"Os velhos marinheiros"
Os compinchas do Zé ficaram redondos de excitação quando souberam que o Jorge não ia convocar o Eduardo para tomar conta do leme, o Eduardo ia amuar de certeza, e era a oportunidade única do Zé pegar com o empurrão deles.
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Entraram a todo o gás na sede do clube e perguntaram ao porteiro pelo Zé. Estava na sala, disse o porteiro, e não os enganou. O Zé estava na sala, sentado de cotovelos fincados na mesa e as mãos a aguentarem-lhe a amargura que lhe saía dos olhos em direcção a um ponto infinito equidistante da estória e da História. Perguntaram-lhe os amigos, a atropelarem-se uns aos outros, o que é que se passava, que cara era aquela, que desastre ocorrera sem que jornais e televisões tivessem dado conta; O Zé tinha tudo: recursos, carisma, estética, confiança, além de pessoal de toda a espécie às ordens e capacidades de decisão e comando que só aparecem de longe em longe, como os cometas. E agora que o Jorge se furtara às suas obrigações partidárias, dava ao Zé, de mão beijada, o leme.
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Tanto insistiram os amigos do Zé que ele descontraiu os cotovelos e deixou sair-lhe a amargura pela boca. O problema era o seguinte: Naquele clube, que embora republicano era a imagem do país, contavam os títulos. Sem título ninguém se afirmava perante o pagode. O Eduardo era doutor, o Jorge era doutor, o António era engenheiro, o Vítor era doutor, o Mário, o patriarca do clube, era doutor; só ele era Zé, sem título nem comenda. Andara sempre tão ocupado com a vida do clube que não lhe sobrara tempo para dar uma saltada às aulas. Como poderia, agora, ele atirar-se ao leme e governar o barco, assim sem canudo nem diploma, ainda que qualidades não lhe faltassem?E voltou a fincar os cotovelos para segurar o desânimo.
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Interrogaram-se os surpreendidos amigos do Zé durante alguns instantes ao fim dos quais tinham o problema em vias de solução. Espera Zé, aqui, por nós, que já voltamos.
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Demoraram pouco, e vinham a transbordar de contentamento com um rolo debaixo do braço de um deles: Zé, aqui tens, a partir de agora és Comandante, Capitão-de-longo-curso! Pega no leme e leva-nos todos a bordo!
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E foi assim que o Comandante Zé já levava dois anos de navegação à vista sem ter batido nos baixios quando lhe apareceu uma vedeta da capitania do porto a pedir-lhe os documentos.
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O Zé tinha-se esquecido deles. Prometeu mostrá-los até quarta-feira da semana que vem. Se os perdeu, que é a hipótese mais provável, lá terão os amigos de lhe arranjar outros.
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