Palavras cruzadas para entreter a viagem.
"Não há questões filosóficas, há questões de linguagem." - Wittgenstein
"Insanity is doing the same thing over and over again, expecting different results" - Albert Einstein
ou a persistência da subserviência feminina em grande parte da Índia.
Três mulheres a viver em Bombaim:
Prabha (Kani Kusruti), enfermeira-chefe de um grande hospital, recebe em
casa uma panela eléctrica que parece ter sido enviada pelo marido,
emigrado na Alemanha, de quem há muito não tinha notícias; Anu (Divya
Prabha), colega de trabalho e de quarto de Prabha, não aceita a ideia de
um casamento arranjado e está apaixonada por Shiaz (Hridhu Haroon), um
jovem muçulmano, com quem anseia encontrar-se a sós; já Parvaty (Chhaya
Kadam), cozinheira no mesmo hospital, enfrenta a possibilidade de perder
a casa onde vive e decide regressar à pequena cidade onde nasceu.
Através do dia-a-dia de cada uma delas, o espectador assiste à luta
das classes trabalhadoras (especialmente mulheres) na maior cidade da
Índia, onde a vida é difícil e o progresso choca muitas vezes com a
tradição.
Primeiro filme indiano a receber o Grande Prémio em Cannes (e o
primeiro em 30 anos a competir pela pela Palma de Ouro), um drama com
assinatura da indiana Payal Kapadia, que aqui se estreia na realização
em longa-metragem de ficção, depois do documentário “Noite Incerta” –
que, em 2021, lhe valeu o Prémio Oeil d’Or na Quinzena dos Realizadores,
em Cannes, e o de Melhor Filme no Lisbon Film Festival (LEFFEST).
PÚBLICO
Assunto que já comentei várias vezes neste caderno de apontamentos e agora me foi relembrado por este gráfico colocado por EC na "Tertúlia da Trindade", que, ironicamente, comenta "Valentes Lusitanos!"
Vivemos tempos encharcados de informação e desinformação.
Putin, ele mesmo ou em seu nome, não pára de ameaçar o Ocidente Europeu com o uso do potencial nuclear que tem às suas ordens se e quando entender que o deve fazer.
Bluf ou intenção determinada, as opiniões divergem.
Irá mesmo Putin desencadear uma ofensiva contra a União Europeia para mostrar aos russos e ao mundo que o seu esmagador poder nuclear não é apenas suporte de uma declaração de intenções mas uma efectiva arma da vontade de alargar o domínio russo em toda a Europa?
Há quem acredite, que sim, que mais dia menos dia, mais mês menos mês, mais ano menos ano, Putin incendiará a Europa que não se sujeite ao seu diktat contrário à libertinagem que ele, com a bênção de Cirilo I, consideram estar a corroer os valores da civilização europeia.
Há quem não acredite; Putin não é tão tolo a ponto de desencadear uma guerra nuclear na Europa que se alastraria a todo o planeta e exterminaria a espécie humana, incluindo Putin e seus familiares e amigos.
E há quem não queira acreditar, quem nem sequer pensa ou quer pensar no assunto. Pensar para quê, se o pensamento é semente de ansiedade e angústias e as minhas valências valem nada?
Há ainda quem tenha solução para acabar com a guerra, porque sim, há quem esteja em guerra, e não só na Ucrânia e no Médio Oriente.
A solução óbvia é negociar a paz!
Como é que isso se faz? Trump candidato à reeleição, prometeu resolver, logo que tomasse posse, o conundrum numa semana, ou menos. Trump presidente-eleito já admitiu que não será tão rápido alcançar o objectivo que milhares de milhões certamente desejariam ver concretizado.
Putin, esclarece: temos capacidade para atingir e destruir qualquer objectivo sem que nenhum meio de defesa, nuclear ou outro, o possa impedir. Dito de outro modo: não haverá guerra porque não haverá quem nem como possa impedir a nossa marcha intocável e gloriosa de purificação do mundo.
"O filme, com uma intimidade preciosa e frágil numa sociedade opressiva, foi proibido no Irão e as autoridades confiscaram os passaportes dos realizadores, que também estão impedidos de filmar " . Jornal Medeia Nimas
A continuidade do Aliás depende do seu merecimento, avaliado por comentários, críticas, sugestões, correcções, de quem o lê.
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Há dezoito anos, em 4 de Janeiro de 2006, coloquei neste caderno de apontamentos - O MUNDO EMBUCHADO - alguns comentários a propósito do consumo de energia em Portugal, tendo como ponto de partida o delírio das iluminações natalícias em Lisboa e as discretas luzes de Natal que observava em Washington DC, onde me encontrava nessa altura.
Nem sempre as manifestações dos movimentos ambientalistas favorecem os seus propósitos.
Muitos actos de protesto, geralmente aqueles que são objecto de notícia global, contra a quase indiferença generalizada dos governantes do mundo perante a destruição da vida do planeta, em consequência de comportamentos humanos, têm efeitos contrários junto da generalidade da opinião pública e são, portanto, estúpidos.
Não é o caso da notícia do Público que relata uma iniciativa pacífica sobre um assunto muito sério e, por isso mesmo, inteligente.
Pena é que, sendo inteligente, terá pouco impacto.
Provavelmente, não terá nenhum.
Provavelmente, não chega a ser notícia.
Provavelmente, o mundo não se guia por actos inteligentes.
Ainda a propósito do meu apontamento, há dezoito anos: Mudou-se alguma coisa neste mundo neste lapso de tempo?
Provavelmente, a única mudança permitida é aquela sugerida pelo príncipe de Falconeri: "tudo deve mudar para que tudo fique como está".
Há menos de dois meses, comentei aqui " A Vegetariana", o livro mais divulgado de Han Kang, Prémio Nobel da Literatura de 2024.
Para melhor entender o mérito da escritora sul-coreana, estou a ler "Atos Humanos", o livro que dias depois vi à venda.
Estive, por razões profissionais, na Coreia do Sul em 1990, e nem o ambiente social (atravessámos, por ignorância do perigo que corríamos, um dos bairros mais turbulentos de Seul) nem o vigor da economia daquele país, uma economia pujante, me denunciavam resquícios das convulsões políticas ocorridas naquele país dez a anos antes.
Aliás, desde então, a Coreia do Sul evoluiu tanto economicamente como do ponto de vista do desenvolvimento humano avaliado pelo Programa das Nações Unidas, colocando-se no 19º. lugar do ranking em 2022, enquanto Portugal descia do 28º lugar em 1998 para o 42º. também em 2022.
Contribuiu para este sucesso o apoio dos EUA após a Segunda Guerra Mundial? Sem dúvida. Mas, só por si, esse apoio nunca justificou o admirável desenvolvimento sul-coreano.
Pelo que referi, surpreenderam-me, desde logo as considerações iniciais feitas na Introdução de "Atos Humanos" pela tradutora da edição inglesa: "No princípio de 1980, a Coreia do Sul era um barril de pólvora. Uns meses antes, Park Chung-hee, o militar que a tinha governado com mão de ferro desde o golpe de Estado que encabeçara, fora assassinado pelo chefe dos seus próprios serviços de segurança. Por ter presidido ao chamado "Milagre do Rio Han" - a rápida transformação da Coreia do Sul de país pobre e dizimado pela guerra em motor de desenvolvimento económico e industrial -, Park conquistara o apoio de vários sectores, mas as suas inúmeras violações dos direitos humanos fizeram com que nunca fosse verdadeiramente popular ..."
O "Atos Humanos"é um relato comovente dos acontecimentos dramáticos desencadeados pela imposição da lei marcial imposta em 1979.
Ao cair desta tarde leio aqui: "A democracia sul-coreana recusou a lei marcial do Presidente Yoon.
O partido do chefe de Estado conservador, a oposição e milhares de sul-coreanos protestaram contra decisão dramática. Militares chegaram a entrar e bloquear a Assembleia, mas o “caos” durou pouco."
A democracia sul-coreana recusou a lei marcial do Presidente Yoon"
O Presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, surpreendeu tudo e todos quando, no final da noite desta terça-feira (hora local), tomou a decisão dramática e sem aviso prévio de declarar a imposição da lei marcial em todo o território. Seguiram-se horas de “caos” e tensão na Assembleia Nacional, em Seul, com o destacamento de soldados, a publicação de um decreto militar a proibir “toda a actividade política” e milhares de manifestantes em protesto nas ruas."...
"A democracia sul-coreana recusou a lei marcial do Presidente Yoon Tudo começou quando Yoon fez um comunicado ao país a acusar o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, de “actividades anti-estatais”, de “conspiração para uma rebelião” e de simpatizar com a Coreia do Norte."
E, no mesmo artigo do "Público" : "A última vez que a lei marcial tinha sido declarada na Coreia do Sul foi em 1979, depois do assassinato do ditador Park Chung Hee. Pouco depois, o general Chun Doo-Hwan liderou um golpe militar e assumiu o poder, tendo governado o país com mão de ferro, antes de permitira transição para a democracia"
Agora, se bem entendo a notícia, o presidente da Coreia do Sul impôs a lei marcial, mas depois recuou, acusando o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, de
“actividades anti-estatais”, de “conspiração para uma rebelião” e de
simpatizar com a Coreia do Norte.".
Perceberam tudo até aqui?
Ainda bem. Percebi que, a partir daqui,
Trump é amigo de Putin, que é amigo Kim Jong-un, do qual é amigo o partido maioritário da Coreia do Sul.
"Se não podes vencer o inimigo, junta-te a ele", recomenda o provérbio antigo, certamente inspirado na estratégia de Hércules para liquidar o "Leão de Nemeia" .
Pode a União Europeia, desprovida de capacidade bélica relevante, sem um comando unificado que lhe dê suficiente consistência táctica e estratégica, vencer Putin e os seus amigos ou simpatizantes, alguns dos quais são membros da UE, a partir de 20 de Janeiro quando Trump e a sua trupe abandonarem os seus aliados desarmados europeus?
Hoje, penso que não pode, e a primeira vítima, vergonhosamente traída é a Ucrânia, o primeiro resistente a cair, o mais traído de todos, Zelensky.
A Federação Russa, que ocupa, de longe, o maior território do planeta, tem cerca de 144 milhões de habitantes; a União Europeia, cerca de 450 milhões, mas esta não será uma guerra que possa ser disputada corpo a corpo; mais que a força e a determinação seria, pela primeira vez na história da humanidade, a auto destruição da espécie humana o resultado mais provável de uma guerra global, mais uma vez, e, definitivamente, iniciada na Europa.
Alguém terá de ceder, alguém terá de assumir a ignominiosa posição de primeiro cobarde para declarar a rendição da Europa Livre. Não faltarão candidatos, Viktor Órban, indubitavelmente o mais credenciado, actualmente na presidência rotativa da União Europeia, aceitará orgulhosamente a incumbência de desempenhar o papel protagonizado por Pétain há 84 anos.
Falta saber quem será Hércules no segundo acto desta tragédia maior.
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act. - Ucrânia realiza primeiro ataque na Rússia com mísseis britânicos
As forças ucranianas levaram a cabo um primeiro ataque contra alvos
militares em território russo recorrendo a armamento britânico, avança a Bloomberg.Trata-se do primeiro ataque da Ucrânia contra a Rússia envolvendo o uso de mísseis Storm Shadow. A utilização destes mísseis na Rússia foi autorizada pelo Reino Unido
em retaliação pelo destacamento de tropas norte-coreanas para a
Ucrânia, onde se encontram a dar apoio às forças russas. Este episódio representa mais um passo na escalada da guerra, que
atingiu esta semana o milésimo dia desde que Putin ordenou a invasão da
Ucrânia em fevereiro de 2022. A semana tem sido particularmente tensa na região, depois de os EUA
terem autorizado também o uso de mísseis norte-americanos na Rússia.Em resposta, o Kremlin alterou a doutrina nuclear para alargar o
leque de possibilidades em que pode recorrer ao seu vasto arsenal
nuclear. c/p - aqui
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Alex Maxia
In Gothenburg, Sweden
On
Monday, millions of Swedes will start receiving copies of a pamphlet
advising the population how to prepare and cope in the event of war or
another unexpected crisis.
During the summer, Denmark's emergency management agency
said it was emailing Danish adults details on the water, food and
medicine they would need to get through a crisis for three days.
In a detailed section on military conflict, the Finnish digital brochure
explains how the government and president would respond in the event of
an armed attack, stressing that Finland’s authorities are “well
prepared for self defence”.
Sweden
joined Nato only this year, deciding like Finland to apply after Moscow
expanded its war in 2022. Norway was a founder member of the Western
defensive alliance.
Unlike Sweden and
Norway, the Helsinki government has decided not to print a copy for
every home as it “would cost millions” and a digital version could be
updated more easily.
“We have sent
out 2.2 million paper copies, one for each household in Norway,” said
Tore Kamfjord, who is responsible for the campaign of self-preparedness
at the Norwegian Directorate for Civil Protection (DSB)
Included
in the lists of items to be kept at home are long-life foods such as
tins of beans, energy bars and pasta, and medicines including iodine
tablets in case of a nuclear accident.
Oslo
sent out an earlier version in 2018, but Kamfjord said climate change
and more extreme weather events such as floods and landslides had
brought increased risks.
For Swedes,
the idea of a civil emergency booklet is nothing new. The first edition
of “If War Comes” was produced during World War Two and it was updated
during the Cold War.
But one message
has been moved up from the middle of the booklet: “If Sweden is attacked
by another country, we will never give up. All information to the
effect that resistance is to cease is false.”
It
was not long ago that Finland and Sweden were still neutral states,
although their infrastructure and “total defence system” date back to
the Cold War.
Earlier
this year he warned that “there could be war in Sweden”, although that
was seen as a wake-up call because he felt that moves towards rebuilding
that “total defence” were progressing too slowly.
Because
of its long border with Russia and its experience of war with the
Soviet Union in World War Two, Finland has always maintained a high
level of defence. Sweden, however, scaled down its infrastructure and
only in recent years started gearing up again.
“From
the Finnish perspective, this is a bit strange,” according to Ilmari
Kaihko, associate professor of war studies at the Swedish Defence
University. “[Finland] never forgot that war is a possibility, whereas
in Sweden, people had to be shaken up a bit to understand that this can
actually happen," says Kaihko, who's from Finland.
Melissa
Eve Ajosmaki, 24, who is originally from Finland but studies in
Gothenburg, says she felt more worried when the war broke out in
Ukraine. “Now I feel less worried but I still have the thought at the
back of my head on what I should do if there was a war. Especially as I
have my family back in Finland."
The
guides include instructions on what to do in case of several scenarios
and ask citizens to make sure they can fend for themselves, at least
initially, in case of a crisis situation.
Finns are asked how they would cope without power for days on end with winter temperatures as low as -20C.
Their checklist also includes iodine tablets, as well as easy-to-cook food, pet food and a backup power supply.
The
Swedish checklist recommends potatoes, cabbage, carrots and eggs along
with tins of bolognese sauce and prepared blueberry and rosehip soup.
Swedish
Economist Ingemar Gustafsson, 67, recalls receiving previous versions
of the pamphlet: “I'm not that worried about the whole thing so I take
it pretty calmly. It's good that we get information about how we should
act and how we should prepare, but it's not like I have all those
preparations at home”.
One of the most important recommendations is to keep enough food and drinking water for 72 hours.
But Ilmari Kaihko wonders whether that is practical for everyone.
“Where do you stash it if you have a big family living in a small apartment?”
O título desta nota é, tenho de reconhecer, talvez intencionalmente provocador mas não é mais do que a transcrição tão fiel quanto possível, do que ouvi anteontem Odemira.
A medição da produtividade é, à vista desarmada, conceptualmente muito simples.
Se observada com microscópio apropriado à natureza do objecto a observar é complicadíssimo.
Dediquei a este assunto várias notas neste caderno de apontamentos desde os seus começos há dezanove anos.
A observação microscópica levanta muitos paradoxos.
Um exemplo: Uma grande fatia, pelo menos metade, da riqueza produzida e retida em Portugal é atribuida à função pública? Como se mede essa mais ou menos metade?
É indiscutível que o problema maior da economia portuguesa é a falta de
produtividade que, neste caso, significa insuficiência de investimento
produtor de qualidade elevada.
Vi o programa "Factos que contam" mas também ouvi Mário Centeno
afirmar, além do mais, que há “números enganadores” quanto à capacidade
de Portugal reter jovens qualificados e ( ) que o país consegue ser um
receptor líquido de licenciados".
Ontem, passei por Odemira,
onde "há mais nepaleses que portugueses" disse-nos um grupo de
reformados sentados à beira do Mira. Numa livraria, quem nos atendeu
afirmou o mesmo o que nos disseram os velhos. Porquê?
Ora
porquê? Porque agora em Portugal só se formam doutores e engenheiros.
Se queremos um canalizador, um pedreiro, um pintor, não há. E porque há
nepaleses a viver, 25 ou mais em cada casa, porque ganham pouco.E se
quero abrir um negócio tenho que esperar e desesperar, a eles dão-lhe a
licença de um dia para o outro.
Mas por que é que não se veem portugueses a trabalhar onde trabalham nepaleses?
Ou em muitos outros lugares do país onde trabalham imigrantes não nepaleses?
Na região de Lisboa há imigrantes que possuem qualificações para os lugares que ocupam que muitos portugueses não têm.
Segundo os sucessivos relatórios anuais do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (acesso gratuito online), Portugal continua a descer no ranking porque pasmou na evolução do indicador da educação.
Aquela gente de Odemira, que fala assim, exagera, não tenho dúvidas, exagera.
Mas que o problema existe, existe.
E Centeno, entre muitos outros que devem saber do que falam, não parece reparar nele.
Recomendado por várias credenciais, fomos ver, mas saímos minutos antes do fim.
À saída, considerámos o filme repugnante.
Depois quisemos ver algum lado positivo. E de repugnante, não além mas apesar disso, considerámos a obra chocante. Chocante, porque trata um tema que não pode ser ignorado; mas que o realizador aborda com tanto excesso de brutalidade que torna repugnante a sua obra. - A SUBSTÂNCIA
A continuidade do Aliás depende do seu merecimento, avaliado por comentários, críticas, sugestões, correcções, de quem o lê.
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Anteontem, 6 de novembro, quando foram conhecidos e reconhecidos os resultados das eleições do dia anterior, 5 de novembro, um manto de vergonha cobriu quem foi surpreendido pelos resultados conseguidos por um arruaceiro infame num país onde aexpressão livre do pensamento perdura há duzentos anos.
Ontem, 7 de novembro, choveram trovoadas de explicações para o fenómeno político que, afinal, era, mais que esperado, era inevitável. Tão inevitável como as alterações climáticas sem culpa humana.
E o arruaceiro transfigurou-se em salvador de um mundo vicioso, depravado, que perdeu a alma.
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Obs. As fotos colocadas anteontem e hoje são, para mim, de autor desconhecido, razão porque não consigo identificar a sua origem.
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Correlacionado - Em 19 de agosto, cerca de três meses antes do dia das
eleições presidenciais nos Estados Unidos da América, J M Tavares escreveu no Público: Entre Trump e o Rato Mickey eu votaria no Rato Mickey.
A ameaça medonha que esta contradição anuncia não é o facto de ter sido escrita por J M Tavares. Não. A contradição espraiou-se globalmente revelando um mundo futuro povoado por cobardes subservientes dos autocratas em crescimento imparável.
A continuidade do Aliás depende do seu merecimento, avaliado por comentários, críticas, sugestões, correcções, de quem o lê.
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Ontem foi o dia do ódio.
E confirmou-se a primeira das duas hipóteses: Trump, vencedor em todas as frentes, é agora detentor de poder quase absoluto sobre os norte-americanos e os que, de um modo ou outro, confiaram nos compromissos assumidos nos tratados, comerciais ou políticos, subscritos pelos representantes máximos que os norte-americanos elegeram.
Hoje é o dia da vergonha.
Da vergonha dos muito instruídos, superiormente habilitados e, supostamente, inteligentes, que foram amplamente derrotados pelos deploráveis, ignorantes, sem formação superior.
Da vergonha da intelectualidade multicultural derrotada pelo supremacismo branco.
Da vergonha dos democratas europeus, incapazes de enfrentar a ambição imperialista de Putin, protegido de Trump, e suster o alastramento das autocracias que crescem a olhos vistos em solo europeu como há cem anos.
De vergonha dos que em nome dos democratas europeus se apressam a curvar-se perante Trump e nenhum, nem um somente, se apresenta hoje em Kyiv para estar ao lado do povo ucraniano, em qualquer frente e não apenas em lugares onde ainda subsiste alguma segurança perante os iminentes ataques russos, norte-coreanos, chechenos, e o que mais adiante se verá.
De vergonha das empresas de sondagens e dos meios de comunicação social que deram amplíssima expressão pública da sua escandalosa incompetência.
Das ridículas declarações, nem obrigatórias nem consequentes, feitas em nome dos portugueses, de, entre outros, do Presidente da República e do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Com noventa e muitos por cento de convicção de acertar, o dia de hoje passará à História do Estados Unidos da América e de todo o mundo livre, aquele onde é livre a expressão pública do pensamento, com particular destaque na História da Europa Democrática, como o DIA DO ÓDIO.
A razão da minha convicção é muito simples: sustenta-se no que afirmou, e continua recorrentemente a reafirmar, Donald Trump.
Se Trump ganha, movido pelo ódio que instilou na metade da sociedade norte-americana que o apoiou e continua apoiar, estilhaça a Europa com a entrega, para começar, da Ucrânia à voracidade sem freio de Putin.
Também ficarão estilhaçados muitos dos compromissos assumidos pelos Estados Unidos, tanto a nível interno como internacional.
Poderá, por exemplo, retirar o apoio dos Estados Unidos da América na NATO, incumprindo o artigo 5º. do Tratado? Legalmente, não pode. Mas como podem ser os Estados Unidos da América, incumpridores por vontade de Trump, obrigados a cumprir a lei?
Haverá diferenças nas consequências brutais entre uma vitória de Trump no Congresso sem maioria no Senado? Sem dúvida, mas as probabilidades dos republicanos passarem a deter maioria no Senado são muito elevadas. Também continuarão a ser muito elevadas as probabilidades do Trump manter o apoio incondicionalmente subserviente da maioria dos Juízes no Supremo Tribunal de Justiça.
Se Trump não conseguir a maioria no Congresso, o mais provável é que se repita, com consequências mais devastadoras para a democracia norte-americana, o assalto ao Capitólio, destruição física da Instituição, símbolo maior da democracia, e eliminação dos que resistirem aos facínoras comandados por Trump.
Começará então uma guerra civil por intervenção dos generais? A minha convicção não vai tão longe.
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A partir de hoje, o Aliás, que completou há dias 19 anos, só terá continuidade se merecer comentários, críticas, sugestões, correcções, de quem o lê.
Como qualquer veículo, agora só pode mover-se se tiver combustível que lhe permita avançar e boas razões para isso.
Metade dos norte-americanos são estúpidos, ouço dizer a alguém que reside nos EUA há mais de vinte e cinco anos e é, desde também há muitos anos, cidadã norte-americana.
Outra portuguesa, também residente há largos anos nos EUA, experiente na análise dos mercados de commodities, especialmente de cereais - deduzo das frequentes referências ao assunto num blog - afirma que
"As sondagens estão bastante próximas para se saber quem é o favorito,
mas com o Trump nunca se sabe se as sondagens são de confiança. Julgo
que o mais surpreendente é ver tantas pessoas que ainda o apoiam,
especialmente as pessoas mais religiosas. Entretanto, os mercados
agrícolas têm estado em queda na expectativa que ele ganhe e recomece a
disputa comercial com a China. Quem fica a ganhar é o Brasil,
especialmente se Trump for eleito, e a agricultura americana ficará um
passo mais perto do fim. Tem piada que Trump receba mais votos das zonas
rurais, que acaba por ser quem mais sai prejudicado com a sua política."
É sobejamente conhecido que nos Estados Unidos da América, mas não só porque se passa o mesmo em muitos outros lugares do mundo onde há livre escolha dos seus líderes, é muito frequente osresultados sejam maioritariamente decididos por aqueles que, aparentemente, mais perdem com as suas opções depositadas nos seus votos.
Hillary Clinton, quando defrontou Trump, considerou "deplorables", deploráveis, que causam tristeza, que inspiram dó, os que se preparavam para votar em Trump. E, talvez mais convictamente ainda, votaram em Trump. E Trump venceu.
Amanhã há eleições mas os resultados destas serão determinados, tem sido dito e redito, pelos votos dos eleitores nos swing states, que tanto podem cair para um lado como para o outro. São sete, mas o mais determinante, o que enviará mais delegados ao Colégio Eleitoral que elegerá o/a Presidente, é a Pensilvânia.
Na Pensilvânia votam nos democratas, neste caso em Kamala Harrys, a maioria residente nas áreas urbanas, onde os níveis médios de educação são manifestamente superiores aos residentes, menos instruídos, nas zonas rurais do mesmo Estado, que votam maioritariamente nos republicanos, neste caso em Trump.
Tanto os com mais como os com menos tempos de escolaridade, são livres de escolher, free will, livre arbítrio, segundo os seus próprios interesses mediatos ou imediatos. Por que razão é que a ignorância dos menos habilitados com informação suficiente que os habilite a escolher o que mais os pode beneficiar se sobrepõe aos votos dos melhor informados?
Por que razão não são os melhor informados capazes de informar seriamente os menos habilitados?
Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2024, com boas apreciações da crítica; fomos ver, ontem.
Escrito e realizado por um norte-americano, Anora é um drama em modo de comédia, muito oportuno num momento em que se, como parece vir a acontecer, Trump for amanhã eleito para um segundo mandato, por livre arbítrio dos norte-americanos. Nunca as relações russo-americanas, ou vice versa, foram tão ternas para ambos os parceiros, e tão preocupantes quanto impotentes para muitos dos que assistem ao desenvolvimento da trama que ameaça terminar, quando não se sabe, de modo trágico.
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Algures, em Nova Iorque, o filho de um oligarca russo, um rapaz de 20 anos, levado pelofree will que uma fortuna imensa incentiva, embala-se emlap dancescom umastrippere enrola-se com ela na cama em non stop-fuckingque dura três semanas.
Ela é usbeque-americana deBrigton Bridge,um enclave russófono na cidade de Nova Iorque. Porque tem conhecimentos rudimentares da língua russa, um dos empresários no negócio de prostituição encaminha-a para o rapaz russo.
Que de tão entusiasmado com a ocasional relação propõe que se casem em Las Vegas, onde os formalismos são escusados, e o casamento é selado com um anel com um diamante de muitos quilates.
A história do casamento da prostituta com o filho do oligarca dura apenas o tempo suficiente para, após alguns incidentes rocambolescos, de vulgar comicidade, o oligarca tenha o filho nas mãos e o casamento anulado em três tempos por dez mil dólares.
Uma ninharia para o oligarca, que levou o filho de volta a casa, na Rússia, para que ele cumprisse o fim para que fora concebido: oligarca, filho de oligarca.
Quanto a Anora, a prostituta usbeque-americana, continuou, por seu livre arbítrio, a deliciar olhares gulosos e desejos insatisfeitos.
Poderia o jovem oligarca ter escolhido, por seu livre arbítrio, outro caminho? Qual e porquê?
Poderia a jovem usbeque-americana ter optado por uma carreira diferente? Actriz, bem sucedida, por exemplo, como na vida real é? Poderia, mas essa seria outra história, por onde o seu livre arbítrio não a conduziu.
*
Livre arbítrio
é o poder que cada indivíduo tem de escolher as suas ações, que caminho
quer seguir. A expressão é utilizada por diversas religiões, como o
cristianismo, o espiritismo, o budismo etc.
Os deuses querem o bem dos indivíduos; os indivíduos são livres de querer e fazer o quiserem.
Formalmente, porque, como nessa mesma data se disse, o blog recebeu algumas reflexões minhas escritas tempos antes e que se tinham salvado do cesto dos papeis.
Por exemplo, a criação de uma listagem de blogues que, na altura, considerei mais relevantes, e que tenho mantido inalterada desde então.
A "blogosfera" sofreu, entretanto, tombos e rombos provocados pela emergência de outros meios mais sintéticos, mais convenientes a quem tem pouco tempo para pensar e, sobretudo, de expansão incontível e subterrânea.
Da lista de blogues iniciada, e sucessivamente alargada, pelos autores do "A Destreza das Dúvidas" constam hoje 85 títulos dos quais apenas 15 hoje subsistem com antiguidade de presença inferior a duas semanas. Também dos autores iniciais do "A Destreza ..." nenhum tem marcado presença nos últimos anos, estando agora a continuidade a ser assegurada por Rita Carreira, entrada anos mais tarde após a criação do "A Destreza ..."
Também na lista do "Aliás" a sobrevivência observada é idêntica.
São dois exemplos, apenas, pois são.
Mas que me parecem significativos da evolução da transmissão e discussão de ideias no mundo: uma evolução no sentido em que a lógica ponderada cede progressivamente lugar ao confronto emocional e irracional.
Entre dois mundos opostos, poderá o mundo tombar para o lado mais execrável, do ponde vista de quem preza o maior valor social da humanidade: a liberdade de expressão de pensamento, por oposição à tirania de ditadores, digam-se eles de esquerda ou de direita. Porque nenhuma ditadura tem dois lados.
Não há sondagens que significativamente difiram das apresentadas pelo Financial Times.
E, no entanto, segundo as sondagens, se as diferenças são mínimas e nos swing states podem tombar para um dos lados, as consequências poderão ser tremendas para os norte-americanos e para o mundo democrático, onde a expressão de pensamento é livre mas pode ser submersa pela vaga autocrática que se está a alastrar, aliás, como há oitenta décadas, por todo o mundo.
Já tinha dito isto, pois já. E não digo nem acrescento nada ao que a liberdade permite dizer. Por enquanto.
Há dias, espremia-se uma comentadora num dos canais da televisão pública (ou terá sido num canal por cabo?) que Trump não é um fascista porque ... e passou a esgotar o seu cardápio de razões que não colocam Trump ao lado de Mussolini ou Hitler.
Voltando à tremenda possibilidade de Trump ganhar a maioria no Congresso e a maioria no Senado, hipótese provável, segundo uns, altamente provável para outros, Trump, com o voto da maioria do Supremo Tribunal de Justiça, terá rédea solta para ir até aonde quiser. E ele, não nega, que quer ir até onde ao seu incomensurável ego der na gana.
Pelo que se sabe sobre o seu carácter (ou da falta dele) e pelo que demonstrou durante o seu primeiro mandato, não falta a Trump nenhum dos atributos que podem fazer dele um ditador narcísico, um deus terreno a quem todos devem devoção religiosa.
Exagero?
Era o que pensavam os que há cerca de oito décadas se curvaram perante auto arvorada divindade.
Terá, já tem aliás, dois concorrentes: Putin e Xi Jimping.
Um regime de triunvirato, também já o referi neste bloco de notas, terminou sempre com a eliminação de dois deles.
Um filme de horror de que não verei, nem quererei ver o fim.
A mira dos media, esteve e continua a estar, voltada, na maior parte do tempo, para o nosso umbigo.
O que é muito compreensível. Assustam-nos mais os acidentes próximos que os desastres longínquos.
E, também compreensivelmente, mas duma perspectiva diferente, os sustos são mais atractivos para o consumidor de imagens que os sucessos. E quem consome imagens consome os produtos publicitados entre elas.
Os estragos humanos e materiais provocados por um tiro mal pensado tem ocupado a maior parte do tempo em emissão e discussão que qualquer outro que possa, eventualmente, ter maior impacto social.
Dizendo isto não se diz que o caso não mereça reflexão. Porque merece.
Não sendo, nem de longe nem de perto, conhecedor dos factos, das motivações, dos ambientes, não vou resumir o que já foi dito e redito.
Mas o caso, muito longe de ser único ou original, recordou-me uma dúvida para a qual não encontro resposta, ainda que casos como este estejam, continuem e prometem continuar a estar, a ser observados, sobretudo tele-visionados, em periferias de cidades maiores e mais afluentes que as nossas.
Parto de uma explicação mais divulgada.
Os distúrbios são motivados, sobretudo, por filhos de imigrantes, nascidos portugueses, da segunda e terceira geração dos imigrantes iniciais.
A primeira geração adaptou-se porque procurou e encontrou meios de vida melhor do que os que tinha nos locais de onde saiu. Eventualmente, habitaram em bairros de barracas, melhoraram-lhe as condições de habitabilidade com a destruição das barracas e atribuição de uma casa com instalações minimamente condignas da sua condição humana. Mas a família cresceu, voltou a crescer, e, às tantas, há três famílias a habitar o espaço inicialmente previsto para uma.
Porquê?, pergunta um ignorante.
Porque a segunda e terceira gerações não encontraram meios que lhe pudessem, pelo menos, garantir um nível de vida proporcionado aos seus avós?
Por falta de trabalho?
Por falta de formação?
Por dedicação a actividades e hábitos ilegais germinados pelo desemprego generalizado no meio em que nasceram e cresceram?
Outra pergunta, do mesmo ignorante.
Se Portugal necessita de receber, e continua a receber, imigrantes, por muitas razões suficientemente divulgadas, por que razão não entram no mercado de trabalho os sem trabalho que habitam nos guetos que circundam as grandes cidades?
Sou mesmo ignorante, pois sou. À espera de informação que reduza o meu grau de ignorância.
Que nos arredores de Lisboa houve distúrbios durante a noite com viaturas incendiadas, caixotes do lixo queimados ...
Que ...tanta ameaça a acontecer, tanta revolta a repetir-se ...
Não faltam notícias aos media, que fazem da sua transmissão e retransmissão até ao tutano uma exigência da função e modo de ganhar meios de vida.
É a vida a acontecer entre um mundo a desconjuntar-se à vista de quem não seja cego e surdo, ao mesmo tempo anojado e, o mais das vezes, perversamente interessado no que ouve e vê.
A quase mais que certa vitória de Trump nas eleições de hoje a dez dias, por maioria de delegados no Colégio Eleitoral, dada pelos votos tangenciais em dois ou três swing states, ainda que o voto popular seja inutilmente maioritariamente atribuído a Harris, provocará um tsunami político global devastador.
Sem que ninguém, com suficiente capacidade para se fazer ouvir, avise a Humanidade que o caminho aponta para a sua autodestruição. Muitos dizem isso, mas o aviso perde-se por perto.
Quem é que, pelo lugar que ocupa e pelo conhecimento que tem das fragilidades que sustentam o precário equilíbrio da vida da humanidade inteira, pode fazer-se ouvir suficientemente bem longe?
Poderia ser o secretário-geral das Nações Unidas se o lugar fosse hoje ocupado por alguém suficientemente corajoso, livre de ideologias e preconceitos, para dizer a verdade, inequívocamente demonstrada mas muito limitadamente divulgada, mas esse não é, lamentavelmente, o perfil pusilânime de António Guterres.
Que, nas actuais condições, nem coragem tem para fazer o que deveria: demitir-se.
As funções de secretário-geral da ONU, desprovidas de poder de intervenção efectivo, nunca foram fáceis mas também nunca foram tão difíceis como nos tempos generalizadamente tempestuosos actuais porque também nunca a capacidade destruidora da vida no planeta atingiu os níveis em que se encontra agora.
Ao secretário-geral da ONU só resta um poder: o da palavra. A palavra que possa mobilizar a capacidade de insurreição dos jovens, aqueles que são os mais ameaçados pela capacidade de destruição global armazenada, à espera que a loucura ou o acaso acenda o rastilho.
