Saturday, February 09, 2008

JUDISSE

José Miguel Júdice aproveitou a sua condição de colunista do Público para, na sexta-feira passada, se insurgir contra aquilo que ele considera uma calúnia: ter o vereador Sá Fernandes declarado que o Eleven, um restaurante de luxo construído em terrenos da Câmara no cimo do Parque Eduardo VII, no filet mignon da cidade, paga de renda 550 euros por mês, incluindo fornecimento gratuito água pelo município. A concessão é por 20 anos, e o edifício reverterá para a posse da edilidade no fim do prazo de concessão. Para além das declarações televisivas de Sá Fernandes, incomodou-o "depois uma insinuação reles da deputada Teresa Caeiro.
.
José Miguel Júdice poderá ter todas as razões e mais uma para se indignar mas é ineludível que o negócio em que é parte apresenta contornos suspeitos: Ele não soube, na oportunidade, da realização do concurso público lançado por João Soares para a construção de um restaurante de luxo naquela zona da cidade. Só soube, mais tarde, através da informação de um amigo do seu filho mais velho, que o vencedor incluía um arquitecto, e o arquitecto queria vender o projecto com a condição de ser ele o arquitecto da obra. Aí JMJ juntou "um grupo de amigos dispostos a dar a Lisboa um restaurante de grande qualidade (e realmente um ano depois de abrir ganhou uma estrela Michellin, ainda hoje a única em Lisboa).
.
Investiram "quase dois milhões de euros num edifício que reverterá para o município no final da concessão, valorizado" .
Lamenta-se JMJ que "para muitos portugueses, tudo e todos recebem favores, são corruptos; se têm algum sucesso não é por mérito, jeito, trabalho ou sorte, antes isso é prova irrefutável de desonestidade".
.
Vamos lá por partes:
JMJ é uma pessoa superiormente inteligente, para além de um causídico de grandes contratos, uma grande parte dos quais envolvendo o Estado.
.
JMJ sabe perfeitamente que não é normal que a Câmara tenho adjudicado um projecto, que se pretendia de elevada qualidade culinária, a uma sociedade liderada por um arquitecto que, afinal, apenas estava interessado na arquitectura da obra. Se a Câmara queria dotar a cidade com o tal restaurante capaz de figurar no Michelin, dando-lhe o privilégio da instalação naquele local, o mais natural (do ponto de vista do confiante cidadão comum) seria a exigência da participação no projecto de alguém também com credenciais na cozinha. Porque, é irrefutável, o mais elegante edifício não faz, só por si, um restaurante prestigiado. Ora a entrega da incumbência a um arquitecto desejoso de marcar o sítio com a sua marca e passar a pasta a quem soubesse da poda, deixou o município completamente fora do jogo da constituição da sociedade concessionária. Se não houve qualquer coisa mais grave, houve incompetência no lançamento do concurso. JMJ poderá argumentar que é totalmente alheio às incompetências dos governos, sejam eles centrais ou municipais. Mas não pode é deixar de reconhecer que é do aproveitamento das insuficiências das outras partes que os advogados ganham as suas causas.
.
JMJ refere, como contraponto à exiguidade da renda contratada, o facto de o edifício reverter para a edilidade no fim da concessão, e acrescenta, valorizado. JMJ sabe bem que não é assim: Qualquer edifício ao fim de 20 anos de uso vale sempre, em termos reais, menos do que em estado de novo. O que pode valer mais é o sítio, mas esse é pertença da Câmara; o que pode valer mais é a tal estrela Michellin, mas essa é pertença da equipa que a ganhou se for capaz de a manter. O edifício, só por si, valerá muito menos.
.
Daqui a 20 anos, a renegociação da continuidade da concessão partirá de um valor base extremamente baixo. Até lá a Câmara recebeu uns trocos. Daqui a 20 anos passará a receber, na melhor das hipóteses, uma renda justa.

No comments: