Concordo inteiramente que cimeiras regionais podem precipitar a desintegração europeia. Aliás, registei esse receio há alguns anos no meu caderno de apontamentos, quando já era muito visível que os alinhamentos políticos na União Europeia se faziam, e continuam a fazer, mais numa perspectiva Norte-Sul do que numa vontade maior de avançar com os meios indispensáveis a uma integração política mínima que, sem se sobrepor aos valores culturais de cada estado-nação, garantisse a coesão consistente de uma nacionalidade europeia.
É muito evidente que, por um ser um conjunto de nações culturalmente vincadamente diversificado, na União Europeia os interesses não são disputados acerca das medidas que podem fazer avançar o conjunto mas do confronto de interesses de cada país membro, alinhados sobretudo pelos valores culturais que historicamente se impregnaram no Norte protestante/calvinista e no Sul católico.
Quando em 2008 a crise latente irrompeu e as dívidas soberanas pareciam ter emergido de um dia para o outro, ninguém minimamente informado e mentalmente honesto pode negar que, sem uma cooperação eficaz e oportuna do conjunto, o problema se tornaria insolucionável. A resposta do Norte, carregada de muitas e reconhecíveis razões, foi exigente mas não foi adequada.
Os recursos voaram de sul para norte, enquanto a Norte se financiavam a taxas negativas a Sul pagavam, e pagam, juros com língua de palmo.
Por estas e muitas outras razões, se cimeiras a sul são mau presságio para o futuro da União Europeia, a convergência do Norte sustentada por preconceitos de superioridade moral já tinha abalado profundamente a estabilidade do edifício europeu quando a crise emergiu.
Crise que alimentou os nacionalismos e os seus rebentos espúrios desfraldam agora as bandeiras enroladas há décadas. Ensanduichada entre Trump e Putin, e Mrs May a ver no que vai dar, nas democracias europeias crescem trumpitos e putinitos ambicionando escaqueirar o edifício em construção.
De modo que, Caríssimo António, se a cimeira do sul foi uma masturbação política é porque, definitivamente, Norte e Sul europeus não se sentem bem na mesma cama e o divórcio será uma questão processual.
Lamentável e extremamente perigosa, ensina a História.
3 comments:
Caro Rui:
Portugal é que está à deriva, não a Europa, creio eu.
Poderás estar certo, mas não consigo dar-te toda a razão. Acontece que os do Norte, que têm apoiado os do Sul, ao longo dos anos, com dezenas e dezenas, talvez centenas, de milhares de milhões, começam a estar fartos dos dislates, desperdícios, má gestão destes últimos. Pior, começam a não aguentar as críticas de que, apesar do apoio,insistentemente são alvos. Por isso, meu caro Rui, bom seria que, em vez de perderem tempo em reuniões estéreis, para fazer de conta, olhassem para os respectivos países e fizessem as reformas necessárias. Mas isso, pelo menos por cá, é o que a geringonça quer menos, nem quer sequer ouvir falar. Claro que os do Norte entendem perfeitamente que, não havendo essas reformas estruturais, por mais reestruturações que haja, bastaria um ano ou dois para tudo voltar à situação de partida. Repara: primeiro, era o Pacto que era mau, depois que o limite de défice de 3% e os 60% da dívida uma estupidez,
o FMI uma imposição absurda, a Troyca, um abuso intolerável, os juros, especulação do capitalismo internacional, etc, etc. Continuemos assim, que vamos bem...
Se me dás alguma razão, Caríssimo António, talvez não estejam tão afastadas assim as nossas posições quanto à matéria.
Suponho mesmo que, enquanto o meu perclaro amigo centra a sua objectiva no tropeçar do andamento da carruagem doméstica eu entretenho-me a olhar para o tropeçar da europeia. Porque é esta última que, se descarrila,poderá acabar o período mais longo de paz entre europeus.
Quanto à origem e grandes responsáveis pelos níveis atingidos pelas dívidas soberanas no sul da Europa e Irlanda já concluímos há muito que estamos em desacordo.
Bom, discordemos então, amigavelmente!...
Todavia, concordamos em muito mais, felizmente!...
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