Friday, May 23, 2014

O DIREITO DE NÃO VOTAR

O direito de votar, essência do exercicio democrático, é também um dever cívico? Não é.
Um direito nunca pode constituir um dever ainda que o seu exercício possa implicar, e frequentemente implica,  a assunção de um ou mais deveres. Decorre do direito de votar algum dever para além daqueles que formalizam esse direito, o dever de se inscrever nos cadernos eleitorais, por exemplo? Não decorre. Em alguns países, onde vigoram regimes pseudo democráticos, o voto é obrigatório por lei. Neste caso a lei não concede ao cidadão eleitor um direito porque lhe impõe um dever, o dever de votar.

Do direito de votar não pode decorrer o dever, dito cívico, de votar. Se o cidadão é livre de expressar o seu voto, pode expressá-lo votando ou não votando, isto é, abstendo-se. Pode a abstenção fundar-se na rejeição de qualquer das candidaturas sujeitas a sufrágio ou simplesmente de ausência de motivação ou conhecimento suficiente para discernir acerca da sua opção de voto. A abstenção é, neste caso, democraticamente mais válida do que o voto daqueles que são empurrados a votar sem que tenham uma percepção aproximada sequer do sentido que deram ao seu voto.

Afirmar, como ouço frequentemente afirmar em Portugal, que um elevado nível de abstenção é sintoma de uma democracia debilitada só não é uma refinada tolice porque a caça partidária ao voto procura empurrar o maior número possível de indecisos para os seus redis. Nos EUA, por exemplo, os níveis de abstenção são geralmente elevados e ninguém dirá, com propriedade, que a democracia norte-americana alguma vez esteve ameaçada por isso.

Há, no entanto, em Portugal uma irregularidade crónica nos cadernos eleitorais que adultera os valores de abstenção. Estarão agora inscritos 9,5 milhões de eleitores, um número claramente exagerado. Corrigir esta situação, que se arrasta desde as primeiras eleições democráticas, é um dever cívico a que deveriam ser chamados a cumprir periodicamente os cidadãos, de dois em dois anos, por exemplo. Por que razão não é cumprido esse dever é uma resposta com que, manhosamente, nenhum partido se parece importar.

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