obra vossa a construção que vos tornou hábeis e auto suficientes?

Monday, September 11, 2006

O ANEL DE BIN LADEN


A RTP 2, que vive em parte à custa das contribuições de todos os portugueses, decidiu dar guarida a um filme de ficção cretina que pretende demonstrar que o 11 de Setembro foi obra de uma golpada montada por Bush e pela sua quadrilha.

O Bin Laden não teve nada a ver com o assunto, o Pentágono foi perfurado, talvez por um míssil, e não rebentado pelo embate de um qualquer avião. O que se passou foi o resultado de uma gigantesca operação, programada ao milímetro, e que envolveu o desaparecimento de aviões e pessoas em parte incerta mas não contra o Pentágono, ou contra o solo na Pensilvânia. Quanto às torres, caíram porque nelas foi aplicado o processo de destruição controlada de imóveis; do embate dos aviões não poderia nunca resultar, só por si, a derrocada das Twin.

Além do mais, o Bin Laden, que tinha começado por negar a intervenção da Al-Qaeda, e veio mais tarde dar o dito por não dito, confirmando que, afinal, sim senhor o 11 de Setembro tinha sido obra do seu “franchising” do terror, não era o Bin Laden. O Bin Laden a sério é canhoto e não usa anel, por obediência à lei corânica.

Este filme foi, como se disse, transmitido na RTP 2 e em sequência (ou como parte integrante, fiquei na dúvida) de um programa em que participou o actual Ministro do Ensino Superior.
A questão seria tão menos séria quanto o filme se não se desse o caso de ele reflectir um sentimento anti-americano muito generalizado na Europa (ainda que o filme tenha sido produzido nos EUA). Seguramente que milhões de pessoas nesta Europa dependente dos EUA, pelo menos desde o início do século passado, engoliram, ou estão a engolir, sem provar, o elixir do despeito que a hegemonia militar norte-americana lhes suscita. E George W. Bush, ainda que se tenha esforçado bastante por isso, não é origem nem reforça significativamente aquele sentimento, que tem outras raízes.

Voltando ao anel: Ainda que involuntariamente, “a prova do anel” envolve, também ela, uma ressonância que embriaga os sentidos dos desprevenidos ou dos bens intencionados: a de que Bin Laden e os seus sequazes no “franchising” do terror se movem por ditames religiosos ou civilizacionais. Ainda que este fosse o caso, compreende-se mal que a Europa das democracias e dos direitos humanos tergiverse no caminho que delineou há séculos.

Mas não é esse o caso. O anel de Bin Laden, se existe, é um anel de ambição ilimitada de poder que não consente nem está interessada em qualquer espécie de diálogo. Esse anel existe e só não vê quem não quer ver ou não está interessado nisso.

A esquerda-caviar e a esquerda- dinossáurica, por exemplo.

IMPACTOS

Comentário colocado em O Jumento

Ora aí está, Caro Jerico. Quando toda a gente já estava alarmada com a ideia de o PR estava a dormir, aparece o Pacto para a Justiça.

Claro que o Vasco Pouco Pulido e Nada Valente tinha que discordar. É a sopa dele que conta. Tem de ganhar para ela.

Agora temos a InSegurança Social. Um problema bicudo que, facilmente se compreende, interessa a várias gerações mas sobretudo aos mais jovens.

Ora o Estado tem dado provas evidentes que gere mal. E que não é fiável. Hoje retira uma parte dos seus compromissos, amanhã outra, um dia não cumprirá nada de nada.

De modo que, ainda que a gestão privada nem sempre honre os seus compromissos, há uma força que a impele a cumprir os contratos: a concorrência. E se a Justiça funcionar (obrigação do Estado) o cumprimento dos contratos não pode esvaziar-se em práticas fraudulentas.

Resumindo: Tenho para mim por adquirido que o Governo deveria atender às propostas do PSD e o Pacto sobre a Segurança Social não é apenas necessário como imprescindível à obtenção da melhor solução.

Porque ou hà consenso alargado na resolução de alguns bloqueios ao desenvolvimento em Portugal ou Portugal continuará a ser um País bloqueado.

Wednesday, September 06, 2006

INTERESSES PRIVADOS

Comentário colocado no post, com o mesmo título, no

A Destreza das Dúvidas

O futebol deve, em grande parte, a sua popularidade ao número diminuto de regras e à clareza e perenidade das mesmas. Por isso toda a gente se sente à vontade para as discutir.

Mas o futebol é também um negócio. A FIFA congrega os interesses internacionais desse negócio.
No dia em que as discussões das leis, regras e tutti quanti do futebol, caíssem nas mãos dos juízes, advogados e outras profissões afins, em Portugal, nunca mais ninguém saberia quem seria legitimamente elegível para representar Portugal nas competições internacionais.

A FIFA tem mais membros que a ONU, disse o Madaíl e eu acredito.
Todos os seus membros se comprometeram, quando entraram, a respeitar determinado número de regras. Se o Madaíl não se impõe ao Loureiro, a FIFA diz: muito bem, façam jogar quem vocês muito bem entenderem mas aqui deixam de ter entrada, porque o Circo não pode parar se uma parelha de palhaços em vez de divertir a malta se põe a discutir. A FIFA não pode ir nessa, porque seria o descalabro do negócio.

E a FIFA tem razão.

Se aos Juízes, em Portugal, for pedido para meter o bedelho no futebol, acontecerá ao futebol o que acontece na economia: a maior bagunça porque ninguém se sente compelido a cumprir compromissos e contratos.

Mas dir-me-ão: aqui, do que se trata não é de leis do futebol mas de direito das obrigações, dos contratos entre entidades empregadoras e empregados. E a FIFA responde: Compete à Federação proceder à verificação dos processos e homologar os contratos. Para nós, e por compromissos assumidos entre todas as partes válidamente representativas, quem decide é a Federação.Se a autoridade desta é posta em causa, façam favor de sair. Passamos bem sem vós.

E passam. Alguem tem dúvidas?