MV,MJ,J,L, Caros amigos,
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Vocês sabem bem que gosto discutir. A discussão descontraída, sem preconceitos nem convencimentos, é uma boa prática para o exercício das meninges, e, conscientemente, inconsequente para qualquer outro fim. Uma discussão civilizada acerca de algumas ideias vale tanto como o exercício físico: não saímos do mesmo sítio mas ficamos convencidos que continuamos em forma. Vem isto a propósito do autocarro da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António que ontem estava estacionado junto à Praça de Espanha, em Sevilha, era o último dia da maior feira andaluza.
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É frequente ver, um pouco por todo o país, autocarros dos municípios em serviços excursionistas. Também já se sabia que algumas destas excursões promovidas por alguns municípios portugueses atravessam a fronteira, algumas chegam ao Vaticano. Esta, que vimos ontem foi até Sevilha.
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O que é um escandalo, digo eu. Porque, além de nos gastarem dos impostos para fins que notoriamente não deviam estar incluídos nas atribuições o Estado, estão a retirar às populações a iniciativa de promoverem a realização das actividades para os seus tempos livres.
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É esta actividade municipal uma iniciativa com a qual vocês, irredutivelmente, concordam porque "se não for deste modo os velhotes pobres não sairiam nunca de casa nem da sua solidão", fazendo eu, na peça, o papel de egoísta materialista e vocês de anjos-da-guarda do altruísmo materialista dialético.
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É um assunto que daria para congeminar até ao tutano mas vou abreviar os meus argumentos: Sou de uma aldeia, que vocês conhecem, onde o associativismo teve uma vitalidade notável e a rivalidade entre clubes recreativos emulou uma actividade cultural e lúdica impressiva; onde coexistem, ecumenicamente, há muitos anos a Igreja Católica e a Igreja Presbiteriana; onde as pessoas se organizavam para excursões por esse país fora, geralmente acompanhadas de tachos de arroz de cabidela e uns garrafões de tinto. Saiam a cantar o sim-carolina-ó-i-ó-ai e voltavam, dois ou três dias depois cheias de histórias para contar e recontar.
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Até que as juntas de freguesia, não tendo muito mais que fazer, tomaram conta do assunto. O "poder local" tomou conta da iniciativa local. Claro que toda a gente ficou contente como quando tem água quente: o pequeno poder local viu uma razão para existir e cobrar votos, os excursionistas satisfeitíssimos porque à borla é mais barato.
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E quem paga? As pessoas pensam que é o Estado.
E é nesta ilusão que bate o ponto. Quem paga somos todos nós, incluindo os excursionistas, e esta redistribuição de rendimentos ad hoc faz-se ao sabor da discricionariedade do pequeno poder local para comprar os votos dos seus eleitores através das excursões e algumas extorsões. Porque, sejamos conscientes, não vão em excursões os mais carenciados e os mais marginalizados. Em muitos casos aproveitam-se desta magninimidade, feita com o dinheiro dos outros, muitos que poderiam pagar a viagem e outros que são mais novos que vocês. Pode ir de excursão um doente acamado? Não pode. Se for pobre recebe, quanto muito, uma pensão tão miserável quanto o que está de boa saúde e vai para a festa. Pode o Estado garantir excursões a todos os pobres e indigentes da nossa terra? Não pode. Por que é que só vão de excursão, à custa de todos, apenas alguns?
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E por que é que teremos de pagar ordenado aos organizadores de excursões? Grande parte das receitas das juntas de freguesia (e também das câmaras municipais) destina-se ao pagamento de despesas de pessoal. No tempo em que as pessoas se organizavam para estas ocupações lúdicas o organizador pagava tanto quanto os outros se queria ir à festa.
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É evidente que numa sociedade sem restrições de meios toda a gente pode passear como e quando lhe der na real gana. Mas esse não é o nosso caso. As pensões pagas a muita gente são exíguas e o governo diz que não tem meios para as fazer crescer mais. Faz sentido cortar nas pensões de muitos para poder subsidiar as excursões a alguns? Não faz.
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E não faz porque o aumento de pensões é prioritário às excursões; depois porque não tem o Estado o direito de impor os seus critérios excursionistas. Há pessoas que não gostam de viajar e são, pelo menos, tão pobres quanto aquelas que excursionam. Se lhes perguntarem o que fariam com o dinheiro que custa um lugar no autocarro eles provavelmente optariam por comprar, por exemplo, qualquer coisa que lhes reduzisse as carências alimentares ou de saúde.
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Em conclusão: Se o orçamento do Estado consente uma redistribuição de rendimentos mais generosa, por pouco que seja, pois que se aumentem as pensões mais baixas dando-se às pessoas a possibilidade de optar por excursões ou outras alimentações. Para que essa redistribuição não seja feita em função dos filhos e dos enteados. A iniciativa local depressa suprirá a falta do cacique que agora é organizador da paródia. A intromissão do Estado neste tipo de actividades é castrador das capacidades das pessoas.
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E dá argumentos de sobra aqueles que vêm no Estado o mal de todas as nossas incapacidades colectivas. Trata-se de um problema menor? Toda a soma é feita de parcelas. E são os pequenos exemplos que apontam para os grandes princípios.
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Fico à espera os vossos comentários. Obviamente, discordantes.
2 comments:
Parabéns pelo post é exactamente assim
E quem fala assim não é gago, também me lembro da altura em que eram as colectividades a organizar os nossos passeios, e muitos eram aqueles que visitavam locais que de outra maneira nunca teriam conhecido.Concordo plenamente com tudo o que foi dito (e eu não sou pessoa de grandes consensos)e apoio a 100% o seu ponto de vista.
De um filho do bairro os meus cumprimentos por tão lúcidos comentários.
João Pereira
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