Era esta a verdade que Guterres poderia e deveria dizer aos jovens mas é incapaz de dizer porque o seu estilo sempre o guiou para um equilíbrio na corda bamba.
Talvez o título da nota colocada hoje neste meu caderno de apontamentos possa parecer sensacionalista.
Não é essa a intenção. E não é, porque, a generalidade da opinião pública mundial reflectida nos mais diversos meios de informação não subterrâneos, aponta no sentido da eventual eleição de Trump provocar um tombo no precário equilíbrio geopolítico global capaz de precipitar uma guerra nuclear que será a próxima mas também a última.
Trump é um declarado apoiante de Putin com desprezo, como este, por todos os valores morais que caracterizam a civilização ocidental.
Que ou se subjuga aos dois ditadores ou resiste sem capacidade de resistência.
Um dos dois, Trump e Putin, perante a expectativa do terceiro candidato à liderança global, Xi Jimping, quererá ser único e a guerra nuclear será inevitável.
Se não, como?
Nunca na História da Humanidade o poder de um triunvirato subsistiu por largo tempo.
Tinha 14 anos quando li Fernão de Magalhães. O homem e sua ação (Biografia) 1938, de Stefan Zweig.
Ainda hoje considero esta obra o livro de aventuras maior que li.
A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, escrita 400 anos antes pelo grande aventureiro, ressente-se de algumas dúvidas, nunca claramente esclarecidas, sobre a veracidade de alguns episódios relatados pelo protagonista.
São incomparáveis porque se, por um lado, as acções relatadas nestas duas grandes odisseias foram quase contemporâneas, por outro, foi grande a distância entre os momentos em que foram escritas.
--- 26/10/24
A propósito...
Há 13 anos, anotei neste caderno de apontamentos um caso - Cábulas & Cª. - com, entre outro outros maus cábulas, o Psioca, distribuidor de um segredo.
Hoje, lembrei-me do Psioca a propósito da Odisseia de Fernão de Magalhães.
O
Psioca habitava em casa de um tio que, segundo se dizia, era
despachante oficial na alfândega local, que não tinha filhos e,
presumivelmente, adoptara o Psioca.
Nunca
soube nem procurei saber se aquele nome Psioca era herança do tio; o
que todos sabíamos é que o tio do Psioca era um coleccionador de livros
antigos, primeiras edições …, um bibliófilo.
Também nunca soube se o Psioca se interessava pela colecção do tio.
O que todos sabíamos era que o Psioca tinha uma capacidade de memorização de textos muito fora do comum.
Tanta,
que o professor de História, desconfiado com as suas respostas em
pontos escritos, quase ipsis verbis com o texto do livro único, o
chamava de vez em quando ao estrado para interrogatório, e confirmava-se
perante a turma que o Psioca um dia daria um magnífico actor. Com um
senão que, para a carreira artística, não seria obstáculo: o Psioca
reproduzia o que lia mas ficava bloqueado quando o professor, depois de
muito insistentemente ter ensinado a turma que, mais do que o relato dos
factos, importavam as causas que os determinaram e as consequências
deles resultantes.
Convenhamos
que o professor parecia esquecer-se que estava perante uma turma de
alunos na banda dos treze, catorze anos, e o Psioca decorava mas só
muito por acaso entendia o que dizia.
Há muitos casos assim.
Havia na sala uma estante, armário de pinho, um dois por dois, com prateleiras onde habitavam solitários cinco ou seis livros.
Um dia, pôs-se o prof a olhar por largo instante para a estante, e turma à espera de ver o que dali saía.
- Temos ali aquela estante, vamos tratar de
arranjar mais livros e passar a considerá-la a nossa biblioteca; trouxe esta porca de barro para recolha de moedas; à medida que a porca encher, compraremos livros
para a biblioteca; mas a biblioteca também não se importa que tragam
livros que ninguém costume ler lá em casa.
A
porca recolheu pouco, mas as estantes ficaram cheias em menos de duas
semanas: havia de tudo, mas sobretudo exemplares antigos e mal tratados do Mundo de
Aventuras e do Cavaleiro Andante, que foram deitadas na base da biblioteca lhe para
baixar o centro de gravidade e evitar que tanta sabedoria doada viesse a
tombar em cima de alguém em caso de ocasional encontrão.
O
Psioca, só à sua conta, encheu uma prateleira. O teu tio sabe disto?
Disto, de quê? Não, o tio não sabia, nem saberia, mais livro, menos
livro lá em casa, ninguém daria por isso.
Aquela
biblioteca sem espaço para mais doações era um orgulho para a turma.
Talvez para não diminuir a dimensão de tanto orgulho ou porque quanto
mais livros pela frente menor era a vontade de os ler, nem a chamada de
atenção de que os livros estavam na estante para serem retirados e
lidos, mobilizou a turma para a leitura.
Estávamos
em vésperas de férias de Natal e, para não ficarem mal vistos pelo prof, a maior
parte levou um livro para ler durante as férias.
Eu levei “Fernão de
Magalhães - biografia de Stefane Zweig”, uma primeira edição da obra em
português, adquirida num alfarrabista do Largo Trindade Coelho, em
Lisboa.
Seguramente, retirada pelo Psioca da colecção do despachante oficial, sr. Psioca, que tinha metido o recibo no meio do livro.