A atribuição a M J Morgado do processo dos árbitros veio colocar mais e mais fortes holofotes na ribalta onde se encena a revista à portuguesa repescada com os meios tecnológicos que fazem nos dias de hoje a delícia e os proveitos dos media: “O Caso do Apito Dourado”. Tratando-se de um negócio win-win-win, dificilmente sairá de cena tão cedo. E se sair, transitoriamente, voltará com novo “casting” e enredo eventualmente revisto e actualizado.
O futebol é um negócio que ancorou à sua volta um “cluster” com muitas ramificações, algumas insondáveis. Como qualquer negócio produz para venda. Compra e vende. Tem os seus clientes e os seus fornecedores, os seus accionistas e os seus obrigacionistas. E empregados e financiadores, como é da praxe. Como em qualquer negócio, é do sucesso dos produtos vendidos pelo futebol que dependem os lucros a distribuir pelos seus accionistas.
O mais visível dos produtos do futebol é o jogo. E se nem sempre são as vendas do produto “âncora” que proporcionam as receitas mais elevadas (a transacção de jogadores, por exemplo, é frequentemente superior às receitas dos jogos nas bilheteiras ou por transmissões televisivas) é da sorte dos jogos que depende basicamente a sorte dos outros produtos do negócio: publicidade, merchandising, transacções de jogadores, vendas de camisolas, etc. O “core business” não pode, no caso do futebol, ser subalternizado porque se o coração falhar todos os outros “business” entrarão em falência.
Nada, portanto, obriga a configurar uma análise económica do negócio futebolístico de uma forma original. Mesmo as ligações perigosas entre o futebol e a política, a política e a construção civil, a construção civil e o futebol, mais não são do que “remake” da promiscuidade germinada pela concubinagem entre tutores do Estado e a iniciativa privada. E se do futebol esses tutores nem sempre esperam a oportunidade de encherem os bolsos, a visibilidade política que o “show” lhes proporciona vale bem os bolsos por encher.
No que o futebol, enquanto negócio, tem de original são os árbitros. Em nenhum outro negócio é tão flagrante o papel que pode desempenhar um intruso na sua sorte. O papel que mais se aproxima, nos seus desempenhos, daquele a que se presta um árbitro comprado por um dos concorrentes é o do espião industrial. Em ambos os casos a sorte do negócio é fortemente influenciada por um intruso. Mesmo assim a diferença é flagrante porque o árbitro é conhecido e interveniente visível no jogo e a parcialidade comprada é exibida à vista de todos os que vêm ou visionam o jogo. Com uma subtileza incontornável: a parcialidade pode ser involuntária ou comprada e, neste último caso, a prova pode ser impossível nas actuais condições de ausência de controlo de fluxos financeiros.
Casos como os que recentemente passaram a ocupar as discussões dos portugueses para delícia dos empresários e actores desta comédia de polícias e ladrões, e dos jornalistas, não serão de futuro detectáveis porque os empresários e actores depressa aprendem os caminhos por onde se evadem outros trânsfugas impunes: os que transaccionam drogas, armas, humanos e órgãos humanos, atrás dos intocáveis que se evadem dos impostos.
Haverá, evidentemente, sempre uns Vale de Azevedo distraídos, mas afinal de contas razoavelmente bem tratados, para confirmar a regra, enquanto o grosso do pelotão se escapa.
Aos árbitros, fornecedores de um serviço de cujos resultados observados em campo não há lugar a apelo, continuarão a ser oferecidas contrapartidas para interferirem nesses mesmos resultados. A aceitação dessas ofertas tenderá, quanto muito e a partir de agora, a aumentar o valor da parada e a exigir a adopção de canais seguros.
A menos que se dispensassem os árbitros, o que retiraria ao futebol um dos aliciantes que alimenta a sua popularidade.
Um dos intervenientes neste circo que poderia e deveria, com vantagem para quase todos, retirar-se de cena é o Estado. O que seria fatal para aqueles seus tutores que parasitam à volta do futebol. O instinto de sobrevivência vai continuar a mantê-los agarrados ao negócio como árbitros entre os interesses dos construtores civis e as dependências do futebol. E como árbitros, sujeitos à compra.
Uma desinfestação legal poderia reduzir as consequências nocivas destes últimos. Mas essa desinfestação só seria possível se fosse minoritária a fracção de tutores parasita.
Pelos vistos não é.
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