Thursday, May 22, 2014

À ESPERA DE QUEM OU DE QUÊ?




Em Janeiro de 2009 anotei aqui:
"...
Uma conclusão parece admissível: Se o Mississípi se endivida (ou a Califórnia) para além do seu nível de resistência (a partir do qual alguma coisa tem de acontecer que inverta a tendência) o consumo e o investimento retrocedem, o desemprego aumenta e a emigração acelera. O Mississípi não emite moeda. Se a dívida externa portuguesa continua a progressão ao ritmo actual alguma coisa acontecerá porque é impensável que possa crescer indefinidamente. E a emigração não parece ser (não parecia mas está) a válvula de escape, sobretudo nas actuais circunstâncias. Alguém sabe que saída vislumbra Vítor Constâncio? Ou, mais metodicamente, alguém sabe fazer umas contas?"

Hoje, soube-se -Vd. Boletim Estatístico do Banco de Portugal, cit. aqui, que

"A dívida pública portuguesa subiu para 132,3% do PIB no primeiro trimestre deste ano face a 129% no fim de dezembro, segundo o Banco de Portugal (BdP). A dívida pública, na óptica de Maastricht, situava-se em 220.684 milhões de euros no final de março, refere o Boletim Estatístico do BdP. O governo estima, no Documento de Estratégia Orçamental, que a dívida pública feche este ano em 130,2% do PIB, começando a cair em 2015 para 128,7% e chegando a 116,7% em 2018." 

As eleições para o PE já arrancaram hoje no Reino Unio e na Holanda. No fim do próximo domingo ficarão eleitos todos os deputados europeus. Depende de algum modo dos resultados destas eleições a capacidade do nosso país inverter a tendência de progressão da dívida pública? Não depende. Os senhores deputados europeus em matérias sensíveis não riscam nada. Então depende de quê? ou de quem? Ouço alguém responder-me que depende de nós. Pergunto: como?, e ninguém me responde com contas feitas.

Pelas minhas, há muito tempo que calculo que, ou há reestruturação da dívida, com alongamento de prazos a perder de vista e juros suportáveis, ou a carga virará de lado de vez.


11 comments:

Anonymous said...

1 - A crise financeira

Mão amiga fez-me chegar a notícia deste livro:

Capital in the twenyy-first century de Thomas Piketty

Este livro é um sucesso súbito nas vendas da Amazon, está no Top!

E porque essa pessoa me enviou o link? Porque esse livro expõe aquilo que eu já disse há muito tempo: que o crescimento da fortuna dos ricos acima do crescimento do PIB asfixia a economia porque necessariamente implica o empobrecimento de uma parte crescente da população. Para resolver o problema o autor do livro propõe uma taxa de 80% sobre os ricos.

Ele viu bem o problema mas a solução que propõe parece difícil de aceitar; embora seja algo no sentido do que a França está a fazer.

Este problema não é novo; o que é novo é alguém o expor ao “povo”.

O problema não existia dantes: e por isso, até há umas décadas, toda a população enriqueceu, o que está a servir para os opositores de Thomas Piketty dizerem que ele está errado, que o “sistema” tem funcionado bem; mas não está, o que acontece é que antes havia uma grande diferença no funcionamento da sociedade.

Como já expus em vários posts, o sistema liberal tende fatalmente para uma desigualdade crescente que reduz progressivamente o fluxo económico e acaba por o asfixiar, se não existir um mecanismo de compensação que redistribua a riqueza. O ponto crítico é quando o crescimento de riqueza dos 20% mais ricos ultrapassa o crescimento do PIB, pois esse é o ponto em que o empobrecimento dos povos começa – até aí, vão enriquecendo todos, embora uns mais do que os outros (a realidade é mais complexa, mas isto é o essencial). Esse ponto crítico, esta "linha vermelha", foi ultrapassado, no ocidente, no começo deste século.

O que os economistas dos EUA pensaram então foi desenvolver uma economia dos Ricos: deixar cair parte da população na pobreza e criar um fluxo económico só entre os ricos, baseado em produtos de luxo – foi quando as grandes instituições financeiras andaram a fazer a apologia da plutocracia. A Alemanha pensou uma coisa diferente: aproveitar o empobrecimento para ter mão de obra barata para o fabrico de produtos de exportação para o resto do mundo, onde, ao contrário do ocidente, o mercado é crescente e a população está toda a enriquecer – daí a teoria da re-industrialização da Europa. A Alemanha tinha condições únicas para isso porque numa democracia não se pode ter mais de metade da população a empobrecer; porém, a Alemanha pode ter a população de grande parte da Europa a empobrecer desde que só uma minoria dos alemães empobreça porque quem governa a Alemanha governa a Europa. Apesar de ter eleições, a Comunidade Europeia não é uma Democracia. O sistema europeu equivale a um sistema político em que o primeiro-ministro é quem for mais rico e tem como objetivo de governação maximizar a sua riqueza pessoal.

Anonymous said...

Quem manda na Europa não é a Merkel? Votámos nela? Ela defende os nossos interesses, é responsável por nós?

Eu disse atrás que este problema do empobrecimento dos povos não existia dantes; nem dantes nem existe em parte nenhuma do mundo exceto nos países Ocidentais. Porquê?

Há um mecanismo eficiente de compensação do crescimento da desigualdade económica: O Banco Central vai imprimindo dinheiro à medida que a Economia cresce e entrega este dinheiro ao Estado, que o introduz na Economia “por baixo”: em obras públicas, na promoção da igualdade de oportunidades, na investigação científica e tecnológica, na cultura, nas artes, nos apoios sociais. Desta forma, e dependendo do montante de dinheiro novo impresso, se limita o ganho dos ricos por desvalorização da moeda e se aumenta o dinheiro no bolso dos outros. Assim, todos vão ficando mais ricos. Claro que isto não chega, havia muitas outras medidas para controlo do crescimento da desigualdade que foram abolidas com a Globalização, pois cada país passou a querer ter as pessoas e as empresas mais ricas para melhor competirem à escala global.

Compreendamos: antes da Globalização, o crescimento da economia dos grandes países dependia do mercado interno e, logo, combater o crescimento da desigualdade era imperioso; depois da Globalização, os grandes países quiseram ter as empresas mais fortes no mundo e o crescimento da desigualdade passou a ser um objetivo e não um problema.

Como é que este mecanismo de o dinheiro novo ser injetado “por baixo” se degradou?

A atividade bancária tem riscos, que foram agravados pela liberalização e globalização da economia – neste mundo em competição algo selvagem, a taxa de insucesso empresarial aumenta. Para cobrir estes riscos, os juros não podem ser baixos. Ora o preço do dinheiro é uma condicionante fundamental da competitividade. Então a solução para aumentar a competitividade global das empresas foi o Banco Central usar o dinheiro novo para cobrir o crédito mal-parado. Com este “chapéu de chuva”, os juros caíram. Por outro lado, o Banco Central passou a emprestar (em vez de dar, de forma mais ou menos camuflada) o dinheiro novo ao Estado, que passou a ter uma dívida ao Banco Central e que vencia juros. Isto, porém, é uma dívida virtual porque o Estado é o dono do Banco Central: os juros que paga recebe de volta como lucros do banco, e a dívida não é para amortizar, é meramente contabilística. É por isso que o Japão tem uma dívida pública de 250% do PIB e essa dívida não é problema nenhum para o Japão.

Este processo teve, porém, uma grave consequência colateral; os banqueiros rapidamente descobriram que facilmente engordavam as suas contas pessoais em offshores através das comissões que recebiam para empréstimos e investimentos inviáveis. No fundo, o que se passou é que o dinheiro novo impresso pelo Banco Central deixou de ir para o Estado e passou a ir para as habilidosas mãos dos financeiros. O mecanismo fundamental de redistribuição de riqueza deixou de existir, foi parcialmente apropriado pelos ricos.

Esta é a génese da crise financeira: o investimento altamente especulativo e ruinoso dos financeiros, que enriqueceu os financeiros e empobreceu a restante população; e que estoirou quando as pessoas, por terem empobrecido, deixaram de alimentar a especulação.

Anonymous said...

2- A Crise do Euro
A crise do Euro é algo de muito diferente, não tem nada a ver com a crise financeira mas é algo que se soma a ela. Em que consiste?

A quantidade de dinheiro novo que um Banco Central imprime está limitada pela desvalorização da moeda; com o Euro põe-se o problema de saber como é que o banco central de cada país do euro pode imprimir dinheiro novo, uma vez que com o euro esse equilíbrio entre produção de moeda e desvalorização desaparece: os benefícios vão todos para quem imprime e os prejuízos para todos os países do euro. Havia que estabelecer regras sobre a quantidade de dinheiro novo que podia entrar na economia de cada país. Em vez disso, optou-se por uma solução simples e radical: o BCE é que imprime e está proibido de financiar qualquer Estado. Assim se evitaram infindáveis discussões sobre o que cabe a cada um.

Burrice!

Os espertos banqueiros viram imediatamente aqui uma oportunidade de ouro: sem o suporte do Banco Central, os Estados do Euro ficavam completamente à mercê dos juros que lhes exigissem. Criaram-se logo aplicações e fundos para especular com as dívidas soberanos dos países que não tinham como fugir, os quais garantiam aos seus subscritores juros elevados. O ataque começou no dia em que entrou em vigor o Tratado de Lisboa. Foi um ataque planeado com antecedência e eu sei disso com certeza absoluta porque fui convidado para ele, por isso não me contem histórias da carochinha nem me digam que foram os "mercados" - os ganhos já estavam calculados antes do ataque começar. A CRISE DAS DÍVIDAS SOBERANAS FOI UMA MANOBRA ESPECULATIVA DA BANCA, PURA E SIMPLES, E NÃO TEM NADA A VER COM CONTAS PUBLICAS OU COM A CRISE FINANCEIRA.

Porque é que esta manobra se tornou possível de repente?

Porque os países europeus deixaram de ter moeda própria. Moeda própria está indissociavelmente ligada ao controlo do Banco Central. Nós não trocamos a nossa moeda própria pelo euro – nós deixamos de ter moeda! Isto é assim porque não temos qualquer controlo sobre o BCE, o qual está inclusivamente proibido de fazer a função mais importante do Banco Central, que é defender a economia do país.



(aqui tenho uma dúvida: será que isto foi tudo preparado politicamente para destruir os estados europeus, de modo a transformá-los em protetorados alemães? Porque razão se apressou o Durão Barroso em vir ao Euronews afirmar que a crise das dívidas soberanas era global quando sabia perfeitamente que era exclusiva dos países europeus? Porque é que ele quis esconder que se tratava de um problema europeu?)

Anonymous said...

Com o Tratado de Lisboa, na prática, o que se passou é que passamos a usar como moeda o marco alemão, rebatizado de “euro” – uma moeda e um banco central ao serviço dos interesses da Alemanha.

Melhor seria adotarmos o dólar – de certeza que o Fed não permitiria estes ataques especulativos.
Deixo a ideia: aderirmos ao Dólar! Se é para prescindirmos de ter moeda, antes o dólar do que o marco
A europa do norte têm propositadamente tentado confundir o ataque especulativo com a crise financeira, porque eles estão a beneficiar do ataque. Não nos deixemos enganar: só os países do Euro têm o problema da dívida soberana. A crise financeira, ao contrário, é um problema da Banca, não é dos Estados – só é dos Estados porque estes são chamados a resolvê-la.

Compreendamos pois claramente quais são os problemas. Eles são 3, a saber:

1 – por se terem degradado os mecanismos de combate ao crescimento da desigualdade, esta atingiu um ponto em que a maioria da população começou a empobrecer; este empobrecimento estrangula o fluxo económico e faz a economia entrar em recessão;

2 – os banqueiros andaram a enriquecer ilicitamente através de processos especulativos e investimentos ruinosos e que eram escondidos em aplicações imobiliárias e “produtos complexos”; estes processos, como qualquer esquema de “pirâmide”, estoiraram quando as pessoas, por terem empobrecido, deixaram de os poder alimentar, colocando o sistema financeiro em estado de falência;

3- os países do Euro são os únicos no Mundo que não têm o suporte do Banco Central para a sua moeda própria e, em consequência, tornaram-se vítimas de um processo especulativo organizado pelos banqueiros com a mesma eficiência com que organizaram os outros processos especulativos todos.

Os EUA só têm os dois primeiros problemas e estão a resolvê-los da forma básica: imprimindo muito dinheiro para 1 - colocar nos bolsos do povo, e 2 - tapar os buracos bancários. Imagino que paralelamente tenham mudado os processos de fiscalização bancária mas ainda não vi que tenham alterado o sistema de redistribuição de riqueza; mas como o mandato do Fed é para maximizar o crescimento da economia e este só é possível combatendo a desigualdade, cedo ou tarde chegarão lá. Para já, estão a tratar os sintomas da doença, sem terem verdadeiramente atacado a doença.

Anonymous said...

Na Europa, a Alemanha viu nisto uma oportunidade de ouro para os seus objetivos de dominação europeia e obtenção de mão-de-obra barata (viu ou criou?). Que outra coisa podia fazer a Alemanha senão aproveitar? A Merkel é chanceler da Alemanha, não da Europa. A culpa não é da Alemanha, é do sistema europeu – este é que tem de ser mudado, isto é o que os deputados europeus deviam ter defendido mas não fizeram, por incompetência e por estarem ao serviço dos financeiros – o PSD (e similares europeus) é o partido da Banca, defende os interesses dos financeiros. (solidariedade é um conceito mais ou menos inexistente nos povos do norte; acham que cada um tem obrigação de saber defender os seus interesses).
3 - Vamos às Soluções
Como é que se resolve o problema europeu? É coisa transcendente, muito complicado?
Nada disso, é facílimo, tão fácil como resolver os outros dois.
Há várias soluções mas a que me parece mais simples é o BCE emprestar aos Estados nas mesmas condições em que está a emprestar à Banca – com uma taxa de juro de 0,25%, como têm os bancos, passávamos a ter um saldo de uns 5% nas contas públicas. Isto para já, porque depois é preciso ir mais longe, para colocar os estados europeus em igualdade de condições com os outros países cujo banco central é o financiador do Estado. (claro que não é tão simples assim, é preciso impôr limites; mas bastaria que o BCE financiasse a dívida até ao montante que se considera "saudável" de 60% do PIB; ou até à percentagem da dívida alemã, para colocar os países em situação semelhante pois, como se sabe, os "mercados" não se atrevem a cobrar juros à Alemanha pois se o fizerem logo as regras mudarão).

Claro que esta solução acabava com esta “galinha dos ovos de ouro” da Banca; por isso, enquanto a Europa estiver dominada pelos partidos da Banca, ela nunca acontecerá (a não ser que a Merkel o decida). Note-se que esta "galinha dos ovos de ouro" é uma miragem, a ideia de que a economia europeia pode prescindir do mercado interno é uma burrice e, logo, também os bancos europeus empobrecerão com os europeus)

Anonymous said...


Percebe-se como estas eleições europeias são importantes para a Banca. É por isso que os juros baixaram – não por causa de haver muita liquidez e outras pseudo-explicações que os “especialistas” dão. Os economistas de serviço querem sempre passar a ideia de que o sistema financeiro é impessoal, depende de grandes leis económicas mas não é nada disso – depende do interesse e das manipulações de um número muito pequeno de pessoas, os tais “credores” que são tão poucos que dá para renegociar com eles as dívidas ou para eles imporem condições.

O atual caminho é suicidário para nós. Se os portugueses já empobreceram uns 20% com esta política, isso significa uma redução igual na massa coletável (os ricos não pagam impostos; mesmo a classe média alta foge facilmente). Qualquer ideia de equilibrar as contas públicas com este caminho é pura miragem – podem reduzir o défice num ano à custa de um “brutal aumento de impostos” e um “brutal corte nas funções do Estado” mas no ano seguinte isso vai-se refletir numa “brutal redução da massa coletável” e consequente redução das receitas do Estado. E os juros da dívida estarão sempre colocados no nível de estrangulamento. O empobrecimento dos povos determina o fatal empobrecimento dos Estados.

A ideia dos banqueiros é só uma; acabar com os Estados. Querem o dinheirinho todo para eles.

A Humanidade viveu quase sempre dividida entre os senhores que tudo tinham e os povos que nada tinham. Apenas durante curtos períodos houve surtos de desenvolvimento, e sempre decorrentes de Estados fortes. Enfraquecendo o Estado, voltaremos a ter de comer sopa de erva porque o Estado é a organização dos povos, os ricos apenas precisam de uma polícia para defender os seus interesses, não precisam de um Estado.
4 - Que Fazer?
O cidadão comum não pode apontar o dedo aos políticos ou aos banqueiros; isto está tudo legitimado pelo voto. Quando se elege a raposa para guardar a capoeira…

A raposa anda agora empenhadíssima em convencer as galinhas a escolherem-na novamente para guardar o galinheiro, certa que está que as galinhas são estúpidas como portas. E nem precisa de convencer muitas: mesmo que a abstenção seja de só 40%, só precisa de 30% dos votos para a maioria absoluta; e quase 20% são garantidos, são os dos que enriquecem com o empobrecimento dos outros 80%. Portanto, só precisa de convencer aí 10% das galinhas. Está no papo.

Rui Fonseca said...

Anonymous,

Obrigado pelo seu extenso e muito sumarento comentário, com o qual concordo em larga medida. Tão sumarento que vou dedicar ao assunto um apontamento nos próximos dias.

Martin Wolf escreveu no FT um artigo a 15 Abril sobre o livro de Piketty, subscrevendo muitas das suas conclusões, em 24 de Dezembro John Gapper (Pope. Is wrong)cita Piketty de modo contrário. Em Junho de 2008 recolhi neste caderno de apontamentos um artigo de Robert Reich (vd. http://aliastu.blogspot.pt/2008/06/explicacao-da-queda_27.html
que cita Piketty para explicar o que se estava a passar em meados
de Junho de 2008.
---
Refere que tem escrito vários posts sobre o assunto. Podemos saber onde?
Tenho a ideia que já uma vez lhe fiz esta pergunta a propósito de um outro comentário seu. Não é verdade?


Rui Fonseca said...
This comment has been removed by the author.
Rui Fonseca said...

(Adenda ao comentário anterior)

Curiosamente, o FT publica hoje
um artigo também crítico das teses de Piketty e uma resposta deste.

Aqui:

http://www.ft.com/intl/cms/s/2/e1f343ca-e281-11e3-89fd-00144feabdc0.html#axzz32Z2Hdezh

Entre gente deste calibre conseguiremos acrescentar alguma coisa?
Vou tentar.

Rui Fonseca said...

e, in Público de hoje, 23/5

O Financial Times publicou nesta sexta-feira um longo artigo em que explica ter encontrado vários erros nas fórmulas e nos dados usados pelo economista Thomas Piketty no aclamado livro O Capital no Século XXI, que analisa a desigualdade de rendimentos e riqueza nos últimos 200 anos na Europa e nos EUA.

As fontes e as folhas de cálculo usadas por Piketty foram disponibilizadas pelo próprio na Internet. O editor de economia do jornal britânico, Chris Giles, debruçou-se sobre aquele material e diz que Piketty se enganou a copiar alguns números, que fez ajustes às fórmulas para que os resultados sustentassem a tese do aumento da desigualdade, que recorreu a dados de anos errados para extrair conclusões e que apresentou gráficos com dados para períodos em relação aos quais não existe nenhuma fonte.

“Quando estava a escrever um artigo sobre a distribuição da riqueza no Reino Unido, notei uma discrepância séria entre a concentração de riqueza contemporânea descrita em O Capital no Século XXI e aquela que estava nas estatísticas oficiais do Reino Unido”, escreve o jornalista, explicando que isso o levou a analisar as contas do economista francês. “Descobri que as estimativas dele de desigualdade na riqueza – a peça central de O Capital no Século XXI – estão minadas por uma série de problemas e erros. Alguns assuntos são problemas de fontes e de definições. Alguns números parecem ser simplesmente tirados do ar”.

Numa resposta escrita ao jornal, que foi publicada na íntegra, Piketty começa por afirmar que colocou os ficheiros online porque quer “promover um debate aberto e transparente” e argumenta que se tivesse algo a esconder não teria disponibilizado aquela informação.

Rui Fonseca said...

“Tal como escrevi claramente no livro, no apêndice online e nos muitos artigos técnicos que publiquei sobre este tópico, é preciso fazer uma série de ajustamentos às fontes de dados para as tornar mais homogéneas ao longo do tempo e entre países”, prossegue Piketty (cujo livro será tema de um trabalho na revista 2 deste domingo). “Tentei no contexto deste livro fazer as decisões e escolhas mais justificadas sobre as fontes de informação e ajustamentos”. O economista admite que as fontes de informação históricas existentes sobre riqueza precisam de ser melhoradas, mas diz que ficaria “muito surpreendido se alguma conclusão substantiva sobre a evolução de longo prazo das distribuições de riqueza fosse muito afectada por estes melhoramentos”.

Na resposta, Piketty remete também para um artigo científico recente de dois investigadores (um da Universidade de Berkeley e outro da London School of Economics) sobre a desigualdade de riqueza nos EUA. O autor nota que as conclusões a que este trabalho chega são semelhantes às que estão no livro.

Os erros a que o Financial Times se refere dizem respeito aos dados relativos à riqueza, sobre a qual o autor já tinha admitido haver menos fontes de informação. O livro analisa também a evolução do rendimento. A principal tese é a de que o retorno do capital é superior ao crescimento económico e que a riqueza tende a concentrar-se numa minoria. O livro tornou-se um best-seller, tendo recebido vários elogios de outros economistas, incluindo do Prémio Nobel Paul Krugman, embora também tenha sido alvo de várias reparos. O colunista do Financial Times Martin Wolf, por exemplo, tinha destacado a importância do livro, mas referido “fraquezas claras” em algumas das ideias do autor. No entanto, esta crítica não se referia às conclusões estatísticas.

Chris Giles aponta muitos pontos que considera errados nas folhas de cálculo de Piketty. Numa delas, os números sobre a concentração de riqueza nos EUA em 1908 não são os que estão na fonte indicada pelo próprio economista. O jornalista sugere que se tratou de um simples erro de transcrição, já que o valor é igual ao de outro ano na tabela original. Num outro caso, o jornalista observou ajustamentos "arbitrários" e não explicados nas fórmulas. Por exemplo, à fórmula para calcular a percentagem de riqueza detida pelo 1% de pessoas mais ricas dos EUA em 1970 foram somados dois pontos percentuais. Ainda numa outra das muitas falhas descritas, o jornal diz que Piketty usou dados de 1935 da Suécia como se fossem valores para o início daquela década, procedimento semelhante ao que fez para outros países e anos.

http://www.publico.pt/economia/noticia/financial-times-diz-que-ha-erros-nos-dados-do-economista-thomas-piketty-1637268