Caro J.A.,
Concordo inteiramente consigo: não é por falta de regulação que os banqueiros fazem as manobras que fazem e nos mandam a conta a casa quando os bancos dão de lado. Penso o mesmo há muito tempo. Tanto que já escrevi vários apontamentos sobre o assunto no meu bloco de notas - vd. p.e. aqui e (aqui) em Janeiro de 2009 (em Janeiro de 2010).
O que falta não são leis (quanto mais leis mais se lambem os advogados) mas a capacidade e competência para punir os infractores. Muita gente fala e escreve sobre o assunto - em Dezembro de 2009, Ben Bernanke, nesse ano considerado figura do ano pela Time, afirmava que "Too big to fail is one of the biggest problems we face in this country". Fez-se alguma coisa nos EUA ou no resto do mundo para resolver realmente o problema? Não fez. E não fez porque o sistema está subordinado aos interesses dos novos donos do mundo, aqueles que, mesmo depois do deflagrar da crise em 2008 continuam a apropriar-se de maiores quinhões de riqueza. São os "managers" das grandes corporações financeiras, e não só, que actuam de forma imparável e impune na ultrapassagem de quaisquer regras que encontrem pelo caminho*. A evolução desta apropriação desregrada está bem demonstrada em "O Capital no sec. XXI" de T. Piketty.
A Justiça (melhor dizendo, a falta dela) é a grande culpada de muitas mascambilhas a que temos assistido. E quando falo em "Justiça" falo em justiça em sentido lato, independentemente dos agentes incumbidos de velar pelo cumprimento das leis ou das regras. Neste sentido, os supervisores, e nomeadamente o Banco de Portugal, é um agente da justiça na medida em que lhe compete supervisionar e punir os infractores em tempo oportuno. Aos tribunais só chegam, quando chegam, os casos susceptíveis de procedimento criminal. E lá, a experiência demonstra, acabam por adormecer o sono dos coniventes até ao dia em que acordam libertados por prescrição.
Se repararmos no que se passou com todas as manobras banqueiras que contribuiram para a ruína da economia e assaltaram os bolsos dos contribuintes, há uma constante em todos eles: o falhanço da supervisão do Banco de Portugal. Por falta de leis? Por falta de regras? Não. Por falta de competência e de, perdoe o plebeísmo, tomates. Quando Ricardo Espírito Santo foi apanhado em falta de cumprimento de impostos ou no envolvimento em redes de branqueamento de capitais, deveria ter sido imediatamente suspenso das suas funções até averiguação final dos acontecimentos por falta de idoneidade bastante. A um banqueiro não basta ser sério, também tem de parecer ser sério. Mas a Constâncio Primeiro sucedeu Constâncio Segundo, e parece que, para eles, a indolência compensa.
As conivências entre o BES e a PT vinham de há muito tempo e qualquer auditora que não estivesse dependente dos humores dos auditados teria denunciado o exotismo daquelas relações. A ninguém, minimamente envolvido na supervisão, auditoria e revisão de contas (ninguém fala no papel de embrulho dos ROC) do BES poderia escapar uma situação tão evidente: o financiamento do BES ao GES, a triangulação de empréstimos entre o BES, o GES e a PT. Além de muitas outras triangulações, porventura menos salientes.
Há dias, um desavergonhado, advogado, membro não executivo do CA do BES afirmava em entrevista do jornal i que todos os membros entravam mudos e saíam calados das reuniões. Num país onde houvesse o mínimo respeito pelo cumprimento das regras este fulano deveria ser imediatamente chamado a prestar declarações à polícia. Porque ele, enquanto membro do CA de um banco, e o facto de ser membro não executivo não o iliba de responsabilidades, se testemunha que o CA não cumpria as suas obrigações, ou fala verdade - e deve ser punido por incumprimento dos deveres que lhe competiam - ou não, e deve ser punido por perjúrio.
Mas nada disto vai acontecer.
Acontecerá o costume: pagam os mesmos a factura.
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*Um caso paradigmático da perversa conivência entre gestores e accionistas maioritários é o conluio entre Ricardo Espírito Santo e Zeinal Bava que, obviamente, terminou quando o primeiro deixou de servir aos interesses do segundo.
A falta deles é uma desgraça nacional.
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Correl. Regulatory revenge risks scaring investors away
Os investidores não são adeptos de regulamentos. Solução: separar bancos de depósitos dos bancos para operações especulativas e produtos eventualmente tóxicos.
2 comments:
Caro Rui
Por muito que os analistas, os altos gestores reunidos anualmente em Davos e homens bem intencionados como tu venham a apontar culpas e a imputar responsabilidades a questão do "too big to fail" irá manter-se e, a coberto disso, continuarão as manobras de apropriação indevida de riqueza por parte dos DDT que põem e dispõem até na nomeação dos Contâncios.
Parece não haver dúvidas que o financiamento da economia deve ser considerado um Serviço Social. Como tal a questão fundamental é se pode este serviço social ser correctamente assegurado pela iniciativa privada.
Tudo parece indicar que não.
Sempre a considerar-te
Luciano
Caríssimo Luciano,
Obrigado pelo teu comentário.
Não me parece que a nacionalização da banca, solução que entendi que propões, seja a mais conveniente.
A condição humana não é menos infractora na função pública que na actividade privada. E não sei se é mais. A banca pública não garante mais segurança aos depósitos que a privada. A CGD é exemplar do que afirmo: seguiu o rebanho e atolou-se. Teve que ser recapitalizada, e em grande.
Passar a banca privada a pública apenas muda as moscas ...transitoriamente, porque as moscas acbam sempre por ser as mesmas.
Não, Luciano. A solução está em separar as águas: bancos sem actividades especulativas e os outros. Se está provado que os bancos produzem e distribuem produtos tóxicos, a única forma de evitar a imunização do sistema destes produtos é garantir os depósitos apenas dos bancos que não tocam nem em produtos tóxicos nem utilizam canais intoxicados.
Se há produtos alimentares biológicos por que não se estimula a criação de bancos sem casinos no seu interior?
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